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Nesta história do alegado assalto ao correio do Benfica e das supostas mensagens que têm sido divulgadas, não me meto. Primeiro porque nunca enviei um e-mail a qualquer dirigente, pelo estranho fac..." /> Quinta do Careca - Record

Quinta do Careca

Vão chafurdar para outro lado

10 Janeiro, 2018 0

Nesta história do alegado assalto ao correio do Benfica e das supostas mensagens que têm sido divulgadas, não me meto. Primeiro porque nunca enviei um e-mail a qualquer dirigente, pelo estranho facto de nada ter a tratar, e se respondi a algum foi para agradecer a gentileza de um convite a que, seguramente, não correspondi. Nos 10 anos em que fui diretor deste jornal, já o escrevi, não fiz uma viagem paga por alguém que não fosse eu próprio – sim, também nunca viajei por conta do Record – e só vi futebol ao vivo em Portugal nos camarotes da Cofina ou na bancada, com o bilhete comprado. E isso não aconteceu por me considerar melhor do que ninguém, mas apenas pela vontade de preservar a componente antissocial que ao longo da vida me moldou o comportamento.

Em segundo lugar porque as feiras de lixo não me interessam. Sou um simples amante do futebol praticado dentro de campo, um adepto que detesta todo o folclore que o rodeia, desde a falta de civismo das claques à intriga dos bastidores, passando pelo jogo sujo que gera a violência – tudo, afinal, o que seja necessário para retirar o foco dos maus resultados das equipas, hoje umas, amanhã outras. E aqui condenei por diversas vezes a guerrilha fedorenta em que ou se arranjam “provas” ou se forjam uns “papéis” onde se escrevem os nomes a atirar para a lama, pelo que não gastarei mais cinco minutos do tempo de vida que me resta para tecer considerações sobre tal gente: na realidade, são dignos uns dos outros.

Dito isto, há um aspeto da questão a que não sou indiferente: ao crime. Gostaria muito de ver a PJ e o MP levarem a fundo as investigações para que, havendo malfeitores a cair sob a alçada da lei, eles possam ser punidos. É altura de travar a república das bananas em que se transformou o futebol português e de meter na ordem – e se necessário na cadeia – quem anda ou andou a brincar com o fogo.

Com o fogo e com o bom nome de pessoas de bem. No eventual e-mail atribuído a Carlos Janela, e que ele rejeita, são apontadas as iniciais de dois jornalistas do Record, que não sendo da minha geração vêm do meu tempo no ativo. Um deles é o Sérgio Kritinas, que chegou aqui depois de me ter reformado mas que conheci bem no desaparecido “24 horas” e que considero não só incorruptível como sei defensor firme da separação entre o labor jornalístico e as tarefas dos serventuários. E se não tenho dúvidas quanto à probidade do SK, sobre o segundo atingido, o JB, tenho mesmo certezas porque passei muitos anos na trincheira ao seu lado. O Jorge Barbosa desenvolveu na redação do Record, no Porto, não só um trabalho editorial notável, como constituiu um baluarte na contenção do despesismo que herdou. Com a idade que tenho, já não ponho as mãos no lume por ninguém. Abro hoje uma exceção para pôr quatro por estes dois. Acreditem, terão de chafurdar por outro lado.

Outra vez segunda-feira, Record, 8JAN18

Onze pontos que acabam com três ligas antes do Natal

20 Dezembro, 2017 0

Investimentos de centenas de milhões de euros, que transformaram qualquer ideia sobre o “fair play” financeiro numa treta, fizeram com que os campeonatos de Inglaterra e de França – e também da Alemanha, aí com maior contenção – ficassem praticamente resolvidos antes do Natal.

Na Premier, vitórias sucessivas do Manchester City tornaram a competição bem menos interessante do que estávamos habituados: a 20 jornadas do fim, os 11 (!) pontos de vantagem da equipa de Guardiola sobre o Manchester United de Mourinho e os 14 sobre o atual campeão, o Chelsea, são esclarecedores quanto à superioridade dos “citizens”.

São também 11 os pontos que separam, na Bundesliga, o líder Bayern de Munique do segundo, o Schalke 04, agora que terminou a primeira volta. E na Ligue 1, o fenómeno só não tem a mesma amplitude porque no PSG há Emery, não há Guardiola. Mesmo assim, os parisienses levam 9 pontos de avanço sobre Monaco e Olympique de Lyon.

Voltamos a encontrar 11 pontos na liga espanhola, a separar o Barcelona do Real Madrid, que tem menos um jogo, embora os catalães tenham outro rival, o Atlético de Madrid, a 6 pontos. Em La Liga, o investimento foi menor, até porque Dembelé, campeão dos milhões de verão no país vizinho, em nada contribuiu ainda para os êxitos do surpreendente Valverde. Surpreendente para mim, que não esperava, após a estrondosa derrota na Supertaça de Espanha, vê-lo juntar tão rápida e eficazmente os cacos da época passada, e ganhar uma vantagem quase irrecuperável para os merengues. Trata-se de um treinador discreto e realista, que trabalhando com o que tem – e tendo Messi – consegue apresentar resultados. Diria que o clássico do próximo sábado, no Bernabéu, será o teste de fogo para a efetiva solidez competitiva deste Barça.

No outro grande campeonato do “big five”, o italiano, existe um equilíbrio “à portuguesa”, com quatro ou cinco candidatos a perseguir o título, sem que, curiosamente, isso nos conduza a uma emoção por aí além. Entre nós, parecem ser só três os pretendentes, podendo considerar-se que o Benfica tem agora a favor o facto de estar afastado das competições europeias e da Taça de Portugal, o que lhe permite dirigir todo o seu poder de fogo ao penta, para o que deve começar por recuperar os 3 pontos de atraso. O dérbi de 3 de janeiro, na Luz, será a primeira oportunidade.

O último parágrafo vai desta vez – e mais uma vez – para Cristiano Ronaldo. Depois de mais um título para cuja conquista a sua ação foi decisiva, a imprensa madrilena iniciou uma nova cruzada: o jogador estará insatisfeito pelos valores envolvidos na renovação do contrato de Messi – já estaria incomodado com o de Neymar – pelo que só voltará a ficar “feliz” com a melhoria do seu atual compromisso, que finda em 2021. Vai ser bonito! E pronto. Com esta crónica termino mais um ano. Um excelente 2018, leitor.

Outra vez segunda-feira, Record, 18DEZ17

Rui Vitória tem tudo o que o Benfica precisa

12 Dezembro, 2017 0

Nota prévia – Escrevi esta crónica antes da eliminação do Benfica da Taça de Portugal, mas mantenho a opinião: Rui Vitória tem tudo o que o Benfica precisa. Para mais agora, que a crise da equipa é indiscutível.

Regressaram as dúvidas dos primeiros difíceis tempos de Rui Vitória no Benfica, com muita gente a aproveitar a antena para vincar os zero pontos dos encarnados na Champions. Com isso, o que se pretende é voltar a questionar a capacidade do técnico que um dia Luís Filipe Vieira garantiu ter chegado à Luz para devolver ao benfiquismo o orgulho europeu. Foi, de facto, muito mau, embora uma equipa competitiva não se construa de uma semana para a outra após a saída de jogadores nucleares – viram, ontem, como Ederson impediu o United de alcançar o empate, com duas defesas, consecutivas e magistrais, a negar o golo a Lukaku e a Mata? Pois é, feito o balanço dos dias de glória e das noites de pesadelo, o saldo é positivo e Rui Vitória provou ter sabedoria, talento e resistência psicológica para treinar o Benfica, pelo que espero ver Vieira continuar a resistir aos guerrilheiros da má língua, permitindo o trabalho em profundidade que os furiosos do ganhar “tudo e já” travam, desde que a bola é redonda, para desgraça dos clubes ou das sociedades e dos seus resultados.

Li no Record que Jorge Jesus se referiu a uns “atrasados mensais” que não compreenderão as suas decisões, o que os tornará atrasados mais mentais do que mensais, pelo que não se terá tratado de um “lapsus linguae”. E li, igualmente, que José Eduardo Moniz afirmou ser-lhe “indiferente ouvir os outros a ladrar”. Não, não são os desqualificados das claques ou das redes sociais os maiores culpados, é de pessoas com percurso, assinatura e responsabilidades a mão que mais incendeia o futebol.

Se fosse Pinto da Costa a mandar, o VAR acabava. Por que será que não existe tema relacionado com a arbitragem em que não se entenda que os outros são sempre beneficiados e nós os eternamente prejudicados? O VAR é um avanço no combate pela verdade desportiva, mas porque depende de interpretação humana jamais fugirá à dúvida dos adeptos inteligentes e à desconfiança das massas acéfalas – e de quem as controla em proveito próprio. É a velha questão: os erros dos árbitros fazem parte do futebol e seria preciso saber viver com eles. Só que a mensagem da discórdia traz popularidade e incendiar as redes sociais dá outro eco à opinião publicada, e potencia as suas consequências – que, em boa verdade, deviam ser nenhumas, assim fossem fortes os organismos do futebol e não dependessem de terceiros os dirigentes.

O último parágrafo vai para Cristiano Ronaldo, menos pela quinta Bola de Ouro e mais pelo seu retorno aos golos: um na quarta-feira e mais dois no sábado. Porque estas secas de remates vitoriosos primeiro que se vão é uma chatice – basta ver como Suárez, Benzema e Griezmann se davam com os golos e as dificuldades que também atravessam. Mas como a temporada nem a meio chegou, muitos e grandes momentos nos esperam, penso de que.

Outra vez segunda-feira, Record, 11DEZ17

A violência, a impunidade e os maus exemplos

5 Dezembro, 2017 0

Se os árbitros que não resistem às pressões e não fazem orelhas moucas aos insultos devem dedicar-se a outra profissão, o certo é que quando se passa dos impropérios e das ameaças inconsequentes à violência física o caso deve mudar de figura: há que ter mão pesada com os agressores.

Chocamos aí de frente com outro problema: a justiça comum tornou-se frágil perante os criminosos. Se um dos manos valentões que pontapeou com sanha assassina um jovem prostrado – ato de que existe prova em vídeo – já soma dez (!) condenações por agressão e continua à solta, que juiz meterá na cadeia um simples adepto que saltou para o terreno de jogo – e que o justificará com a camada de nervos em que estava, pobre dele – e empurrou um jogador, como aconteceu na sexta-feira, no Dragão? Aliás, o manda-chuva da claque portista aprovou publicamente a tareia dada por selvagens a uma equipa de arbitragem, na Argentina, publicando e comentando a foto em que se via uma das vítimas após a sova: “Este de certeza não rouba mais”. Uma frase bonita para emoldurar na parede da sala de todos os energúmenos do país.

E porque os anormais se entusiasmam uns com os outros, ontem, um espectador do Beira Mar-U. Lamas agrediu igualmente os árbitros, e no final do Académica-Famalicão houve desacatos e invasão de campo, com os arruaceiros animados pelo sentimento de impunidade que por aí vai.

Parece-me, por seu lado, difícil que colham as teorias incendiárias, seja a das cartilhas, a dos e-mails, a do controlo da arbitragem ou a do manual para malucos. No FC Porto – e é apenas um exemplo – onde antes havia hierarquia, profissionalismo e uma só voz, o que vemos hoje? Os jogadores a impedirem o treinador de mais excessos e o treinador a tentar evitar que o diretor-geral (!) perca também a cabeça. Mesmo que os portistas tenham razões de queixa, e vão tendo, é essa “cabeça perdida” dos protagonistas que gera a violência dos sem cabeça. É preciso parar para pensar: a gente do futebol porque com a outra não se conta.

Último parágrafo para duas pérolas. Uma é Gonçalo Guedes, cuja ausência faz com que o Valência se veja privado de boa parte do seu caudal ofensivo. Podia estar a dois pontos do Barça e não aproveitou – ficou agora a cinco e Guedes só voltará em janeiro. A segunda pérola é Renato Sanches, que passou de promessa a realidade e de realidade a estrela. Teve a imprudência, aos 18 anos, talvez por falta de bons conselhos, de ir do Benfica para o Bayern e para um país do qual desconhecia a língua e a cultura, e onde não tinha amigos. Cometeu, ou alguém por ele, novo erro, ao ir de Munique para o País de Gales e para um clube nada adequado à sua redenção futebolística – é último na Premier. Só por ter ainda 20 anos e muito talento não estará perdido, mas necessita, com urgência, de quem o ajude a relançar a carreira. Antes que seja tarde.

Outra vez segunda-feira, Record, 4DEZ17

Os árbitros que sigam em frente ou que se dediquem à pesca

29 Novembro, 2017 0

O amuo anunciado mas jamais seguido por atos dos senhores árbitros era só o que faltava na balbúrdia em que tombou o futebol português, perante a passividade de Federação, Liga e Governo, que não sabem o que fazer por um simples motivo: podem fazer pouca coisa.

Os próprios clubes grandes, para os quais a luta é de milhões – e quase de vida ou morte para aqueles que alimentam –, há muito largaram a velha estratégia da influência na comunicação social e partiram para outro terreno. Dantes, com algum esforço e enfrentando resistências, distorcia-se o sentido do escrito, alegavam-se ofensas, fingiam-se ressentimentos e ameaçavam-se os jornais com boicotes no acesso às notícias, aos treinos e aos jogadores, na tentativa de controlar a opinião publicada. Sem excessivos motivos para me armar em vítima – só aceitei o que entendi ser bom para os leitores, nunca tive donos e sem donos morrerei – sei o que estou a dizer. E não era assim o futebol, era assim a vida.

Acontece que a vida mudou. A multiplicação de painéis de comentadores televisivos não só deu uma oportunidade de glória a alguns cartilheiros e furiosos dramáticos, como levou as suas opiniões a atingirem – e tantas vezes a agredirem – o adepto comum, antes tão descansado a ver os golos da jornada e a discutir, em cafés e tabernas, se foi ou não foi penálti.

E ao mesmo tempo que a televisão tomava conta do futebol em tudo o que pudesse ter interesse para o telespectador, desenvolvia-se na internet e pairava nas redes sociais um fantasma sem nome e sem rosto, que de aparições pueris e até divertidas se transformou no monstro caceteiro que hoje conhecemos. E o que era, primeiro, território de iluminados na velha imprensa e, depois, de gente bem falante no pequeno ecrã, passou a ser palmilhado por milhões de opinantes anónimos, dispostos a fazer-se ler e ouvir ainda que para isso se torne necessário utilizar desvios da verdade, impropérios, calúnias e ameaças – e quanto mais selvagens melhor.

Ora, é esta horda de destrambelhados, que nunca parará de se infiltrar nas conversas e nos “posts” dos adeptos civilizados nas comunidades virtuais – tal como os desordeiros jamais deixarão de ter acesso aos estádios –, que incomoda e continuará a incomodar os árbitros. Pelo que a estes restam duas soluções: seguirem em frente e ignorarem os insultos ou dedicarem-se à pesca. Se pensam existir no futebol, no País ou no Mundo, força que consiga travar os abusos de liberdade de expressão na internet, como nas bancadas ou nas ruas, estão enganados.

Enquanto houver futebol, com VAR ou sem VAR, os árbitros continuarão a errar, involuntariamente a esmagadora maioria, e a ser criticados, condicionados e ameaçados. Sempre assim foi e será, e nem devem estranhar porque – e repito-me a citar José Maria Pedroto – se foram para árbitros é porque não batem bem da cabeça.

Outra vez segunda-feira, Record, 27NOV17

Jorge Jesus e Luisão em duas entrevistas marcantes

22 Novembro, 2017 0

Os que têm juízo aforram o mais possível, sabendo que a inatividade é certa: nos jogadores, uma carreira normal acaba entre os 33 e os 35 anos, nos treinadores médios trabalha-se hoje mas amanhã não se sabe. É, assim, natural que os profissionais do futebol sejam uma espécie de gente estranha, geralmente desconfiada e fechada no seu casulo de incerteza permanente. Ainda que a internet e as redes sociais, que mudaram a vida de todos os dias – e as mulheres, as “esposas” de ontem, justiça se lhes faça! –, tenham alterado também o paradigma do secretismo no mundo da bola, a timidez mantém-se e os protagonistas pouco se deixam conhecer fora dos estádios e do seu círculo restrito. Foi por isso muito bom ler a entrevista de Luisão ao “Expresso”, e ver e ouvir Jorge Jesus na 400.ª edição do “Alta definição”, da SIC, já que pudemos navegar pela “face oculta da Lua” de dois nomes marcantes do futebol português.

Sinto admiração por ambos e pelo brasileiro desde os tempos em que começou a impor-se no balneário, o que levou Record a classificá-lo, numa manchete, de “capitão sem braçadeira” – para desespero de outro suposto candidato. O percurso de Luisão na Luz confirmou, aliás, o seu carisma e a sua inteligência, além de um profissionalismo que o projetou para o patamar onde, quase aos 37 anos, ainda se encontra. Agora, a revelação da próxima vinda dos pais para Lisboa e a decisão de aqui continuar a viver depois de pendurar as botas – ao contrário de tantos compatriotas para os quais Portugal é apenas um ponto de passagem – mostram outra caraterística relevante da personalidade de Luisão: a gratidão. O amor pelo país que o acolheu, e pelo emblema que tudo lhe proporcionou, completa o seu perfil e traça, em definitivo, o seu caráter.

Quanto a Jorge Jesus, Daniel Oliveira arrancou-lhe o que faltava descobrir: os sentimentos mais profundos de uma pessoa diferente e sensível, de um homem de família que não gosta de sair de casa, de um filho da Amadora que vive na Outra Banda e que falhou rotundamente como “professor de Português” para vencer e se consagrar na arte do futebol. Em breve o tratarão por Mestre, “acarditem”.

O parágrafo final vai para o Real Madrid e para Cristiano Ronaldo. Dos merengues, não há muito mais a dizer além de que jogam pouco e estão já a 10 pontos do Barcelona – e a 6 (!) do Valência, atenção. De Cristiano, basta recordar dois lances: um na primeira parte, em que parecia ir isolar-se e perde ao sprint para Juanfran, um rapaz da sua idade; e o outro, já perto do final do dérbi madrileno, quando descaído sobre a direita, livre de marcação e quase na cara de Oblak, falha o golo por lentidão excessiva na preparação do remate. Moral da história: não é, na verdade não podia ser, o jogador dos velhos tempos – a velocidade foi-se. Vai custar-lhe a admitir isso, mas é a vida.

Outra vez segunda-feira, Record, 20NOV17

O que falta no futebol português é grandeza

14 Novembro, 2017 0

 

 

 

Tive de chegar ao final da entrevista de Rui Pedro Soares, na edição de Record de sábado, para encontrar a melhor frase do seu depoimento e uma das poucas em que o discurso me pareceu razoável: “Estamos a fanatizar uma geração!” Imediatamente antes, o diretor da SAD azul justificava a opinião com “o mal que está na ser feito ao futebol e o ódio que está a ser introduzido”, por culpa dos três “grandes”, diz, e da “guerra mediática” que promovem e que “prejudica” os outros 15 clubes da liga.

Qualquer adepto desapaixonado estaria disponível para subscrever a teoria de Soares, não tivesse ela origem num gestor acusado pela direção do emblema do Restelo de incumprimento do compromisso assinado há cinco anos, e cuja ação divisionista e intolerante tem precisamente fomentado o ódio e despertado os fantasmas do fanatismo entre os fãs dos azuis. Como Frei Tomás, façam o que ele diz e não façam o que ele faz.

Deixemos então o arauto e retenhamos a mensagem, para desenvolver um pouco mais um tema a que já tenho aqui dedicado largo espaço. A última vez foi para sublinhar a influência nefasta dos ora muito na berra “diretores de comunicação”, correias de transmissão das estratégias dos seus patrões – e das palavras que estes necessitam que sejam ditas por interpostas pessoas. E temo, até, ter sido injusto, já que nem todos os jornalistas têm a sorte de poder ganhar a vida com o rabo sentado nas redações – uma postura saloia, aliás em fase de liquidação total.

São os líderes dos três “grandes” do futebol português – Luís Filipe Vieira, Pinto da Costa e Bruno de Carvalho – e não os seus múltiplos funcionários, bajuladores e cartilheiros, os maiores responsáveis pelo clima de ódio que alastra como uma epidemia. Curiosamente, qualquer um deles pode ufanar-se de ter estado com a razão e de ter sido vítima e não culpado um ror de vezes, e todos podem queixar-se de que a violência que os outros desenvolveram foi desproporcional à provocação que a motivou. O que não pode, nenhum deles, é orgulhar-se da grandeza do gesto superior que a situação impunha: o de não responder à mesquinhez adversária, em particular naqueles momentos em que sabe que a sua palavra desencadeará uma espiral de novos ressentimentos. É essa afirmação que falta no futebol português. Porque isso elevaria as rivalidades ao patamar de cima, baixaria o tom da acrimónia e deixaria nua uma pobre classe dirigente agarrada a salários que a vida profissional não lhe proporcionaria, e igualmente responsável pelo caos – de vergonha, descrédito e estádios vazios – onde sobrevive para desgraça coletiva.

O último parágrafo é hoje mais breve, tem “vaga” ligação ao tema desta crónica e resolve-se com duas perguntas e uma resposta. Ainda existe um secretário de Estado do Desporto? E serve para alguma coisa? Como não serve para nada, logo não existe.

Outra vez segunda-feira, Record, 13NOV17

Benfica melhora e Felipe tem valor acrescentado

7 Novembro, 2017 0

O Benfica continua a melhorar na Liga, subindo de rendimento e mantendo-se como forte candidato ao título – afinal, o Sporting tem apenas mais um ponto. E isso acontece porque, para consumo interno, as saídas não compensadas de jogadores nucleares são disfarçadas pelos múltiplos recursos que sobraram e pela “engenharia futebolística” de Rui Vitória, que tudo aceita com generosidade e tudo resolve com voluntarismo. Mas a Champions é outra coisa e aí o desinvestimento não pode ser maquilhado: quatro jogos, quatro derrotas, um só golo marcado e até a Liga Europa está em risco. A moral da história é velha: não há milagres.

Recordo-me bem do que se escreveu e disse sobre Felipe, após as suas primeiras semanas no FC Porto. Da capacidade técnica modesta ao ataque à bola a destempo, passando pelo mau posicionamento em campo, sobraram críticas. Mas o tempo confirmou a qualidade do central brasileiro, este ano até com valor acrescentado: os árbitros ficam sem sopro nos apitos quando ele faz faltas na grande área. No sábado, no Dragão, cometeu duas para penálti, que o juiz não assinalou e que se tentou mesmo garantir que não tivessem existido. Mas honra para Jorge Faustino, que no Record de ontem não se encolheu e foi bem claro. E a verdade é que, a ter sido cumprida a lei, o Belenenses desfrutaria, cedo no desafio, de duas oportunidades para alterar o marcador a seu favor. E uma certeza: como das faltas resultariam dois cartões amarelos, o excelente Felipe teria sido expulso aos 24 minutos e eventualmente a sorte da partida seria outra. Ou não, concedo, que o FC Porto está a jogar horrores.

Parece incrível como ainda há tão pouco tempo Real Madrid e Barcelona dominavam o futebol europeu e como rapidamente perderam esse estatuto. Com o Manchester United a tardar em alcançar o nível que sempre se espera das equipas de José Mourinho, os grandes monstros da atualidade são o Manchester City, de Pep Guardiola, e o PSG, de Unai Emery, que somam goleadas umas atrás das outras. No caso dos ingleses, só algo de outro mundo os impedirá de ser campeões. Já no que respeita aos parisienses, existe o perigo do excesso de vedetas e de alguma falta de neurónios. Mas a fase final da Champions promete, talvez com a Juventus a fechar o sexteto galático.

No último parágrafo, o quarto tema de hoje: Lito Vidigal. Em boa hora regressado ao futebol português, o treinador apanhou logo pela frente Benfica e V. Guimarães, e perdeu. Sabiam os seus admiradores, e entre eles me incluo, que era uma questão de dias para que recuperasse fora o que perdera em casa. E assim aconteceu, o Aves foi ganhar a Setúbal e pode finalmente respirar. Lito é um exemplo daqueles treinadores que deixam marca por onde passam, sendo que por vezes são incompreendidos por gente burra, que percebe tanto de futebol como de viagens ao espaço.

Outra vez segunda-feira, Record, 6NOV17

A maneira mais triste de tratar Iker Casillas

30 Outubro, 2017 0

Já aqui destaquei a extraordinária transformação que se deu na equipa do FC Porto desde que Sérgio Conceição assumiu o comando. Referi, também, a forte personalidade do treinador e a sua indiscutível capacidade de liderança. Mas isso não me leva a ficar calado perante a humilhação a que Sérgio, e a SAD portista por detrás dele, submetem Iker Casillas.

Não vale a pena perder mais tempo a falar sobre a qualidade do guarda-redes, que dele fez – para além de todos os títulos que ganhou no Real Madrid –campeão da Europa e campeão do Mundo. E não vale porque logo surgiriam os críticos a sublinhar as suas clássicas dificuldades em abandonar os postes, que terão levado, primeiro Mourinho e depois Ancelotti, a deixá-lo no banco.

O que vale a pena é recordar a visibilidade e o prestígio que a contratação de Casillas trouxe ao FC Porto, a segurança que devolveu à baliza portista – e que o início da época confirmava –, a relação com os companheiros e o compromisso com a equipa e com o clube. Tudo, afinal, o que devia fazer com que fosse estimado no Dragão, onde, em boa verdade, não lhe perdoam o facto de ter ativado a renovação do contrato, um contrato que é hoje considerado ruinoso para a SAD.

A comunicação social, a começar pela espanhola, ainda tentou encontrar uma justificação para a misteriosa “opção técnica” que retirou a titularidade a Iker, na esperança que Sérgio Conceição tivesse, enfim, uma posição semelhante à de Mourinho – joga outro porque os treinadores optam pelos que lhes dão melhores garantias.

Mas não. O técnico portista, irritado por ter sido colocada a possibilidade de a secundarização do espanhol se ter devido à pródiga utilização das redes sociais – Casillas é uma marca e tem de alimentá-la – veio a terreiro apresentar a mais aviltante razão para o afastamento de qualquer profissional: a falta de empenho nos treinos, uma afronta. Não seria mais nobre, e mais verdadeiro, dizer-lhe que o clube não pode pagar a um jogador tão caro e por isso que vá à sua vida? Se estava feliz no Porto, eis que o Porto se torna no pesadelo que Iker não merecia. Que feia coisa.

Dois temas para o último parágrafo. O primeiro para o adeus ao ténis, aos 37 anos, de Martina Hingis, após ter sido a desportista mais bem paga do Planeta na dobragem do milénio, ter estado 209 semanas como número 1 mundial e ter ganho 107 torneios como individual, e em pares e pares mistos, dos quais 18 do Grand Slam. Quando os sinos só dobram por Federer – que ontem alcançou o seu 95.º título, ah pois é! –, Nadal ou pelas manas Williams, é bom lembrar que há mais lendas no ténis. Quanto ao outro tema: Éder não tinha qualidade para jogar no Lille, entendeu Marcelo Bielsa. Ainda bem para o nosso homem do Euro, já que o clube do “exigente” treinador venceu um jogo em dez, marcou apenas 6-golos e é penúltimo na Ligue 1. Se lá tivesse ficado, a culpa seria do Éder…

Outra vez segunda-feira, Record, 30OUT17

Deu-se a Svilar o que se negou a Bruno Varela

24 Outubro, 2017 0

Os especialistas estão divididos. Os mais ligados ao futebol torcem o nariz à prematura aposta de Rui Vitória no guarda-redes Svilar, lançado aos 18 anos e 52 dias num jogo da Champions com um resultado desportivo desastroso – e a perda de 1 ponto que pode vir a fazer falta ao Benfica para aceder à Liga Europa. Ou seja, as consequências do falhanço do jovem talento estão ainda por apurar.

Os que se baseiam mais na psicologia defendem Svilar, e são, curiosamente, muitos dos que não mexeram uma palha para justificar Bruno Varela, cujo lapso foi menos chocante, já que se deu na sequência de um remate difícil de suster. Mais chocante foi, sim, a sentença: de titular passou a terceira opção para a baliza encarnada. Longe de mim pensar que esse ostracismo por parte de tantas boas almas tenha algo a ver com o facto de Varela ser português e menos ainda por o sol o ter queimado muito nas idas à praia. Não, nós por cá nunca temos dessas torpezas.

Os defensores da segunda oportunidade para o sérvio-belga falam da necessidade de que ele aprenda com os erros e da sua qualidade técnica – à boleia de José Mourinho, já que da matéria pouco entendem –, aplaudindo a decisão de Rui Vitória de o manter no onze inicial. Aliás, o treinador tem mostrado, nestes anos, dispor também de méritos como psicólogo e condutor de homens, e só lhe fica bem a confiança que renovou a Svilar. O que não lhe ficou nada bem, e é como seu admirador que o critico, foi não ter tido a mesma atitude com Bruno Varela, que como aqui admiti, antes do seu infortúnio, pode simplesmente estar perdido como guarda-redes de primeira linha. Ou tem uma cabeça dura, parecida com as de Carlos Lopes ou Cristiano Ronaldo, ou está arrumado.

Nos quase 15 anos que levo de escrita no Record, já por diversas vezes referi o caso de Rui Correia, que foi dono da baliza do Sporting, com 20 anos, no final da década de 80. Elogiado por todos como “o guarda-redes do futuro”, alinhou em pouco mais de uma dezena de jogos e – acabando por falhar, vítima da sua inexperiência – caiu em desgraça por não ter tido, na altura, um Rui Vitória para lhe pôr, como ao borracho, a mão por baixo. Ainda fez um percurso interessante no Sp. Braga e chegou ao FC Porto, mas nunca mais atingiu o nível dos primeiros desafios em Alvalade. E quanto a Svilar, veremos o que acontecerá ao dar-se o inevitável: o seu próximo erro penalizador.

O último parágrafo vai hoje para Rolando, o patinho feio dos centrais portugueses, que confirma no Marselha ter passado ao lado da grande carreira que merecia. Ontem, vimo-lo enfrentar com êxito a todo-poderosa linha avançada com que o PSG pensava ir ganhar os jogos todos. E só o génio de Cavani evitou, quase no final, a derrota parisiense no Vélodrome. Mas o empate também serve a Jardim, Moutinho e Rony, agora de novo mais perto do PSG no topo da classificação. Vá lá, agradeçam ao Rolando.

Outra vez segunda-feira, Record, 23OUT17