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A altura é má, vivemos desesperados com a tragédia de Pedrógão Grande, é como se cada um de nós tivesse lá perdido alguém: e todos perdemos, essa é a verdade. Só nas redes sociais, em especial no T..." /> — ler mais..

A altura é má, vivemos desesperados com a tragédia de Pedrógão Grande, é como se cada um de nós tivesse lá perdido alguém: e todos perdemos, essa é a verdade. Só nas redes sociais, em especial no T..." /> Quinta do Careca - Record

Quinta do Careca

Os gremlins andam doidos nas redes sociais

24 Junho, 2017 0

A altura é má, vivemos desesperados com a tragédia de Pedrógão Grande, é como se cada um de nós tivesse lá perdido alguém: e todos perdemos, essa é a verdade. Só nas redes sociais, em especial no Twitter – que é por onde navego em dias de jogos importantes – nada parece travar os maluquinhos. Ia a escrever incendiários mas não há de momento pior palavra.

Alfaces. Podiam ter aprendido com a frustração que tiveram no Europeu, quando as críticas implacáveis aos jogadores e ao selecionador esbarraram na conquista do título que os manteve a estrebuchar por uns meses. Mas não, animados pelas frouxas exibições da Seleção, que não enchem o olho mas bastam para seguirmos em frente, ei-los de novo frescos como alfaces, determinados em apostar no azar porque sabem que alguma vez perderemos.

Irritante. O mais fustigado dos protagonistas é por estes dias André Gomes – por quem o Barcelona acaba de recusar 35 milhões, está tudo doido – aproveitando o facto de Fernando Santos ter pelo rapaz a mesma obsessão que tinha Luis Enrique, apesar do seu rendimento quase sempre baixo e demasiadas vezes irritante. Ontem, até li um post em que alguém punha a malandreca hipótese de uma ligação concupiscente e libidinosa, veja-se ao que chegámos!

Esquecidos. Conhecidas as equipas, o primeiro bombo da festa na Internet foi Bruno Alves: porque está velho e porque o José Fonte é que é bom, ninguém se lembrando já de quem ficou pregado ao chão no lance em que o México alcançou o 2-2. E mais: se nos safámos com os russos foi precisamente pela ação dos dois centrais, que estiveram brilhantes. Não me recordo de uma falha – mas se perguntássemos aos gremlins, eles arranjariam várias.

Farmácias. Rafa Guerreiro também não é muito amado. Por estar fora de forma, por ser baixinho para as bolas paradas ou mesmo, quem sabe, por o seu nome se escrever com ph comos as farmácias em tempos idos. O certo é que estragou as férias e vai perder o início de época, sem que isso conte para os furiosos da rede. Deve ser uma embirração lateral porque Cédric é outro titular pouco querido dos grunhos, menos pelo rendimento, em que é inatacável, e mais porque muitos queriam era ver lá o Nélson Semedo. Questões da nossa clubite imbecilóide.

Patavina. Eliseu levou igualmente pela medida grande. Mal entrou, choveram impropérios sobre Fernando Santos, havia até quem preferisse o Quaresma, um defesa-esquerdo de eleição como sabemos. E injuriado foi ainda Gelson Martins porque quem devia ter entrado era o Nani, para nada interessando que o ora valenciano tenha jogado patavina na partida inaugural.

Injustiça. Desta vez escapou Cristiano porque marcou cedo o golo e chegou aos 55 esta época, apenas a 2 de Messi. Quer dizer, não escapou bem, porque não podendo ser pelo futebol, o veneno gira agora à volta da perseguição da Fiscalía. Como se todos não soubéssemos como irá acabar o seu amuo com o Real Madrid: ampliação de contrato, com uma melhoria que cubra os 30 milhões de euros que terá de pagar para não ir preso. Injustamente? Pois, mas a vida é injusta – como tão violentamente acabámos de confirmar.

Contracrónica, Record, 22JUN17

Sporting venceu o dérbi dos barbudos

24 Abril, 2017 0

Orgulho-me de ter feito parte da frente de jovens portugueses que antes de 25 de abril de 1974 deixaram crescer barbas e cabelos como forma de protesto contra a ditadura. A referência era Ernesto Che Guevara, Fidel Castro e o seu grupo de guerrilheiros cubanos, que ao descerem da Sierra Maestra até Havana, para derrubar Fulgêncio Batista, em 1959, fizeram com que os inimigos procurassem diminuir-lhes a proeza, classificando-a como a “revolução dos barbudos”.

O poster do Che. A imagem clássica de Guevara – que morrera nas selvas da Bolívia, em 1967 – aquela da boina com uma estrela de cinco pontas, era mesmo proibida em Portugal. Recordo de me terem apreendido, na alfândega do aeroporto de Lisboa, um poster do Che, que comprei em Londres, no início da década de 70. Mas aos zelosos funcionários escapou a t-shirt com estampa semelhante, que vesti por baixo da roupa e que conservei até hoje – hoje que deixei de lá caber e que já nada tenho de guevarista, pelo contrário. Mas é um símbolo que marcou a minha geração.

Cinco em 28. Voltei ontem a esses gloriosos tempos ao assistir ao dérbi e verificar que dos 28 jogadores utilizados apenas cinco (!) se apresentaram de rosto barbeado: quatro do Benfica – Luisão, Lindelof, Cervi e Jiménez – e um do Sporting – Podence.

1-1 em cheio. Os leões jogaram mais mas estão muito dependentes da finalização de Bas Dost, que Lindelof meteu no bolso, e o Benfica, jogando um pouco menos, chegou ao empate a uma bola – que antevi na edição de sexta-feira, no TotoRecord, ah, pois é!… – e continua a depender somente de si próprio para ser campeão.

Cartilha. Agora, dada a importância do visual da moda, que um estudo recente atribui não tanto à intenção masculina de impressionar as mulheres, antes à convicção de que as barbas fazem os homens “mais maduros, fortes e agressivos”, o desempate tem de ser feito a favor dos de Alvalade (13-10) – ainda que fossem de Mitroglou e Rafa os adornos mais vistosos. É que no onze titular o Sporting mostrou-se solidário e coerente, apenas com dois jogadores a não aderirem totalmente à cartilha barbuda: William, com o seu clássico bigode, e Gelson Martins, com uma “perazita” envergonhada. Já os treinadores Jesus e Vitória, e o árbitro Soares Dias se exibiram de cara lavada. Mas esses, coitados, são velhos, não entram nesta história.

Contracrónica, Record, 23ABR17

E Rui Vitória não foi comido de cebolada

12 Dezembro, 2016 0

Fui leitor e telespectador atento das dezenas de previsões que ao longo da semana se fizeram sobre o dérbi e antes do jogo tinha uma certeza: Rui Vitória estava tramado. Tudo indicava, acreditando nas teses dos cientistas, que lhe ia acontecer aquilo que mais teme na vida – ser comido de cebolada. Aliás, o treinador do Benfica vai ter ainda muito que sofrer até lhe reconhecerem os méritos sem més nem meios més, pois mal o apanharam com duas derrotas consecutivas logo o crivaram de balas.

Desastre. O principal problema que teria de resolver residia nos centrais: Luisão porque estaria velho e Lindelof porque já não era o mesmo que os grandes da Europa disputavam. Os conselhos a Rui Vitória iam da imediata titularidade de Jardel para atuar ao lado do sueco, até à possibilidade de o brasileiro fazer dupla com Lisandro. Até eu, que quanto mais futebol vejo menos o entendo, sabia que tivessem jogado ontem Jardel e Lisandro, sem ritmo e sem rotinas, e seria o desastre.

Derrota. Outra questão que mudaria o nome de Vitória para Rui Derrota era o banho de bola que Gelson Martins iria dar a André Almeida, caso o técnico escalasse para o onze um homem que não é lateral-direito quanto mais esquerdo. E havia também reservas quanto a Salvio e Gonçalo Guedes, que estariam fora de forma, e a Pizzi e Fejsa, que não poderiam opor-se com êxito à classe do meio-campo leonino – e que bem jogaram, de facto, Adrien e William Carvalho!

Ederson. Como tantas vezes sucede, a realidade encarregou-se de desmentir a ciência futebolística. Rui Vitória manteve a defesa caída em desgraça e saiu-se bem. Não me lembro de um lance de um contra um que Gelson tenha ganho a Almeida, e Luisão e Lindelof safaram-se porque quando não se sabia deles – como no lance em que Bas Dost reduziu a diferença – e William e o holandês chutavam para o golo no coração da área, Ederson resolvia os apertos com defesas monumentais. Quanto a Gonçalo Guedes, a velocidade da transição e a perfeita abertura in-extremis, para Rafa centrar para o 1-0, foram esclarecedoras da sua baixa de forma, tal como a de Salvio, que abriu o marcador, com superior qualidade de execução, após bater ao sprint um dos piores laterais da Europa e arredores.

Amigos. Claro que Rui Vitória teve bons amigos para não ser comido de cebolada. Primeiro, Jorge de Sousa, que viu a bola bater nas mãos de Pizzi e Nélson Semedo e achou que não havia justificação para a marcação de penáltis. Depois, o poste, que substituiu Ederson e evitou o golo do empate, imediatamente antes do 2-0, mudando desse modo a sorte do jogo. E finalmente os centrais do Sporting, que se desposicionaram na jogada do segundo golo, deixando que na sua zona de ação ficasse o baixinho a disputar a bola de cabeça a Jiménez.

Estrela. Assim se conclui que o Sporting não merecia ter perdido e que tem motivos de queixa do árbitro? Sem dúvida, mas o importante no futebol não é ter razão, é encontrar, na escuridão do céu, a estrela da felicidade.

Contracrónica, Record, 12DEZ16

João Pereira e o seu outro eu

23 Novembro, 2016 0

Tal como não se pode fugir ao destino, também da fama de ter maus fígados não nos livramos. Estou a pensar em João Pereira, esse desistente de carreira que o olho de falcão, perdão, o olho de lince de Jorge Jesus em hora feliz foi buscar à prateleira dos infernos.

Duelo. O jogador começou por corresponder à confiança do técnico, teve a seguir um período em que perdeu o duelo com Schelotto, mas voltou ao de cima, reconquistando o lugar no onze.

Renegado. Ontem, Pereira estava a jogar bem até renegar tudo aquilo de que nos convencera: que regressara ao futebol agressivo e intenso que o levara à Seleção de Paulo Bento, perdendo, ao mesmo tempo, a mania dos palavrões e de se meter em embrulhadas.

Quadro. Numa das redes sociais, substitutas por excelência das antigas portas das retretes públicas, alguém mais perverso – e perversidade é o que por lá não falta – escreveu que João Pereira quer seguir a carreira de João Vieira Pinto. E que se este conseguiu, também ele quis iniciar a sua caminhada para futuro quadro da Federação.

Protetor. Não acredito nisso. Primeiro porque Pereira não teve tempo para pensar, foi traído pelo ADN, quis ser fiel ao seu outro eu, justificar a fama de quezilento histórico. E encostou-se ao Kovacic que, coitadinho, se rebolou no chão com umas dores pavorosas. João Pereira é injustamente expulso, mas já sabia que o passado não lhe permite entrar em confusões. Não devia ter ido à guerra e foi, pregando com isso Jesus Protetor na cruz e lesando o Sporting, que estava em cima de um Real Madrid que tornou a não ser superior aos leões.

Apoplexia. Manda igualmente a verdade que se diga que Jesus não tem, ainda, uma equipa madura. Basta recordar dois lances de Gelson Martins, no princípio do segundo tempo. Num, ficou à solta pela direita, aproveitando a queda de Marcelo, e fez um centro rasteiro, à toa, para o meio dos defesas, o que deixou o treinador à beira da apoplexia. Minutos depois, isolado na grande área, centrou atrasado para “ninguém”, quando se impunha o remate cruzado. Adiou a sua afirmação, revelando que tem muito para aprender e crescer.

Cérebros. Apesar de tudo, a coisa compôs-se com a ridícula mão, ou braço, de Coentrão, esse émulo cerebral de João Pereira. Mas como em Madrid, o Sporting não teve sorte. E tanto azar, já chateia.

Contracrónica, Record, 23NOV16

Rui Vitória: o quarto falhado faltou ao encontro

7 Novembro, 2016 0

A vida corre favorável a invejosos, frustrados e ressabiados. José Mourinho está a 8 pontos do líder na Premier, Cristiano Ronaldo soma desafios sem marcar na liga espanhola, e Jorge Jesus, agora a 5 pontos do Benfica, ainda não deixou a rampa de lançamento do falhanço da temporada passada e arrisca-se a voltar a não chegar ao título. Afinal, esses deficientes de caráter têm sempre razão: apostam na desgraça dos outros sabendo que a morte é certa e exultam logo que os bem- sucedidos da vida pareçam tão zeros à esquerda como eles.

Asnos. Ontem, no Dragão, as coisas correram-lhes de feição até aos 92 minutos, com Rui Vitória desanimado, junto à lateral, já com todas as substituições feitas e pronto a entrar para a lista dos falhados que citei, portugueses famosos, realizados e milionários – não pela qualidade do seu trabalho e pela sua inteligência, claro, mas por pura sorte, como garantem os asnos.

Banho. Não era só o 1-0 a favor dos da casa que os entusiasmava, era ainda o banho de bola que durante mais de uma hora – e o Benfica levou mesmo uma hora para fazer o seu primeiro remate à baliza – os dragões deram às águias. E fizeram-no graças a uma intensidade de jogo impressionante e a um domínio absoluto do meio-campo, que destruíram quase por completo a fase de construção dos encarnados. Foi o verdadeiro regresso do FC Porto ao grande futebol a que nos tinha desabituado.

Fugitivo. E como conseguiu Nuno Espírito Santo, também ele em fuga do painel dos odiados de estimação, esse milagre? Espalhando o talento de quatro executantes de eleição e explicando-lhes que até no futebol os melhores vencem mais vezes. Diogo Jota, Óliver, Otávio e Corona – com a ajuda de André Silva e de uma defesa tão coesa que não tem lugar para esse jogador extraordinário que é Miguel Layún – fizeram gato-sapato de um irreconhecível Benfica.

Getafe. Com o campeão de rastos e o seu treinador desiludido, esqueceram-se os portistas que faltavam os pregos no caixão da águia. E perderam oportunidades – muito por culpa dos centrais da Luz, em forma superlativa – até ficarem sem gás e o seu ritmo quebrar. Aí, surgiram as camisolas escarlates e o brio que vinha lá de dentro, as fraquezas feitas forças. E Lisandro – que um dia Jesus mandou para Getafe, lembram-se? – salvou então a honra da águia. Rui Vitória continua em alta e os inimigos do mérito afogados na raiva.

Contracrónica, Record, 7NOV16

Contra o destino, nada feito

15 Setembro, 2016 0

Em dez jogos em casa para início da Liga dos Campeões, o Real Madrid obteve dez vitórias. E isso aconteceu tanto a jogar bem como a não dar uma para a caixa, como ontem – ou como sucede, vendo bem as coisas, desde a última época de José Mourinho, quando os barões do balneário merengue se dedicaram, com pleno êxito, mais à intriga do que ao futebol. A esse peso estatístico chama-se destino e contra o destino, nada feito. Os leões ainda ousaram desafiá-lo até ao minuto 89, aquele em que Cristiano fez de “Talisca do Sporting” para conseguir meter a bola na gaveta de Rui Patrício, regressando assim à quase esquecida condição de emérito marcador de livres. Foi o seu terceiro golo, em três jogos, frente ao emblema que o formou, outro desígnio do que tem de ser.

Síndrome dos minutos finais. Jorge Jesus, aliás, lá estava, no Bernabéu, igualmente com o livro do destino debaixo do braço: mais uma vez expulso do banco por falta de autocontrolo emocional, uma pecha antiga, e atingido de novo pelo síndrome dos golos fatídicos dos últimos minutos, seu velho “compagnon de route”.

Burguesia madrilena. Não havendo vitórias morais e tendo em conta os empates caseiros de Benfica e FC Porto, perante adversários menos cotados, a verdade é que o Sporting dispõe, neste começo de temporada, da melhor equipa portuguesa. Até saírem Gelson Martins – o próximo fenómeno a encher os cofres de Alvalade – e Adrien, os leões vulgarizaram a burguesia madrilena e só perderam a batalha contra o destino porque já não se encontrava Slimani no lugar de Bas Dost – um avançado sem profundidade de jogo – nas duas ocasiões, aos 34’ e aos 63’, em que o holandês falhou a entrada à bola após centros de Gelson.

Já em 2007… A recente entrevista de Jesus ao Record fez com que lhe soltassem os cães ao caminho. Não tendo coragem para criticar Mourinho – viram como De Bruyne, que Mou não quis no Chelsea, moeu, no sábado, o MU? – mordem nas canelas de JJ. Em 2007, quando o Belenenses, liderado pelo mesmo Jesus, perdeu, por 1-0, com o Real Madrid, para o Teresa Herrera (ao contrário do que disse o comentador da Sport TV, o desafio não se realizou no Bernabéu), que “não se notou grande diferença em termos de jogo”, que “os jogadores do Belenenses foram melhores taticamente” e que “anularam as referências do adversário”. Nove anos decorridos, só não pode repetir essas palavras porque, “em termos de jogo”, a diferença foi grande e a favor do Sporting. Entender de futebol e saber trabalhar também é um destino.

Contracrónica, Record, 15SET16

O elixir de Alvalade ou a descoberta da pólvora

29 Agosto, 2016 0

Reza a lenda que na China do século IX, ao procurar criar o elixir da imortalidade, um grupo de alquimistas descobriu a pólvora. Também o Sporting recorreu a um alquimista, Bruno de Carvalho, para inverter o rumo das desgraças que se sucediam em Alvalade e descobrir a pólvora. Podia é tê-lo tido mais cedo, logo nas eleições de 2011, quando Bruno tinha a batalha ganha até às 18 horas, para depois aparecer, sobre o fecho das urnas, a brigada do reumático, carregada de votos, a virar a coisa para o lado de Godinho Lopes, um azar dos diabos.

Conflitualidade permanente. O presidente leonino percebeu, desde a primeira hora, que a prioridade era recolocar o Sporting no mapa de que sucessivos erros desportivos e de gestão o tinham retirado. Daí as polémicas, os remoques, os contra-ataques, a estratégia da conflitualidade permanente. E a preocupação da comunicação. A saída de João Mário para o Inter foi “compensada”, no próprio dia, com o anúncio da maior transferência de sempre de um jogador português para o estrangeiro e a contratação de Pedro Delgado – valha ela o que valer. Antes do clássico de ontem, soube-se, quase em simultâneo, da partida de Slimani e do desembarque de Bas Dost.

Euforia controlada. São atos normais de uma gestão profissional? Sim, mas transmitem confiança aos adeptos e à estrutura, e geram um entusiasmo que se transmite aos jogadores, que retomaram o hábito de vencer e veem os companheiros, que se valorizaram, conquistar o direito a novas carreiras e melhores salários. Foi esse clima de euforia controlada que esteve na base da volta que os leões deram ao resultado. Dominados na parte inicial do encontro e em desvantagem no marcador, tiveram alma e talento para chegar à vitória.

Barato. Contratar Jesus foi o pozinho decisivo no êxito da poção do alquimista de Alvalade. Com a ida à Champions e as vendas de jogadores, já ninguém se lembra dos milhões do salário de um técnico que se pode até considerar barato. Caros são os que auferem menos e não metem dinheiro em casa.

Mestre. No jogo com o FC Porto, encontrámos três bons exemplos dos milagres de Jesus: Bruno César –  que exibição! –, João Pereira e Bruno Paulista. O primeiro errou pelo Mundo e exilou-se no Estoril, o segundo foi corrido do Valência – por Nuno Espírito Santo (!) – e esteve meio ano sem clube, e o brasileiro parecia perdido na equipa B. Pois aí estão eles, de regresso ao alto rendimento, simplesmente porque na sua vida lhes apareceu um mestre.

Contracrónica, Record, 29AGO16

Les petits Français

11 Julho, 2016 0

Compatriotas de Nicolas Chauvin, soldado condecorado por Napoleão pelo seu heroísmo e depois mais conhecido pela sua imensa vaidade, “les petits Français” deram à Seleção o empurrão que faltava, puxando pelo brio dos nossos futebolistas e adormecendo, em simultâneo, o ego sobredimensionado dos seus próprios jogadores – alguns bons, poucos geniais, todos a valer vento e milhões.

Nojento. Esse chauvinismo, exercido com paixão pela comunicação social gaulesa, expressou-se com clareza e deselegância, e foi desde o “futebol nojento” da equipa portuguesa à “falta de visão de jogo e lucidez tática de Renato Sanches” ou à incapacidade de William Carvalho para fazer “uma transversal de 30 ou 40 metros”. E se é verdade que tanto o reforço do Bayern como o pivô do Sporting não fizeram ontem um enorme jogo, também é certo que o futebol da Seleção foi menos nojento do que o protagonizado pelos “bleus”, que viveram, por 120 minutos, praticamente só da inspiração de Sissoko e da capacidade técnica, e física, de Pogba.

Cacetada. Mas os franceses foram ainda “nojentos” pelo modo violento como atuaram, em especial na primeira parte. E eu, que venho infelizmente do tempo dos campos pelados – e não das Salésias, como diz o outro, porque aí já havia relva – e vi muitos jogos dos distritais, sei bem como há 50 e tal anos se marcava, antes do apito inicial, a estrela do adversário, e como se definia que se lhe arreasse uma cacetada logo na primeira oportunidade. Foi com essa “tática”, a mais velha do futebol, que os franceses arrumaram Cristiano.

Engenheiro. Serviu-lhes de pouco porque a noite da saída prematura do melhor jogador do Planeta fora traçada por ínvios caminhos. Depois de Nani, Ricardo Quaresma, Renato Sanches, Adrien, Moutinho, Raphael, Pepe ou Cristiano – e por que não José Fonte e até Bruno Alves? – terem vivido momentos que de uma forma ou outra nos conduziram à final, a partida de Paris estava destinada ao brilho definitivo de Rui Patrício e à vingança do ás de trunfo que o engenheiro das premonições lançou na hora certa: Éder ou Éderzito, o tosco, o feio, o preto, o ex-alvo preferido da chacota torpe das redes sociais. Foi ele que logo pôs em sentido os centrais franceses, que jogou maravilhosamente de costas para a baliza e que, no minuto escolhido pelos deuses e sem linhas de passe, desferiu, por Cristiano e ao nível de Cristiano, o remate que redimiu um país. Tudo se fez com todos, mas sem a fé de Fernando Santos todos pouco ou nada teriam feito.

Contracrónica, Record, 11JUL16

A jogar assim, da final não passamos

7 Julho, 2016 0

Começámos mal, ainda mais pessimistas do que estamos hoje, porque após o empate com a Islândia só ouvíamos, sobre o ombro, o porta-voz da nossa costela de velhos do Restelo: ná, a jogar assim, da fase de grupos não passamos…

Lâmpada. Passámos, com mais dois empates e uma sorte dos diabos – e afortunadamente em terceiros do grupo – graças ao facto de Cristiano, vendo o País a arder e o inimigo interno eufórico, atiçado por todo o rancor do Mundo, ter retirado da lâmpada o seu geniozinho para marcar dois golos à Hungria – um deles antológico. A jogar assim, só ele mesmo podia.

Rendez-vous. O problema é que nos oitavos nos calhou a Croácia, essa superequipa recheada de talentos que se deu ao luxo de meter alguns reservistas para vencer a Espanha, a campeã em título. Como poderíamos, a jogar assim, ultrapassar esse obstáculo? E só não foi uma missão impossível porque Ricardo Quaresma marcara, para a hora do confronto com os croatas, um rendez-vous com a bola, sobre a linha de baliza. Caprichosa, ela caiu na armadilha, compareceu no local e foi morrer lá dentro.

E pumba. De mal a pior, veio depois, nos quartos, a Polónia que empatara a zero com a aquela Alemanha que no final ganha sempre, e que sofrera apenas um golo em quatro desafios… E só nos safámos, a jogar assim, porque os deuses que abençoaram Renato Sanches – hoje não escrevo SanchEZ em homenagem aos poliglotas que nos falam de um alemão, um tal Mário GomES… – quiseram roubar ao capitão da Seleção um dos seus já incontáveis recordes. O miúdo ajeitou então a coisa, alçou da perna e pumba lá vai disto. E tal como Modric, que fora uns dias antes para casa com umas festinhas de Cristiano – o mesmo que atirou ao poste o penálti contra a Áustria (como esse azar nos teria complicado a vida se não acontecesse!) – também os polacos partiram porque CR7 deu a seguir o mote para a mais bela e competente série de grandes penalidades alguma vez marcadas pela Seleção.

Digam 57. Chegados por milagre às meias-finais, facilmente concluímos que, a jogar assim, Gales nos iria eliminar, tanto mais que tinha lá o Bale, com menos dez partidas nas pernas esta época do que Cristiano. Deu-se o acaso do Raphael ter metido a bola, a régua e esquadro, na cabeça daquele que nunca aparece, e o golo – o 57.º do rapaz nesta temporada – ter aberto a porta do autocarro galês. E dito isto, que é tudo verdade e ciência pura, só podemos sentir-nos de rastos com o embate de domingo e com a definitiva certeza de que, a jogar assim, da final não passaremos.

Contracrónica, Record, 7JUL16

Nota da QdoC – Na edição impressa de hoje, a apressada construção do texto fez com que me tivesse referido a Modric como se ele fosse polaco e não croata, o que surge corrigido na versão acima. Aos leitores atingidos pelo erro, as minhas desculpas. A escrever assim, também sou capaz de perder na final…

 

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Renato Sanchez e o fantasma de Fernando Santos

26 Junho, 2016 0

A fé de Fernando Santos é mesmo para levar a sério. Portugal voltou a jogar para empatar e acabou dominado pela superior qualidade da Croácia – com Vida a errar de cabeça por centímetros e com Kalinic (ou Perisic?) a atirar ao poste… Mas eis se não quando um quarteto de génios da bola resolve a passagem aos “quartos”, fugindo a uma maléfica recordação que nada prometia de venturoso: a da eliminação, por penáltis, aos pés da Espanha, em 2012, embora desta vez João Moutinho e Bruno Alves não estivessem em campo com os seus pés frios. Aliás, também aí se viu a fé do selecionador, que substituiu Adrien perto do fim, uma decisão só possível de ser tomada por quem sabia que não haveria grandes penalidades.

Surpresa. Acusado de ser conservador, mestre Santos começou por surpreender-nos, pela positiva, por ter, enfim, dado a oportunidade, que meio país reclamava, a Adrien – para mim, com Pepe, o melhor dos nossos –, por ter feito descansar Vieirinha e por ter poupado o desgastado Ricardo Carvalho, tanto mais que com Pepe “amarelado” corríamos o risco de ficar sem os centrais titulares na quinta-feira. E fez igualmente bem o selecionador ao reservar Quaresma para o que viesse, embora se duvide que sonhasse que viria a ser do cigano de ouro o golo da vitória. Seria premonição a mais.

Saloio. Vale a pena recordar o lance decisivo, que se iniciou em Renato Sanchez – sim, hoje vai Sanchez, deixem-me também ser saloio. O novo médio do Bayern, que joga para frente, avançou no terreno, arriscou – falhando o tempo do passe para Cristiano – e meteu em Nani, que cruzou milimetricamente para CR7 rematar, e Subasic defender para a cabeça de Quaresma, que estava no sítio certo e não por acaso. Quem louva a qualidade dos tecnicistas croatas que veja e reveja esta jogada e confirme que o golo só aconteceu pelo altíssimo nível dos quatro artistas portugueses.

Fantasma. Mas há um mistério que Fernando Santos alimenta e que paira como um fantasma sobre o desafio com a Polónia: a insistência em deixar no banco Renato Sanchez – que em dois confrontos consecutivos entrou e modificou para infinitamente melhor o nosso jogo – e sair de início com um André Gomes fisicamente nas lonas. E isso é um fantasma porquê? Porque a um fulano que vê o futebol como nos tempos das Salésias vêm à cabeça coisas destas: nova aposta em André Gomes, em Marselha, e Moutinho outra vez. Não abuses da sorte, Fernando.

Contracrónica, Record, 26JUN16