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Entrei em meditação profunda, preciso de decidir se no próximo domingo irei votar, um dever a que jamais fugi em 40 anos de democracia. Confesso que estou farto de ser enganado e começo a não me le..." /> Ainda estou a pensar se vou votar - Quinta do Careca - Record

Quinta do Careca

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Ainda estou a pensar se vou votar

27 Setembro, 2013 1004 visualizações

Entrei em meditação profunda, preciso de decidir se no próximo domingo irei votar, um dever a que jamais fugi em 40 anos de democracia. Confesso que estou farto de ser enganado e começo a não me lembrar até, tendo suportado a outra, dos benefícios da vida em liberdade e do privilégio que constitui o simples facto de poder intervir ao deitar o papelinho na urna.

Não havendo melhor sistema do que o democrático, encontro nas autarquias o pior do comportamento dos partidos. Há uma câmara, e é só um exemplo, na área da grande Lisboa, que tinha há anos cerca de 300 funcionários e aquartela agora mais de mil. Ou seja, cada novo presidente leva consigo, no desembarque, a obrigação de arranjar emprego, para além das próprias primas, aos coladores de cartazes que o apoiaram na campanha, e respetivos familiares e amigalhaços. Em tempos idos, chamava-se a isso dar um bodo aos pobres.

Foi assim, para satisfazer a avidez das máquinas partidárias, que se engordou a galinha pública, e é ainda hoje, em nome dos interesses de um grupo de desqualificados e espertalhões, que o Estado consegue roubar nas pensões de quem já não se pode defender ou retirar apoios sociais a quem não dispõe de quaisquer outros recursos, mas não consegue fazer o que devia: emagrecer o corpo anafado dessa ave parasitária que sempre resistirá – com a cobertura que a força do voto dá aos autarcas-padrinhos – a todas as tentativas para que faça dieta. O País desmorona-se? E ela ralada.

Encontro também outra perversidade na propaganda eleitoral em curso, que é a facilidade e o descaramento com que alguns candidatos prometem obra – mais alcatrão, mais jardinzecos, mais corridas populares pelos centros das cidades – sem se saber com que dinheiro, e a irresponsabilidade com que os partidos do arco da governação defendem o aumento do défice para 2014, sabendo que com isso, e com as previsíveis futuras intransigências do Tribunal Constitucional, não restará alternativa ao Governo que não seja agravar até ao raiar do absurdo o que Vítor Gaspar classificou um dia como brutal aumento de impostos. Se for votar, sinto que estou a colaborar no suicídio coletivo.

Existe, claro, o outro lado da moeda: o progresso que a afirmação plena do poder autárquico trouxe a Portugal, e a forma como se desenvolveu em particular o interior abandonado, muito por força da visão e do trabalho de mulheres e homens que se moveram unicamente pela vontade genuína de servir. Se não me apresentar neste domingo, de arma na mão, estarei a trair essa dádiva e esse mérito. Pior, como voto em Lisboa, virarei as costas a quem me devolveu o orgulho de ser alfacinha. Deixa-me pensar, António. 

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 26 setembro 2013