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O aumento dos combustíveis já não impressiona, os velhos parece até não morrerem tão sós como noutros tempos, os incêndios estão fora de época, a política anda aborrecida, a modorra domina a atu..." /> — ler mais..

O aumento dos combustíveis já não impressiona, os velhos parece até não morrerem tão sós como noutros tempos, os incêndios estão fora de época, a política anda aborrecida, a modorra domina a atu..." /> Crónicas da Sábado: a rua contra a vontade dos eleitores - Quinta do Careca - Record

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Crónicas da Sábado: a rua contra a vontade dos eleitores

3 Março, 2013 434 visualizações

O aumento dos combustíveis já não impressiona, os velhos parece até não morrerem tão sós como noutros tempos, os incêndios estão fora de época, a política anda aborrecida, a modorra domina a atualidade. Eis se não quando, do nada, surge um tema forte: a perseguição aos ministros, com Grândola, vila morena como introdução ao tradicional chorrilho de insultos, às ameaças e às tentativas de agressão. A abertura dos telejornais está garantida.

Há países onde não se fazem diretos sobre fogos porque a visualização dessas imagens funciona como incentivo para que os pirómanos peguem ao trabalho. Entre nós, mandam exclusivamente os critérios editoriais e um ministro a ser apoucado é matéria jornalística incontornável, logo aproveitada pela rapaziada da baderna para estender a sua manta.

Com este frenesi mediático, a onda de contestação não parará após as manifestações de 2 de março, embora seja difícil que se avolume de tal forma que venha a tornar-se demasiado pesada para quem governa. O perigo para o Executivo não vem de umas dezenas ou centenas de arruaceiros que marcam os ministros, e tentam silenciá-los e intimidá-los. Nem de manifs que movimentem largos milhares de descontentes, vindos de todo o país, e que repitam, de punho cerrado, slogans estafados como gatunos ou Passos para a rua ou a luta continua.

O problema só será real para o poder quando tomarem a difícil – e até hoje raríssima – decisão de abandonar a sua zona de conforto os eleitores cujo voto salta do PS para o PSD e vice-versa. É esse imenso bloco central, aquele que por norma decide o vencedor das eleições, que pode fazer tremer os senhores que, tendo encontrado os cofres públicos vazios e os credores à porta, se dispuseram a permitir que o Estado deixasse de ser pessoa de bem e pudesse até roubar os mais indefesos. Quando boa parte dessa gente se dispuser ao protesto não silencioso, então sim, tudo abanará.

Perdi a simpatia inicial por Passos Coelho e pela sua equipa. Não por esperar maravilhas mas por nunca ter sonhado que conseguissem ser tão maus. Um executivo que não é capaz de tratar de forma diferente o que é diferente e que exibe uma total ausência de sentido de justiça e de equidade, cortando o que não deve por falta de competência e mantendo privilégios por défice de coragem, não merece apoio, nem sequer respeito.

Mas a questão que se coloca é civilizacional. O que conta no regime democrático são os votos livremente expressos e não as vitórias de quem grita mais alto, por muita razão que lhe assista. E antes ter este governo do que vê-lo cair na rua, ao arrepio da vontade das urnas. A democracia tem destes pormenores, é uma chatice.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 27 fevereiro 2013