Sou o que vem das Salésias
Tremo antes de começar a perorar, estou como a Seleção, com a confiança abalada. Um remate de fora da área, que passa pelo buraco da agulha e entra na baliza, e depois mais dois golos quase iguais – de um jogador que só tem um pé – e ambos na sequência de ressaltos, são azares em excesso. Já eu não me queixo de falta de sorte, mas apenas de um remoque do “Guardiola” dos comentadores intestinos, que me acusou no Facebook de escrever sobre futebol como se vivesse nos tempos das Salésias. Logo eu, que tanto procuro atualizar-me com as lições do narcísico “Guardiola” da faladura.
Os interiores. Infelizmente, não vi a Seleção atuar nas Salésias, já sou do tempo do Estádio Nacional, calcule-se, e do que me lembro jogávamos sempre com dois médios, que apoiavam os três defesas, sendo o ataque desenvolvido ou pelos extremos, encostados às linhas, ou pelos então chamados “interiores”, os números 8 e 10 – as camisolas iam de 1 a 11 e não havia pão para malucos. O que havia, sim, era um sentido vertical do jogo, como em Lyon exemplificaram Ricardo Quaresma e Renato Sanches – quando entraram para melhorar 100 por cento o rendimento da equipa –, e João Mário, quando o deixaram jogar pelo interior, onde rende bem mais do que na ala.
A diferença. Espero, eu e milhões de portugueses, que embora Fernando Santos se não recorde dos tempos das Salésias – o campo foi abandonado em 1956, ia o nosso selecionador completar 2 anos – não volte atrás na escolha da equipa, depois de se ter visto ontem a diferença entre jogar para o lado e para trás ou levantar a cabeça – expressão de que os treinadores e os jogadores portugueses tanto gostam, desde os tempos das Salésias –, progredir no terreno e procurar a área adversária.
Só dois dias. O problema é que a coisa baralhou-se. Se, por um lado, temos de volta o génio de Cristiano e o melhor Nani, por outro, André Gomes perdeu a forma, William Carvalho afundou-se e a defesa começou também a meter água. Vai ser um 31 para mestre Santos decidir com que equipa iremos derrotar a difícil Croácia, no sábado – só com dois dias para recuperar forças, ai, ai… Eu poderia ir lá ajudá-lo se o “Guardiola” doméstico não me tivesse posto o moral em baixo, levando o meu frágil ego a crer que vejo mesmo o futebol como nos tempos das Salésias, em vez de ser um novo-rico da verborreia, pretensioso e deslumbrado – um pobre tipo vazio de talento e peito cheio de vento e de prosápia.
Contracrónica, Record, 23JUN16