Os desertores, na Guerra da Secessão, que opôs norte e sul no território que agora corresponde aos Estados Unidos da América, tinham um julgamento sumário e eram marcados na cara com um ferro em brasa, com a letra C – cobardes. Abandonar as tropas era crime que nenhum arrependimento podia apagar, daí que a ética de então os condenasse a ficarem marcados para a vida. Ora, o que Paulo Bento fez a Ricardo Carvalho foi exatamente isso: carimbou-o para sempre como alguém que abandona os companheiros no auge de uma batalha. Impiedosamente, o selecionador de Portugal arrasou o defesa-central por ter abandonado o estágio da Seleção Nacional.
Comparar o futebol a guerras tribais, em que os futebolistas são soldados e os treinadores seus generais, e a estratégia do jogo a uma arte da guerra, como de resto fazia Luiz Felipe Scolari, especialista em motivar as “tropas” com as provocações dos adversários, tem feito escola. E ontem foi bem visível qual é o ideário de Paulo Bento, quando puxou vigorosamente pelos galões. Na condição de general, o selecionador não admite a mínima quebra de solidariedade, e muito menos ser apanhado à traição, sem uma palavra.
Ricardo Carvalho representa o tipo sereno, ponderado, tímido, até; o defesa que mete o pé no tempo certo, raramente falha um corte ou comete grande penalidade. A partir de agora é o internacional que escapa do estágio, o jogador que está acima da equipa, a vedeta que desrespeita a organização. Mas também o soldado que deserta quando o exército se quer unido.
Apurados os factos, para além do calor das emoções e das analogias castrenses, a Seleção Nacional acaba de perder um dos seus melhores jogadores, que decidiu abortar uma carreira internacional, numa cena pueril, indigna do seu brilhante passado profissional. Ricardo Carvalho violou um código e vai pagar por isso. Paulo Bento decidiu carregar a nota, para perceber que tipo de jogadores orienta, numa altura em que o menor abanão pode significar o afastamento do Euro’2012. Logo agora que todos pareciam marchar impecavelmente.