Cortar a comunicação é deixar de existir
Hoje participei no 1.º Congresso Científico de Gestão do Desporto da Lusofonia, da Universidade Aberta, realizado no Comité Olímpico de Portugal. Escrevi este texto sobre blackout e fins.
CORTAR A COMUNICAÇÃO É DEIXAR DE EXISTIR
Imaginemos uma página de jornal em branco, um minuto de vazio na rádio, um ecrã inerte.
Dar-lhes conteúdo pode depender de um jornalista, homem ou mulher, preto ou branco, educado em meio pobre ou socialmente mais favorecido, politicamente de esquerda ou de direita, adepto de futsal, snooker ou esqui, que tem uma agenda estabelecida numa redação de homens e mulheres, cada um com o seu olhar particular sobre o Mundo. Preencher essa página ou esse minuto deve ser um processo unilateral, dependente de um único olhar?
“A construção da agenda dos media não pode deixar de ser vista como um problema ético e moral, sobretudo se tivermos em mente as consequências sociais dessa mesma construção.” (Esteves, 2012:134)
Ignorar os mecanismos de formulação da agenda dos media está a tornar-se uma atitude demasiado perigosa para quem lidera organizações cuja presença permanente no espaço público é imprescindível para a consecução de objetivos de crescimento. A construção dessa agenda é, acima de tudo, uma escolha, não aleatória ou arbitrária.
“O trabalho de construção da agenda dos media não é inconsequente, mas antes é uma tarefa investida de um princípio de responsabilidade intrínseco, que podemos exprimir através desta interrogação: em que medida a construção da agenda dos media (ou seja, em termos gerais, a prática jornalística quotidiana) responde efetivamente às funções sociais reconhecidas a estes dispositivos comunicacionais?” (Esteves, 2012: 134)
Quem tem interesse em atingir uma audiência, potenciar uma mensagem, construir uma imagem, no aproveitamento do efeito multiplicador dos media, perceberá que o fornecimento de matéria-prima a essa prática jornalística quotidiana propiciará uma convergência de resultados mais interessantes do que optar pelo isolamento do mediador, abandonado a um processo unilateral de produção da mensagem, com a qual procura surpreender.
Algumas organizações, e líderes de organizações, continuam a ter uma perceção muito particular sobre o que é a comunicação nas sociedades atuais, onde quem não comunica auto-enfraquece a sua imagem e vai deixando de existir. É até cada vez mais comum ouvir dizer-se, em específico, sem exagero, que quem não está nas redes sociais não existe.
Neste contexto, o recurso ao blackout é um expediente que levanta cada vez maiores interrogações. Fechar a janela, correr a cortina, ignorar o Mundo, não interagir é entrar num contraciclo de consequências frequentemente desastrosas. Muitas vezes utilizado para penalizar o mensageiro, o blackout pode ter um efeito incontrolável para a organização que decide cortar a comunicação. Deixar o mensageiro sem informação é abrir caminho à especulação nesse processo de construção que quanto mais contributos tiver melhores resultados poderá proporcionar.
Em sociedades onde a competitividade faz parte dos mais elementares códigos de sobrevivência, a informação é um bem de primeira necessidade e a sua comunicação um instrumento absolutamente estratégico. É normal que haja conflitualidade entre quem deseja preservar essa informação como sua e quem não a tendo precisa de lhe aceder para a divulgar por um preço que a audiência aceite pagar.
Neste contexto, as organizações bem geridas devem conhecer exatamente o tempo, o modo e o meio mais adequados às suas estratégias de universalização dessa informação. É a isso que se chama ter uma política de comunicação.
Como dizem McCombs e Shaw, “novas investigações que exploraram as consequências do agendamento e do enquadramento, feitos pelos media, sugerem que estes não só nos dizem sobre o que é que devemos pensar, como também nos dizem como pensar sobre isso, portanto e consequentemente, o que pensar.” (1993: 135)
Ignorar esta lei e procurar o palco da conflitualidade com os media pode não ser a ideia mais feliz. Entender os media como um adversário é resultado do desconhecimento das suas lógicas de funcionamento. Torná-los aliados da organização continua a ser o desafio de quem sabe como se ajuda a construir a agenda dos que diariamente têm páginas em branco para preencher e minutos de áudio e vídeo para “colorir”. Fornecer-lhes as cores e as tonalidades é uma exigência das organizações que conhecem a potência da comunicação.
Em Portugal, muito particularmente no meio desportivo (mas não em exclusivo), o mais comum em situação de adversidade é escolher o mensageiro como o alvo a abater. Não é, diga-se, a atitude mais evoluída do ponto de vista da gestão. Voluntariamente, abre-se mais um foco de tensão de que a organização pouco precisará, isto é, quando o vento já sopra forte semeia-se uma tempestade. E decreta-se um blackout. Que conveniente!
Historicamente, sabe-se que o blackout informativo só é utilizado em situações extremas, nas quais a vida está em perigo: guerras ou casos de sequestro – e aqui os meios de comunicação são voluntariamente aliados na estratégia.
A banalização do blackout como instrumento de gestão é mais difícil de entender. Compreende-se que a preservação da informação seja uma atitude estratégica, mas fazê-lo para penalizar os meios de comunicação social não se adequa às responsabilidades de quem procurar atingir posições de liderança no mercado, seja ele qual for.
Os gestores que em desespero de causa recorrem a esta bomba atómica autodestrutiva devem refletir no que são os media. E o que são então os media? São meios mediadores da mensagem, tornam público o que antes era privado ou estava oculto. Um mediador é um adversário? Por que não torná-lo um aliado no processo de escolha dos temas e no entendimento das problemáticas? Percebe-se que seja mais fácil escolher um alvo sempre exposto, mas o capital de antipatia gerado a partir dessa decisão cria raizes dificilmente extirpáveis. Quem fomenta a oposição dos media está a comprometer o desenho da sua própria imagem pública, com os custos que esse risco implica.
Em última análise, fechar a comunicação não significa desconfiança na própria organização? Não será uma forma de expor a própria desorganização, enfraquecer a marca, oferecer espaço de afirmação aos concorrentes?
Não é por isso hoje estranho que as grandes organizações desportivas, em Portugal, depois de terem constituído assessorias de imprensa próprias, primeiro, e direções de comunicação a seguir, comecem agora a conceber estratégias de comunicação com recurso a contratações em regime de “outsourcing”, onde o olhar distanciado permite sempre ver para além do pequeno problema que conflitua com uma política de comunicação objetiva.
“Ter boa imprensa” é um trunfo que organizações em baixa apontam invejosamente a concorrentes que luzem nos títulos dos jornais ou nas diversas pantalhas globalizantes. A energia gasta nestas manifestações, muitas vezes despeitadas, deve ser canalizada para o conhecimento das lógicas de funcionamento da comunicação social, que podem ser bem potenciadas a favor da emissor, antes da mediação da mensagem.
Conhecer os media, saber quais os mecanismos de construção da sua agenda, a escolha dos temas, como elaboram os quadros de análise, é uma necessidade das grande organizações, melhor, tornou-se uma obrigação responsável.
Deixar a prática jornalística abandonada à folha em branco ou ao minuto de vazio, pelo corte da comunicação, é abrir um foco de crise de custos muitas vezes incontroláveis. Porque cortar a comunicação, mais do que significar a obliteração da existência, é um ato gratuito dificilmente aceitável nos dias da comunicação global.
Referências bibliográficas
ESTEVES, J.P. (2012). “Agenda-setting e efeitos dos Media: o desenvolvimento paradoxal da teoria e o regresso a uma perspetiva comportamentalista”. In Pesquisa em Media e Jornalismo – Homenagem a Nelson Traquina,,Ferin Cunha, I., Cabrera, A. e Sousa, J.P. (orgs.), LabCom.
McCOMBS, M. e SHAW, D. (1993). “A Evolução da Pesquisa sobre o Agendamento: vinte e cinco anos no mercado das ideias”. In O Poder do Jornalismo: análise e textos da teoria do agendamento, Nelson Traquina (org.). Coimbra: Minerva.
As razões de Jesus e o plano de Marco Silva
Só Jorge Jesus (JJ) poderá explicar por que jogou para empatar com o Sporting e encolheu a equipa numa ambição que a fez festejar como se tivesse sido campeã em Alvalade.
Invariavelmente, o treinador do Benfica reserva para os clássicos uma surpresa que acaba por limitar o futebol da equipa e dá sinais de medo ao adversário. Aconteceu com o posicionamento de André Almeida no meio-campo, junto a Samaris, e a tarefa atribuída a Jonas, de equilibrar a equipa na zona central.
JJ gosta de empreender estas jogadas em momentos especiais como se estivesse a dar sinal da sua perícia tática, mas os resultados muitas vezes têm sido duvidosos. Não foi o caso desta vez, em que quase se confirmou a famosa regra universal de “quem joga para empatar normalmente acaba por perder”. E o Benfica só não perdeu porque houve um balão, a seguir uma carambola e depois o remate fulminante de um jogador que até esteve para não jogar – tudo no último minuto.
Marco Silva, bem, Marco Silva foi igual a ele próprio: tinha um plano de jogo conhecido de todos e não o mudaria nem que o presidente o ameaçasse de despedimento (muito menos o alteraria nessas condições!). Esteve para ganhar, empatou, mas não está fora da luta. Aliás, Marco Silva só cometeu um erro, e foi já depois de o jogo ter acabado, quando afirmou que todos disseram que o Sporting já tinha estado fora da corrida. Todos, não, Jorge Jesus sempre disse que o Sporting é candidato ao título.
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