Nota do editor: artigo de opinião publicado na edição de ontem do Negócios.
O voto em branco ameaça virar moda. Como qualquer moda, é frágil, superficial e passageiro. Mas como não gosto de modas, atiro-me ao desfile dos argumentos que pululam por aí:
1. “Não me identifico com nenhum partido”. O voto em branco tem laivos de sectarismo. O eleitor não está disposto a aceitar um partido com o qual não se identifique em todas as vertentes e não perdoa os deslizes do passado. Por outro lado, por detrás do voto em branco está, muitas vezes, uma pretensa superioridade: “o meu voto é demasiado bom para ir para aquela gente”.
2. “É uma forma de protesto contra a classe política medíocre”. A classe política é uma construção nossa. Existe porque a maioria de nós abdicou da sua condição política, abandonando qualquer tipo de intervenção política e social, entregando aos políticos profissionais a tarefa de resolver os nossos problemas. Metemo-nos numa enorme alhada. E agora não só dizemos que a culpa é deles, como esperamos ingenuamente que, após uma chicotada de brancura, sejam eles a resolver o nosso problema.
3. “Serve para retirar legitimidade ao sistema”. O voto em branco não tira nem dá nada precisamente porque vai vazio. O eleitor torna, de facto, o parlamento menos representativo, ao reduzir o número dos que escolhem os deputados da República. Mas ao mesmo tempo que tira representatividade aos escolhidos, reforça a sua impunidade na medida em que estes passam a depender de menos gente. Quanto menos legitimidade, melhor. Quanto pior, melhor. É um voto fraco, que não derruba nem elege ninguém.
4. “Quero ser independente dos partidos”. O eleitor do voto em branco quer sentir-se puro e imaculado, para mais tarde poder dizer: “não tenho nada a ver com isto”. Coloca-se à margem do problema como se o problema não fosse seu. Nosso. É bastante cómodo. Primeiro, não temos trabalho a escolher; e depois, não nos responsabilizamos pelas escolhas. É uma desistência. Decidam vocês que eu não sou capaz.
5. “O voto em branco é claro e transparente”. Pelo contrário. É opaco. Não tem representantes, nem se sabe o que representa. Não vincula ninguém a nada. Quando o Parlamento tiver de votar a reforma da Segurança Social, a nacionalização de um banco ou a interrupção voluntária da gravidez, de que lado fica o voto em branco?
Enfim, sendo legítimo, o voto em branco imagina-se puritano. Recatado, gosta de se ver ao espelho. Vive bem com Deus e com o Diabo e, quando se chateia, o mais que diz é: “agarrem-me, se não eu desgraço-me”. Acontece que de tão branco que é, torna-se maçador. Falta-lhe cor. Movimento. Dor.
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