O INE confirmou ontem uma estagnação em cadeia no segundo trimestre de 2011, um resultado que revela uma performance melhor do que as projecções da Troika. Miguel Moreira, do Montepio, analisa os vários indicadores e afirma que a economia ainda pode surpreender pela positiva, não contraindo este ano tanto como inicialmente previsto.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
A estimativa final do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) português do 2ºT2011 veio confirmar a estagnação inicialmente avançada, após duas quedas consecutivas, de 0.6%, no 1ºT2011, e de 0.5%, no 4ºT2010 (esta última agora revista dos anteriores -0.6%). Trata-se de um resultado que, recorde-se, aquando da 1ª estimativa, havia surpreendido não só as nossas expectativas, como as das demais entidades consultadas pela Bloomberg (que variavam entre -1.4% e os nossos -0.7%). Esta estagnação em cadeia, no 2ºT2011, revela uma performance bem melhor do que a contracção de 1.4%, projectada pela Troika, podendo levar a que a economia surpreenda pela positiva, não contraindo em 2011 tanto quanto o previsto por estas entidades (-2.2%). No entanto, face à incerteza em torno de novas medidas de austeridade e ao abrandamento da economia mundial, não se poderá excluir ainda uma contracção anual dessa magnitude. Em termos homólogos o PIB caiu 0.9%, após ter descido 0.5%, no 1ºT2011 (valor revisto em alta, em 0.1 p.p.), queda que, segundo o INE, esteve associada a um acentuado contributo negativo da Procura Interna, em resultado da diminuição de todas as suas componentes, com destaque para o Investimento. O contributo da Procura Externa Líquida aumentou, com as Importações de Bens e Serviços a registarem uma variação homóloga negativa mais acentuada que a do trimestre anterior e as Exportações de Bens e Serviços a manterem um crescimento elevado. Analisando em detalhe as variações em cadeia, esta estimativa final confirmou as nossas expectativas relativamente às fortes quedas do Consumo Privado e do Investimento em Capital Fixo, neste último caso, bem mais intensa. As surpresas positivas vieram, essencialmente, das Exportações Líquidas e dos Gastos Públicos, com as primeiras a evidenciarem um contributo superior ao que havíamos admitido, reflectindo, essencialmente, a pior dinâmica das Importações, já que as Exportações revelaram um esperado forte acréscimo. Quanto aos Gastos Públicos, o forte crescimento observado surpreendeu largamente, designadamente por ocorrer num contexto de um exigente processo consolidação orçamental, mas com o INE a referir que parte deste acréscimo terá ficado a dever-se ao pagamento de serviços financeiros ao exterior, associados ao programa de assistência financeira a Portugal.
Consumo Privado registou a sua 3ª queda trimestral consecutiva, para mínimos desde o 4ºT2006 O Consumo Privado registou uma forte queda trimestral de 0.7%, em linha com o que havia sido sugerido pelo nosso Indicador Compósito para o Consumo Privado, evidenciando um contributo negativo de 0.5 p.p. para a descida do PIB, no 2ºT2011. Tratou-se de uma queda bem inferior à do 1ºT2011 (-2.9%, com um contributo de -2.0 p.p.), mas que remeteu o nível do agregado para mínimos desde o 4ºT2006. A queda do Consumo Privado terá reflectido, essencialmente, as medidas de austeridade adoptadas no início do ano, bem como as restantes medidas que foram sendo anunciadas, no âmbito do programa de assistência financeira acordado com a Troika, que provocaram uma considerável redução (ou expectativas de redução) do Rendimento Disponível real das famílias, a que se juntou a natural deterioração do Mercado Laboral, bem como o próprio agravamento da Inflação e das taxas juros. A maior queda observou-se, como esperado, no Consumo de Bens Duradouros, que caíram 5.5%, depois de já terem descido de forma intensa no 1ºT2011 (-14.9%, em parte, reflectindo a correcção face à antecipação da aquisição de automóveis observada no final de 2010, evidenciando já a 3ª queda dos últimos 4 trimestres. O Consumo de Outros Bens e Serviços (excluindo Produtos alimentares) também registou uma queda, pelo 3º trimestre consecutivo, embora consideravelmente inferior e em desagravamento face ao trimestre anterior (-0.4% vs -1.8%, no 1ºT2011), ao passo que o Consumo de Bens Alimentares, reflectindo a natural maior rigidez da procura, acabou por registar um acréscimo, revertendo a queda pontual observada no trimestre anterior (+0.4% vs -0.3%, no 1ºT2011).
Investimento apresentou o maior contributo para a queda do PIB O Investimento apresentou o maior contributo para a queda do PIB, caindo para níveis mínimos desde o 1ºT1996 e tendo sido penalizado, essencialmente, pelo Investimento em Capital Fixo, mas, também, pela Variação de Existências. Com efeito, estas últimas evidenciaram o seu 2º contributo negativo consecutivo para o crescimento do PIB, embora bem inferior ao observado no trimestre precedente (-0.2 p.p. vs -0.6 p.p., no 1ºT2011). Já o Investimento em Capital Fixo (FBCF) viu intensificado o seu contributo negativo (de -0.2 p.p., no 1ºT2011, para -1.3 p.p.), reflectindo uma forte contracção em cadeia de 6.0%, ligeiramente inferior às indicações que eram dadas pela informação mensal disponível, mas representando já a 5ª queda consecutiva e em considerável agravamento (-1.2%, no 1ºT2011). Esta quebra da FBCF reflectiu um comportamento desfavorável da generalidade das suas componentes, assumindo maior expressão na Construção (-8.5%) – que havia sido a única a crescer no trimestre precedente –, mas sendo igualmente de realçar as contracções registadas no Material de Transporte (-6.0%, depois da forte queda de -11.8%, no 1ºT2011) e nas Máquinas e Equipamentos (-2.0%), neste último caso, pelo 3º trimestre consecutivo. Importa relembrar que os níveis de Utilização de Capacidade Instalada permanecem relativamente baixos, não sendo expectável uma recuperação paulatina do Investimento antes de a actividade iniciar, ela própria, uma recuperação relativamente robusta, o que, perante a esperada contracção da Procura Interna, este ano, torna as Exportações no principal suporte do Investimento. É, ademais, num contexto de fraca Utilização de Capacidade Instalada que se admite que o Investimento que está a ser efectuado vise, essencialmente, a reposição de stocks, a actualização de equipamento para produzir novos produtos ou a introdução de novos processos, não tendo como causa fazer face a um crescimento da procura. Além disso, a deterioração das condições de financiamento da economia portuguesa continuarão a constituir um entrave adicional ao Investimento, na medida em que se têm vindo a reflectir no aperto das condições de concessão de crédito.
Gastos do Estado registam um forte acréscimo O Consumo Público observou uma forte expansão trimestral de 1.8%, corrigindo parcialmente da ainda mais intensa queda do trimestre anterior (-5.0%) e evidenciando um precioso contributo de 0.4 p.p. para o crescimento do PIB, no 2ºT2011. Tratou-se, no entanto, de um resultado que surpreendeu largamente as nossas expectativas aquando da 1ª estimativa, mas que após conhecida a estagnação do PIB desde logo avançamos para esta possibilidade. A estranheza do resultado prende-se, apenas, com o facto de ocorrer num contexto de um exigente processo consolidação orçamental, pese embora com o INE a referir que parte deste acréscimo terá ficado a dever-se ao pagamento de serviços financeiros ao exterior, associados ao programa de assistência financeira a Portugal.
Exportações Líquidas evidenciam contributo positivo e superior ao esperado Finalmente, as Exportações Líquidas evidenciaram um forte contributo positivo para o crescimento do PIB (+1.4 p.p.), inferior ao observado no trimestre anterior (+3.2 p.p., que representou o maior das actuais séries trimestrais do PIB), mas tendo voltado a servir para evitar o pior, depois de, no 4ºT2010, terem sido as principais responsáveis pela queda da actividade económica, com um contributo negativo de 1.0 p.p.. Tratou-se de um contributo superior ao que havíamos admitido, mas reflectindo, essencialmente, a pior dinâmica das Importações, já que as Exportações revelaram um esperado forte acréscimo. Com efeito, as Importações acabaram por registar um ligeiro decréscimo de 0.2%, depois de já terem contraído fortemente no 1ºT2011 (-7.6%), na altura, recorde-se, penalizadas, designadamente, pela diminuição das importações de Automóveis, resultante da já referida correcção face à antecipação do Consumo observada no final de 2010 e pelo facto de, no 4ºT2010, os dados estarem empolados pela importação do submarino. Esta queda das Importações, no 2ºT2011, ficou a dever-se, exclusivamente, às Importações de Bens (-2.2%), já que as Importações de Serviços evidenciaram um enorme acréscimo (+11.9%), pela 1ª vez nos últimos 3 trimestres, se bem que reflectindo, em grande parte, o já referido pagamento de serviços financeiros ao exterior, associados ao programa de assistência financeira ao país. Do lado das Exportações, o forte acréscimo de 4.0% (+0.2%, no 1ºT2011) remeteu a variável para níveis máximos desde o 1ºT2008 e reflectiu um comportamento favorável tanto das Exportações de Bens, como de Serviços (+4.2% e +3.4%, respectivamente), estas últimas expandindo já pelo 5º trimestre consecutivo.
VAB com comportamento mais desfavorável do que o PIB Na óptica da Produção, refira-se que o VAB (com Impostos) acabou por evidenciar um comportamento significativamente mais desfavorável do que o PIB, contraindo 0.7%, e evidenciando um decréscimo homólogo igualmente superior ao observado pelo PIB (-1.6% vs -0.9%, no caso do PIB). Neste sentido, existe um elevado risco de que a estagnação reportada para o PIB possa ser revista em baixa à medida que informação mais completa for disponibilizada, uma vez que apenas numa ocasião nas séries trimestrais oficiais do INE se tinha registado uma discrepância superior entre os dados do PIB e do VAB (no 3ºT2000).
As quedas foram generalizadas entre os diversos sectores de actividade, com as únicas excepções da Agricultura e das Actividades Financeiras e Imobiliárias, que cresceram ambas 0.2%, pelo 3º e 2º trimestre consecutivo, respectivamente, mas, essencialmente, do Comércio, Restaurantes e Hotéis, onde o VAB expandiu 1.8%, embora não conseguindo corrigir totalmente a queda de 2.0% do trimestre precedente. Do lado das descidas, como esperado, o sector da Construção destacou-se largamente pela negativa, depois de, no trimestre anterior, ter-se evidenciado exactamente pela razão oposta (-6.0% vs +3.0%, no 1ºT2011), naquele que representou o 1º acréscimo dos últimos 4 trimestres. Também o VAB da Indústria regressou às quedas (-1.0% vs +1.6%, no 1ºT2011), com a melhor dinâmica externa da economia a não ser suficiente para compensar as actuais fraquezas internas, o mesmo tendo sucedido com a Energia, Água e Saneamento, que evidenciaram a 2ª maior queda trimestral (-1.2%). Refira-se, contudo, que a Indústria continuou a ser um dos poucos sectores que não revela uma descida face a igual período de 2010 – a par da Agricultura e das Actividades Financeiras e Imobiliárias –, exibindo um crescimento de 1.6%, claramente superior aos restantes sectores. Os Transportes, Actividades de Informação e Comunicação (-0.1%) e os Outros Serviços (-0.8%) também viram diminuídos os níveis da actividade face ao trimestre anterior.