O novo chefe de missão da Comissão elogia os esforços de ajustamento do Sul, critica a desconfiança dos países do Norte, e alerta para riscos de atrasos na união bancária. Estas são três das principais mensagens de John Berrigan, de quem fizemos um perfil na edição de hoje do Negócios (a par com o de Subir Lall, o novo homem forte do FMI), e para o qual contámos com um seminário sobre a crise europeia que Berringan deu na Universidade de Oxford, no final de Abril. Vale a pena ver a vídeo de cerca de 50 minutos com a sua apresentação, onde deixa uma leitura rica sobre a crise na perspectiva da Comissão Europeia, num tom descontraído e que pontua com algum sentido de humor (contido) sobre as criticas a que a Comissão tem estado sujeita. Destacamos aqui alguns dos pontos que nos parecerem mais interessantes, mas aconselhamos o vídeo todo.
A característica definidora da crise da Zona Euro (perto do minuto 8”)
“A característica chave da crise da Zona Euro é a relação entre bancos e soberanos”
“Temos um circulo vicioso de economia fraca, stress soberano e bancos frágeis”
A fraqueza macroeconómica da União Europeia ( perto do minuto 10’)
“Crises financeiras grandes são sempre associadas a crescimento baixo” subsequente
“O que está no centro da fraqueza da União Europeia e Zona Euro é uma compressão da procura” interna em que “todos estão a tentar sair da crise exportando”
A situação da banca e o papel do BCE na cedência de liquidez ( perto do minuto 14’)
“O BCE retirou o risco agudo liquidez e o risco de que se transformasse numa crise de solvência, mas não retirou do mercado completamente o risco de solvência dos bancos. E isso acontece porque há ainda muita coisas nos balanços dos bancos de que os investidores não gostam”
A fragmentação da Zona Euro e o risco para o euro e Portugal ( perto do minuto 15’)
“Temos uma fragmentação do mercado de crédito ou dito de outra forma é uma desintegração do mercado único e um retrocesso de quase 10 anos do meu trabalho a tentar criar um mercado único neste mercado”
“Os LTRO (empréstimos de longo prazo do BCE) ajudaram, mas estes empréstimos estão a ser concedidos a bancos em países onde há problemas, e o que os bancos estão a fazer é usar a diferença entre esse custo e os empréstimos para se recapitalizarem. O OMT ajudou do lado dos soberanos, mas não teve impactos” nos bancos
“Seja claros: se não revertermos esta fragmentação nos mercados [de crédito], o mercado único está ameaçado, assim como a recuperação da periferia, e por isso a recuperação da UE como um todo – e diria mesmo que o funcionamento da união monetária está em risco”
A desconfiança do Norte e as implicações na capacidade de reacção política ( perto do minuto 19’)
“Há uma percepção na Europa, em alguns Estados membros de que os empréstimos a outros Estados-membros não são empréstimos, mas são bolsas e que não voltam. Isto está a criar problemas”
“Apesar de termos tentado explicar às pessoas nestes países que estão a fazer dinheiro com estes empréstimos, não está a funcionar e há a percepção de que isto está a criar uma questão de redistribuição [de riqueza entre países] o que cria restrições políticas fortes”
“Estas restrições políticas significam que o consenso é difícil e que as reacções políticas tendem a acontecer, no melhor dos cenários, em cima da curva e muitas vezes atrás da curva (…) Isto significa que muitas vezes temos de tomar decisões depressa, por vezes muito depressa, e depois temos de reparar essas decisões com o tempo. Um bom exemplo é o FEEF [primeiro fundo da Zona Euro que financiou Portugal] que inventámos 4 hortas antes de Tóquio abrir e depois passámos seis meses a tentar substituí-lo com o que queríamos desde início, que é o MEE (o actual fundo)”
Países do Norte não reconhecem o ajustamento a Sul (perto do minuto 26)
“Há um reequilíbrio a acontecer na economia da Zona Euro (…) em termos de balança corrente e de custos unitários de trabalho (…) há um ajustamento significativo a acontecer nos países onde esse ajustamento é preciso, isto é, em Espanha, na Grécia, em Portugal, na Irlanda – e há também algum ajustamento, embora menos visível na Alemanha”
“Há um ajustamento doloroso que está a acontecer que nem sempre é reconhecido nos países do centro, onde há uma percepção de que nada está a acontecer, e de que os empréstimos estão a sair sem que os países façam o que devem – e nos números não confirmam isso”
Elementos da união bancária I (perto do minuto 37)
“Esta será uma grande novidade na Europa [a criação de um mecanismo/sistema comum de resolução de bancos com regras comuns de distribuição de perdas pelo sector privado]: não é que nós não tenhamos um enquadramento de resolução de bancos na Europa: nós não temos uma cultura de resolução de bancos. Nós não fechamos bancos, mesmo os pequenos. Tendemos a salvá-los”
“Haverá a possibilidade de mutualizar os custos financeiros que sobrarem – após a distribuição de perdas pelo sector privado – através de um mecanismo orçamental comum”
Elementos da união bancária II (perto do minuto 42)
Para os que estão dentro, a União Bancária “será provavelmente a maior transferência de soberania para o centro, até diria que superior à criação união monetária”
“Vamos partilhar a responsabilidade pela supervisão, gestão de crise e por custos orçamentais e por isso tem de haver total cooperação dos Estados-membros”
“Se vamos criar um criar um organismo central que vai impor custos [aos Estados-membros] e esses custos não são repartidos nem mutualizados, não estou convencido que exista sempre o incentivo para levar [que os Estados-membros levem] a esse organismo central, em tempo útil, a informação para o que é preciso fazer: essencialmente estamos a tentar transformar autoridades nacionais em denunciantes”
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