A inflação homóloga regressou a terreno negativo em Fevereiro. Transportes, vestuário e calçado deram os principais contributos para a inflação negativa registada em Fevereiro, analisa José Miguel Moreira, economista do Montepio, que revê a projecção de inflação para 2014 de 0,6% para 0,3%. Filipe Garcia, da IMF, destaca que a eficácia da inflação baixa em Portugal a gerar ganhos de competitividade pelos preços para o país é mitigada pelo facto de toda a Zona Euro estar também com inflação baixa.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. A inflação, medida pela variação homóloga do IPC, desceu em Fevereiro de 0.1% para -0.1%, ficando agora apenas 0.1 p.p. acima do mínimo desde nov-09 observado em nov-13 (-0.2%), revelando uma leitura inferior à aguardada pelo mercado, que apontava para uma aceleração (consenso: +0.3%).
2. Tratou-se da 2ª desaceleração dos últimos 4 meses, depois de uma série de 4 desacelerações, sendo visível uma tendência descendente entre nov-11 e out-13, havendo agora uma certa estabilização num valor perto de zero, mas com a variável a regressar a terreno negativo depois de 2 meses no verde, evidenciando o 3º registo negativo em cinco meses, que foram também as primeiras quedas desde nov-09 (-0.6%).
3. Os maiores contributos positivos para a inflação homóloga foram dados pela habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis e pelas bebidas alcoólicas e tabaco, ao passo que a maiores contribuições negativas foram dadas pelos transportes e pelo vestuário e calçado, com a desaceleração da inflação a reflectir essencialmente o comportamento da classe dos transportes, que viu o contributo agravar-se em 0.07 p.p., bem como dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (contributo agravou-se em 0.06 p.p.).
4. A taxa de variação homóloga do IPC core foi de 0.1%, idêntica à do mês anterior, regressando a um nível superior ao do IPC geral depois de dois meses a apresentar um valor idêntico, estando já pela 4ª vez nos últimos 6 meses num nível superior ao IPC geral. Em termos anuais, recorde-se que o IPC registou uma taxa de variação média de 0.3% em 2013, em forte desaceleração (+2.8% em 2012). Estes últimos dados sobre a inflação têm continuado a confirmar as nossas perspectivas, de que as anteriores pressões sobre os preços advinham essencialmente das commodities (em concreto da energia) ou de alterações fiscais e subidas dos preços regulados, assumindo um carácter largamente temporário.
5. A dissipação desses efeitos temporários ao longo de 2013, em conjugação com uma descida do preço médio anual do petróleo, um crescimento marginal dos preços de importação de bens não energéticos e a manutenção de uma forte moderação salarial traduziram-se numa redução da inflação (medida pela variação homóloga do IHPC) em 2013, de 2.8% para 0.4% – um valor que é o 2º mais baixo desde que existem registos, apenas superado pela queda de 0.9% registada em 2009, na sequência do colapso dos preços do petróleo –, apontando-se agora, refletindo estes primeiros dados para o ano inferiores aos aguardados, para uma inflação em torno dos 0.3% para 2014 (anteriormente aponta-se para +0.6%).
Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros
1. Fevereiro é habitualmente um mês em que o índice de preços no consumidor apresenta uma variação reduzida, muitas vezes negativa. Este ano isso voltou a acontecer, destacando-se o efeito dos saldos, que foi ligeiramente mais forte do que esperávamos, embora em linha com o do ano passado.
2. O retalho continua a fazer promoções muito fortes para se adaptar à procura interna. A dimensão da queda mensal do IPC foi um pouco maior do que no ano passado (-0.3% vs -0.1%) devido à descida dos preços dos combustíveis, que tinham subido no mesmo período do ano passado. A inflação homóloga e média continuam perto de zero.
3. Algo que parece evidente, mas que é frequentemente esquecido, é que se em termos médios a evolução dos preços é praticamente nula, os agentes económicos são afectados de forma diferente conforme o seu próprio cabaz de compras. Por exemplo, para uma família sem automóvel e que não viaje, é muito mais importante o que se passa ao nível da eletricidade, rendas e alimentação do que a evolução do preço da gasolina ou dos bilhetes de avião.
4. A queda da inflação constitui uma ferramenta de “desvalorização cambial interna”. Dado que o câmbio é fixo entre os países da UEM, a queda dos preços, acontecendo de forma heterogénea, teria os mesmos efeitos de uma desvalorização cambial com os preços domésticos a subir menos (ou a cair) face aos principais parceiros comerciais, nomeadamente a Alemanha. Como a inflação na Alemanha é baixa (1.2% homóloga), isso significa que, para ganhar competitividade, os restantes países têm de ter uma evolução de preços ainda mais moderada, levando a que países como Portugal, Grécia ou Espanha tenham de registar taxas perto ou abaixo de 0%.
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