O que há em comum entre a promoção da natalidade e o despedimento de grávidas?

20/03/2014
Colocado por: Catarina Almeida Pereira

Fonte: Miguel Baltazar / Negócios

 

Três semanas depois de ter eleito a natalidade como prioritária nas políticas a aplicar, Passos Coelho assumiu que quer discutir com os parceiros sociais a redução das indemnizações por despedimentos ilícitos. No primeiro caso falava o presidente do PSD. No segundo caso falou o primeiro-ministro.

Entre as duas intenções há potenciais conflitos: o despedimento injustificado de grávidas é ilegal e, por enquanto, custa bem mais caro às empresas. 

 

Começemos pelas regras de despedimento. São ilícitos os despedimentos:

 

– que se devem a motivos “políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivos diversos”;

 

– fundamentados em motivos declarados “improcedentes” pelo tribunal ou seja, que não têm uma justa causa comprovada;

 

– ou que não cumprem alguns dos procedimentos estabelecidos na Lei. E a lei diz que as empresas não podem despedir trabalhadoras grávidas, que estejam nos 120 dias seguintes ao parto ou que amamentem, pelo menos sem o parecer prévio da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a entidade que avalia se houve ou não discriminação. A mesma regra aplica-se aos pais que estejam a gozar a licença parental inicial.

 

Para que servem as indemnizações dos despedimentos ilícitos?

 

À partida, quando o despedimento é declarado ilícito, o trabalhador visado tem o direito de reintegração na empresa, recuperando os salários que entretanto não recebeu. Em alternativa a esta reintegração, o trabalhador pode pedir uma indemnização, que regra geral varia entre os 15 e os 45 dias por cada ano trabalhado, sendo fixada pelo tribunal, em função da retribuição e do grau de ilicitude: um despedimento por motivos ideológicos é, à partida, mais grave que um despedimento com falhas formais.

 

O valor da indemnização pode no entanto aumentar para 30 a 60 dias por ano trabalhado em casos concretos, isto é:

 

– quando em causa está um despedimento ilícito de trabalhadora grávida, que esteja nos 120 dias seguintes ao parto ou lactante; ou de um pai em licença parental. Nestes casos, o empregador nunca se pode opor à reintegração

– ou ainda nos  casos em que a reintegração pode ser afastada a pedido do empregador e por decisão do juiz, ou seja, em despedimentos em microempresas ou de trabalhadores que ocupem cargos de direcção ou administração.

 

 

E o que quer o Governo?

 

O primeiro-ministro anunciou a intenção geral de rever o custo do despedimento ilícito. Pedro Passos Coelho apresentou dois argumentos, que também têm aparecido nos relatórios do FMI:

 

1. Existe hoje um diferencial entre o valor das compensações dos despedimentos justificados e das indemnizações dos despedimentos ilícitos. 

 

As compensações dos despedimentos colectivos e por extinção de posto de trabalho, por exemplo, passaram dos anteriores 30 dias por ano trabalhado, sem limite máximo, para uma fórmula mista que pode implicar uma compensação de 30, 20, 18 ou 12 dias por cada ano trabalhado, consoante a data de assinatura do contrato. No futuro, à medida que os trabalhadores assinarem um novo contrato, as compensações serão de apenas doze dias por ano trabalhado, com novos tectos máximos. O valor está muito distante dos 30 dias que em regra são fixados pelos tribunais no despedimento ilícito porque o Governo reduziu os primeiros, cumprindo uma medida definida no memorando de entendimento.

 

 

2 .Há quem aproveite esta diferença para tentar provar, nos Tribunais, que foi despedido sem justa causa para receber o diferencial

 

Neste segundo argumento admite-se um de dois cenários: ou as pessoas tentam provar e não conseguem, o que esvaziaria o problema; ou os juízes estão a considerar ilícitos despedimentos que foram feitos no escrupuloso cumprimento da lei – estando por avaliar a frequência com que isso acontece.

 

 

Que problemas levanta a equiparação entre despedimento lícito e ilícito?

 

 

Por questões de simplificação de linguagem, toda a imprensa, incluindo o Negócios, tem confundido o termo “compensações”, que se aplica aos despedimentos feitos no cumprimento da lei, com o termo “indemnizações”, que se aplica aos despedimentos ilícitos. Os conceitos têm no entanto uma natureza profundamente distinta.

 

 

Tal como explicou recentemente ao Negócios Maria do Rosário Palma Ramalho, o que está em causa quando se discutem indemnizações por despedimento ilícito “não é um preço”, são antes “as consequências em termos de responsabilidade civil de um acto ilícito do empregador”. Trata-se de indemnizar o visado por uma ilegalidade.

 

 

Isto é totalmente distinto do “custo económico do acto lícito” que esteve em revisão nos últimos anos e que se refere ao preço de um procedimento previsto na lei, acrescenta a especialista do Instituto de Direito do Trabalho, que colaborou com o Governo na redacção da nova Lei Geral da Função Pública. 

 

 

Quando anunciou a intenção de discutir a matéria com os parceiros sociais, o primeiro-ministro não disse se quer descer as indemnizações para todos ou apenas para alguns casos. Passos Coelho ainda não explicou quais as ilegalidades que considera mais graves e quais serão, na opinião do Governo, mais toleráveis. Abre-se assim toda uma ampla discussão, com potenciais efeitos sobre a natalidade.

 

 

Também ainda não se sabe se existe em todo o Governo uma convicção profunda sobre os méritos da proposta que se quer discutir. A questão foi introduzida no âmbito de pacote laboral mas vasto, a negociar com patrões e sindicatos, que tem outros objectivos: o novo congelamento do preço das horas extraordinárias é apenas um deles. Muitas vezes, as propostas mais polémicas acabam por cair.