Investimento anima, consumo público alarma

11/03/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge

A economia portuguesa cresceu 1,7% em termos homólogos no último trimestre do ano. Filipe Garcia, da Informação de Mercados Financeiros, diz que são bons resultados e evidencia o desempenho positivo do investimento. A equipa de economistas do NECEP, da Universidade Católica, considera o regresso do crescimento do investimento como a melhor notícia dos dados divulgados pelo INE. Paula Carvalho, do BPI, e José Miguel Moreira do Montepio destacam além do investimento, o bom desempenho das exportações, como o economista do Montepio a salientar que há sinais animadores quanto à sustentabilidade da recuperação do investimento. Vários economistas evidenciam também o aumento do consumo público, o qual é influenciado pelo aumento do número de horas trabalhadas no Estado de 35 para 40 horas. Ainda assim fica o aviso: se o consumo estiver a aumentar por outras razões, o objectivo de défice será mais difícil de cumprir.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.   

 

José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. A estimativa final do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) do 4ºT2013 apontou para uma expansão em cadeia de 0.6%, revendo 0.1 p.p. em alta o valor reportado na estimativa inicial e que, recorde-se, já tinha sido superior à mediana das projeções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.1%). A economia contabilizou, assim, o 3º crescimento consecutivo, após um período de recessão que durou 10 trimestres, tendo o PIB no 1ºT2013 se situado no nível mais baixo desde o 2ºT2000. Com a subida do 2ºT2013 o PIB já tinha recuperado da queda registada no 1ºT2013 (-0.3%), sendo que com o avanço do 4ºT2013 recuperou da descida observada no 4ºT2012 (-1.9%, a maior desde o 1ºT2009, quando a economia mundial se encontrava na Grande Recessão). De resto, também a contração de 0.6% observada no 4ºT2012 no conjunto da Zona Euro foi a maior desde aquele trimestre. Note-se que o PIB português é particularmente volátil, sendo de salientar que a média móvel de 4 trimestres revelou agora uma subida de 0.4%, após 10 contrações consecutivas.

 

2. Esta estimativa final veio confirmar na generalidade o que havíamos antecipado acerca do comportamento das diversas componentes do PIB na ótica da despesa, com a aceleração do crescimento a estar designadamente associada às exportações líquidas, que regressaram aos contributos positivos depois de terem penalizado fortemente o crescimento da economia no trimestre anterior (+0.2 p.p. vs -1.1 p.p. no 3ºT2013), reflectindo o contributo positivo das exportações (+0.4 p.p.), que mais do que conseguiu compensar o contributo negativo das importações (-0.2 p.p.), as quais cresceram, impulsionadas essencialmente pelo forte crescimento do investimento. Passando para a procura interna, esta evidenciou, como previsto, um contributo positivo, em abrandamento (+0.4 p.p. vs +1.4 p.p. no 3ºT2013), mas continuando a crescer pelo 3º trimestre consecutivo, algo que não tinha sucedido nos anos anteriores, aquando do momento do anúncio das novas medidas de austeridade constantes nas proposta de orçamento de Estado, que em 2013 acabaram por se reflectir bem menos intensamente nas expectativas dos agentes, para o qual terá contribuído o facto de a economia ter vindo a crescer desde o 2ºT2013 e, por conseguinte, os agentes económicos terem passado a ver uma luz ao fundo do túnel. O comportamento entre as diversas componentes da procura interna mostrou-se sensivelmente em linha com o que tínhamos avançado aquando da estimativa inicial, com o consumo privado a ser a única componente a contrair. Com efeito, consumo privado evidenciou um contributo negativo de 0.3 p.p., regressando às quedas depois de 2 trimestres de contributos positivos (+0.7 p.p. no 3ºT2013), que o tinham permitido aliviar de níveis mínimos desde o 1ºT2001, continuando a ser suportado pelo consumo de bens duradouros, mas neste trimestre penalizado pelo consumo de bens alimentares, bem como pelo de bens não-alimentares e serviços. A nível doméstico, o PIB foi essencialmente suportado pelo investimento – mas apenas pelo investimento em capital fixo (FBCF), que evidenciou um contributo positivo de 0.5 p.p. (+0.2 p.p. no trimestre anterior), com a variação de existências a apresentar um contributo nulo (+0.5 p.p. no 3ºT2013) –, com o consumo público a registar igualmente um acréscimo, apresentando um contributo de 0.2 p.p. (-0.1 p.p. no 3ºT2013).

 

3. Uma nota adicional sobre o comportamento do investimento e sobre se se trata, efetivamente, de uma recuperação e se esta será sustentável. Julgamos que esta recuperação aparenta ser sustentável. O investimento, em concreto o investimento em capital fixo (FBCF), subiu em cadeia pelo 3º trimestre consecutivo, em aceleração (+3.4% vs +1.5% no 3ºT2013) e sendo impulsionado pela generalidade das principais componentes, com a única excepção a ser o investimento em construção, que contraiu, mas devendo este comportamento estar também a reflectir alguma correcção face ao superior acréscimo do investimento público no 3ºT2013, empolado pela realização de eleições autárquicas (set-13) e por obras de “última hora”. Assim, e não obstante actualmente ainda se assistir a um excesso de capacidade instalada na economia, o facto de a recuperação estar nos últimos trimestres a ser impulsionada também pela procura interna, leva-nos a não ver razões para considerar a actual recuperação do investimento como insustentável. Refira-se, além do mais, que em alguns sectores foram ganhando quota nos mercados de exportações, com os empresários a encontrarem uma alternativa à redução que se observou na procura interna. Com a esperada recuperação da procura interna, várias empresas terão que aumentar a capacidade de produção para fazer face ao crescimento simultâneo da procura interna e da procura externa.

 

4. No ano de 2013, a economia caiu 1.4%, abrandando o ritmo de queda (-3.2% em 2012), mas contabilizou a 3ª queda anual consecutiva (-1.3% em 2011), ficando o PIB no nível mais baixo desde o ano 2000, já que desde a expansão de 2007 (+2.4%), apenas por uma vez a economia cresceu (em 2010: +1.9%), tendo estabilizado em 2008 e caído 2.9% em 2009. Assim, o PIB de 2013 ficou 6.7% abaixo do observado em 2007. Relativamente a 2014, mantemos a previsão de um crescimento anual do PIB de 1.2%, depois de o termos revisto em alta dos anteriores 0.8%, aquando da divulgação da estimativa inicial do PIB do 4ºT2013 (reflectindo sobretudo o carry-over mais favorável), embora com esta previsão a encontrar-se agora rodeada de alguns riscos ascendentes, traduzindo não apenas a revisão em alta do crescimento do 4ºT2013, mas também os dados já conhecidos para o actual trimestre, que se têm mostrado um pouco mais favoráveis do que o anteriormente antecipado.

 

Paula Carvalho – Departamento de Estudos do BPI

 

1. O detalhe do relatório do PIB no 4T13 confirma um padrão de evolução da economia portuguesa em linha com o desejável. De facto, quer as exportações quer o investimento revelaram boas performances, embora claramente a melhoria do último tenha que ser confirmada, dado que se trata de um ou dois trimestres de progressos.

 

2. Importante é também o facto de a procura interna ter deixado de pesar tão negativamente na actividade, dando mesmo um impulso marginalmente positivo. Esta também é uma tendência desejável pois, dado o peso significativo do consumo privado, não é possível sustentar um cenário de expansão sem que esta componente estabilize. Realce-se que alguns agregados crescem quase por inércia, como sejam o consumo de bens duradouros, que tinha registado quedas significativas em vários trimestres consecutivos (por exemplo, as vendas de automóveis, com peso nesta componente, alcançaram valores mínimos desde inícios dos anos 90, sendo expectável uma ligeira retoma).

 

3. Finalmente, o destaque mais positivo vai para as exportações de bens e serviços, que aumentaram 9.4% y/y no 4º trimestre, 6.1% no conjunto do ano. Isto apesar da apreciação do euro, da recessão no maior parceiro comercial (UE) e da base ser desfavorável (dado que se registam repetidamente acréscimos). Neste capítulo, importa recordar o esforço de diversificação de produtos e mercados, que tem vindo a conferir resiliência às exportações portuguesas em vários cenários. Pelo que se justifica a expectativa de que esta trajectória deverá continuar.

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros

 

1. É um relatório positivo. Trata-se do terceiro crescimento positivo em cadeia, o que não acontecia desde o 3º trimestre de 2010. Em termos homólogos foi a taxa de crescimento mais alta também desde o 3º trimestre de 2010 e é o primeiro crescimento homólogo desde o 4º trimestre de 2010. Mesmo com a recuperação registada, segundo os dados da Reuters, o PIB está ainda cerca de 6.7% abaixo do que se registava no “pico” antes da crise.

 

2. Havia alguma discussão entre os economistas acerca do comportamento do consumo privado dado que os indicadores disponíveis apresentavam alguns sinais contraditórios. O relatório do INE mostra que, afinal, o consumo privado recuperou no último trimestre do ano, “puxando” também pelo PIB. Mas vale a pena destacar que o consumo público não teve um contributo negativo, o que já não acontecia há algum tempo.

 

3. O INE justifica a evolução do consumo público com razões técnicas ligadas ao aumento da duração do período de trabalho da função pública (de 35 para 40 horas), mas será interessante verificar o comportamento futuro para detectar se o PIB não estará também a expandir com base no consumo público, o que seria desaconselhável num contexto de necessária consolidação orçamental.

 

4. Outro aspecto do qual já se suspeitava, mas que o relatório confirma, é o impacto das vendas de automóveis, que se nota em várias componentes (consumo privado, investimento e importações). O investimento continua a contribuir negativamente para o PIB, mas sobretudo devido ao peso da construção. As componentes de investimento em material de transporte e compra de máquinas e equipamentos estão a evoluir de forma positiva, provavelmente reflectindo as melhores condições de negócio e de disponibilidade de crédito.

 

5. O processo de estabilização da economia portuguesa continua em curso, notando-se que o crescimento do PIB se faz com um perfil mais equilibrado entre a procura interna e externa. Para que o PIB comece a crescer de forma mais sustentada fica a faltar uma evolução mais positiva em termos do investimento e a confirmação da melhoria do consumo privado.

 

6. Merece menção o facto de Portugal ter registado uma Capacidade Líquida de Financiamento de 2.0% do PIB (“superavit”), face às Necessidades de Financiamento (“défices”) recorrentes.

 

NECEP – Universidade Católica 

 

1. No 4.º trimestre de 2013 a economia portuguesa registou um crescimento de 0.6% face ao trimestre  anterior e de 1.7% em termos homólogos, que corresponde ao terceiro crescimento em cadeia e ao primeiro em termos homólogos após uma sucessão de onze trimestres em queda. Este crescimento poderá estar influenciado por efeitos de calendário devido à supressão de feriados. A taxa média de crescimento do PIB em 2013 foi de -1.4% (-3.2% em 2012).

 

2. O desempenho positivo do PIB a partir da Primavera de 2013 corresponde a uma alteração qualitativa face aos últimos anos e que suporta a hipótese de recuperação cíclica da economia, já que este fenómeno se observa de forma transversal em todas as componentes da despesa, que apresentam variações homólogas positivas.

 

3. Merece especial destaque o crescimento das exportações (9.4% homólogo e 1.0% em cadeia), sobretudo na componente de serviços (12.2%), apesar de estar alinhado com a sua dinâmica recente.

 

4. Na perspectiva do NECEP, o dado mais animador vem do investimento (formação bruta de capital fixo) que cresceu 2.7% em termos homólogos, uma variação positiva que já não se observava há 21 trimestres, ou seja, desde o 2.º trimestre de 2008, no início da crise financeira desse Verão.

 

5. Já no caso das importações, os crescimentos são mais moderados que nas exportações ou no investimento mas podem reflectir já a recuperação deste último.

 

6. O consumo privado evoluiu em linha com a sua dinâmica recente, apesar de ser a única componente da despesa que apresentou uma contracção em cadeia (-0.5% mas crescimento de 0.6% em termos homólogos). Este dado tem elementos surpreendentes e pode reflectir efeitos de calendário que afectaram de forma assimétrica a produção e o consumo no 4.º trimestre.

 

7. É de assinalar, ainda, o crescimento do consumo público, quer em termos homólogos (0.1%), quer em  cadeia (1.2%), um registo que já não se observava desde o final de 2010 e que evidencia o crescimento da  despesa pública desde a Primavera do ano passado, o que no actual contexto é motivo de preocupação.

Rui Peres Jorge