“As desigualdades sociais abrem caminho ao regresso do fascismo”

07/12/2012
Colocado por: Filomena Lanca

 

“As desigualdades sociais abrem caminho ao regresso do fascismo”
 
 
“No choque da panela de barro com a de ferro quebra a mais fraca e as desigualdades sociais abrem caminho ao regresso do fascismo”. José Eduardo Faria, jurista, sociólogo, filósofo, esteve em Lisboa a falar sobre tribunais, cidadania e direitos e deixou uma mensagem de alerta: “Estas grades que tentam afastar as pedras, podem voltar-se contra nós em movimentos de protesto”. Afinal, “quanto de desigualdade e de exclusão social uma ordem institucional condicionada por reformas anti-jurídicas é capaz de tolerar?”. As consequências “já se viram há 60 anos atrás”: “o risco de lideranças irresponsáveis e inconsequentes pode acabar levando ao reaparecimento de aventuras autoritárias e totalitárias”.
 
As grades de que falava tinha-as visto pouco antes, ao entrar no Parlamento onde foi o principal orador de uma conferência organizada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses no âmbito da iniciativa “Tribunal de Porta Aberta” que decorre até ao próximo dia 10 de Dezembro.
 
Professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apontado como um dos grandes nomes da sociologia jurídica latino-americana, José Eduardo Faria apontou baterias aos mercados, que, lamenta, “tendem a ver os direitos jurídicos como custos e não como conquistas legítimas”, condicionado a totalidade das políticas.
 
“A crescente presença dos mercados acaba levando os estados a ter de reformar as suas legislações, procurando uniformiza-las em escala mundial, dentro daquilo que interessa às grandes empresas e aos grandes bancos”.
Discurso da refundação esconde muitas vezes eliminação de direitos
 
É dessa reforma que se fala quando se fala de refundação do Estado? Será muito disso, também, e não se pense que Portugal é caso único:  “Há uma tentativa de se reformar as legislações no mundo inteiro. 80% dos grande países da ONU alteraram as suas constituições entre 1990 e 2000 e utilizaram expressões como essa: refundar o país, refundar a sociedade. Por trás do discurso da refundação, muitas vezes existe a eliminação de direitos e um valorização de critérios económicos em detrimento de critérios democráticos. Há sempre um perigo por trás desse discurso, que é muito mais economicista que um discurso político.”
 
É neste contexto que “os estados estão reformulando o seu papel”.  E o que é que os mercados querem do Estado? “Que garanta os contratos, que garanta a segurança público e trabalhe fundamentalmente com a ideia de fortalecimento do sistema penal”, até como forma de “enquadrar os chamados grupos disfuncionais. Grupos que ocupam moradias, que, como em Espanha, ocupam supermercados… a ideia é utilizar a força não a força do direito, mas a força
pública, como forma de manutenção da segurança pública, mas em contextos de alta desigualdade social. E isso pode ter custos políticos muito altos”.
 
E voltamos às pedras da calçada portuguesa: “Trabalhei com um perfeito de São Paulo que re-urbanizou o centro da cidade e usou calçada portuguesa. Era um empresário muito conhecido, foi accionista de um grande banco aqui em Portugal, e descobriu, enquanto perfeito, que as pedras da calçada podem servir de instrumento de agressão contra os governantes. Ele dizia que gostava muito da calçada portuguesa até ser perfeito. Um homem público não pode andar pelas ruas porque pode ser apedrejado. Isto era uma metáfora. O que ele queria dizer é que as ruas trazem sempre uma oposição e que essa oposição muitas vezes surpreende. É o lado positivo das ruas. E as pedras são também uma forma de manifestação política.”
 
Manifestação contra o poder cada vez maior dos mercados num contexto de crise dos partidos políticos e dos próprios sindicatos. “Os sindicatos ofereceram resistência e fracassaram, os partidos também, isso deu a ideia de que os mercados podiam fazer com os países o que quisessem. Quando de repente surgiram os movimentos de rua, que trazem embutida uma dimensão de protesto e uma advertência, uma situação limite”.
 
Pela primeira vez, os mercados começam a ficar assustados
E esta ocorrência de “situações de protesto generalizado, em vários países, vai levando a um quadro limite, que mostra aos mercados que há um ‘basta’ e eles são obrigados a perceber que se ultrapassarem esse limite, desequilibram o sistema político, económico e ecológico e acabam sendo vítimas do seu próprio sucesso. E, pela primeira vez os mercados começam a ficar assustados com estas manifestações de rua.”
 
“Quanto custa, num contexto de uma sociedade desigual, como é a minha, eu sair à rua sem um segurança pessoal? Isso tem um custo. E começamos a perceber que o exercício da liberdade é contido pela desigualdade. Tudo isso começa a ser objecto de uma reflexão nova e muito saudável”.
 
E como se comporta a Justiça no meio de tudo isto?
 
“A justiça passa por um processo de forte pressão, principalmente dos mercados. Há ideia de que custa cara e de que os juízes tomam decisões que muitas vezes têm custos económicos muito altos.”. Um exemplo, são as sentenças “que admitem, na base de princípios constitucionais como o da Justiça social, o não pagamento dos contratos por trabalhadores que foram atingidos pelo desemprego. Os grandes bancos, financiadores do consumidor final, alegam que isso desequilibra as relações bancárias, que amplia a taxa de risco dos bancos ou inviabiliza a abertura de linhas de financiamento para as classes populares. Temos portanto uma tendência dos bancos de enquadrar o judiciário como se este estivesse ao serviço dos bancos. O judiciário tem sabido portar-se de uma maneira muito digna e independente dessas pressões.” 

“No choque da panela de barro com a de ferro quebra a mais fraca e as desigualdades sociais abrem caminho ao regresso do fascismo”. José Eduardo Faria, jurista, sociólogo, filósofo, esteve em Lisboa a falar sobre tribunais, cidadania e direitos e deixou uma mensagem de alerta: “Estas grades que tentam afastar as pedras, podem voltar-se contra nós em movimentos de protesto”. Afinal, “quanto de desigualdade e de exclusão social uma ordem institucional condicionada por reformas anti-jurídicas é capaz de tolerar?”. As consequências “já se viram há 60 anos atrás”: “o risco de lideranças irresponsáveis e inconsequentes pode acabar levando ao reaparecimento de aventuras autoritárias e totalitárias”. 

 

As grades de que falava tinha-as visto pouco antes, ao entrar no Parlamento onde foi o principal orador de uma conferência organizada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses no âmbito da iniciativa “Tribunal de Porta Aberta” que decorre até ao próximo dia 10 de Dezembro. Professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apontado como um dos grandes nomes da sociologia jurídica latino-americana, José Eduardo Faria apontou baterias aos mercados, que, lamenta, “tendem a ver os direitos jurídicos como custos e não como conquistas legítimas”, condicionado a totalidade das políticas. “A crescente presença dos mercados acaba levando os estados a ter de reformar as suas legislações, procurando uniformiza-las em escala mundial, dentro daquilo que interessa às grandes empresas e aos grandes bancos”.

Discurso da refundação esconde muitas vezes eliminação de direitos 

 

É dessa reforma que se fala quando se fala de refundação do Estado? Será muito disso, também, e não se pense que Portugal é caso único:  “Há uma tentativa de se reformar as legislações no mundo inteiro. 80% dos grande países da ONU alteraram as suas constituições entre 1990 e 2000 e utilizaram expressões como essa: refundar o país, refundar a sociedade. Por trás do discurso da refundação, muitas vezes existe a eliminação de direitos e um valorização de critérios económicos em detrimento de critérios democráticos. Há sempre um perigo por trás desse discurso, que é muito mais economicista que um discurso político.” 

 

É neste contexto que “os estados estão reformulando o seu papel”.  E o que é que os mercados querem do Estado? “Que garanta os contratos, que garanta a segurança público e trabalhe fundamentalmente com a ideia de fortalecimento do sistema penal”, até como forma de “enquadrar os chamados grupos disfuncionais. Grupos que ocupam moradias, que, como em Espanha, ocupam supermercados… a ideia é utilizar a força não a força do direito, mas a forçapública, como forma de manutenção da segurança pública, mas em contextos de alta desigualdade social. E isso pode ter custos políticos muito altos”. 

 

E voltamos às pedras da calçada portuguesa: “Trabalhei com um prefeito de São Paulo que re-urbanizou o centro da cidade e usou calçada portuguesa. Era um empresário muito conhecido, foi accionista de um grande banco aqui em Portugal, e descobriu, enquanto prefeito, que as pedras da calçada podem servir de instrumento de agressão contra os governantes. Ele dizia que gostava muito da calçada portuguesa até ser prefeito. Um homem público não pode andar pelas ruas porque pode ser apedrejado. Isto era uma metáfora. O que ele queria dizer é que as ruas trazem sempre uma oposição e que essa oposição muitas vezes surpreende. É o lado positivo das ruas. E as pedras são também uma forma de manifestação política.” 

 

Manifestação contra o poder cada vez maior dos mercados num contexto de crise dos partidos políticos e dos próprios sindicatos. “Os sindicatos ofereceram resistência e fracassaram, os partidos também, isso deu a ideia de que os mercados podiam fazer com os países o que quisessem. Quando de repente surgiram os movimentos de rua, que trazem embutida uma dimensão de protesto e uma advertência, uma situação limite”. 

 

Pela primeira vez, os mercados começam a ficar assustados

 

E esta ocorrência de “situações de protesto generalizado, em vários países, vai levando a um quadro limite, que mostra aos mercados que há um ‘basta’ e eles são obrigados a perceber que se ultrapassarem esse limite, desequilibram o sistema político, económico e ecológico e acabam sendo vítimas do seu próprio sucesso. E, pela primeira vez os mercados começam a ficar assustados com estas manifestações de rua.” 

 

“Quanto custa, num contexto de uma sociedade desigual, como é a minha, eu sair à rua sem um segurança pessoal? Isso tem um custo. E começamos a perceber que o exercício da liberdade é contido pela desigualdade. Tudo isso começa a ser objecto de uma reflexão nova e muito saudável”. 

 

E como se comporta a Justiça no meio de tudo isto? “A justiça passa por um processo de forte pressão, principalmente dos mercados. Há ideia de que custa cara e de que os juízes tomam decisões que muitas vezes têm custos económicos muito altos.”. Um exemplo, são as sentenças “que admitem, na base de princípios constitucionais como o da Justiça social, o não pagamento dos contratos por trabalhadores que foram atingidos pelo desemprego. Os grandes bancos, financiadores do consumidor final, alegam que isso desequilibra as relações bancárias, que amplia a taxa de risco dos bancos ou inviabiliza a abertura de linhas de financiamento para as classes populares. Temos portanto uma tendência dos bancos de enquadrar o judiciário como se este estivesse ao serviço dos bancos. O judiciário tem sabido portar-se de uma maneira muito digna e independente dessas pressões.” 

Filomena Lanca