IVA pressiona inflação em alta

10/02/2011
Colocado por: Manuel Esteves

O Índice de Preços no Consumidor sofreu um forte agravamento em Janeiro, reflectindo o aumento do IVA em dois pontos percentuais para 23%, refere José Miguel Moreira, do Departamento de Estudos do Montepio. Paula Carvalho, do Banco BPI, lembra ainda o efeito combinado de outros factores, como o aumento do preço da energia e dos bens alimentares e a actualização  dos preços administrados pelo Estado (como a electricidade ou os transportes públicos). A variação anual ficou a dever-se sobretudo às categorias dos “transportes”, “habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis” e “produtos alimentares e bebidas não alcoólicas”, explica Bárbara Marques, do Gabinete de Estudos do Millennium BCP.    

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.  

 

 

Bárbara Marques, do Gabinete de Estudos do Millennium BCP

 

 

 

1.Em Janeiro, o Índice de Preços do Consumidor (IPC) aumentou 3,6% face ao período homólogo (2,5% em Dezembro) e 0,6% em relação ao mês de Dezembro, prosseguindo a trajectória ascendente verificada ao longo de 2010. A variação anual ficou a dever-se principalmente aos contributos positivos das classes “transportes”, “habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis” e “produtos alimentares e bebidas não alcoólicas”.

 

2. A subida dos preços em Portugal, que foi muito superior à variação média da área do Euro (2,4%), decorre de efeitos particulares: (i) evolução do preço dos bens alimentares e energia, conforme evidenciado pela evolução do índice de inflação subjacente (que exclui a energia e os produtos alimentares não transformados), que registou uma variação homóloga bastante inferior de 2,1%; e (ii) o efeito fiscal decorrente do aumento do IVA no início do ano. O INE estima um impacto da alteração na tributação indirecta no IPC geral em cerca de 0,7 p.p.. A semelhança entre este valor e o estimado no final de 2010 (quando o índice de preços reflectia o aumento da taxa de IVA inferior, de 1p.p. em Junho), sugere que o aumento do IVA foi parcialmente acomodado nas margens de lucro dos retalhistas.

3.A trajectória do IPC deverá ser afectada por factores com efeitos opostos: (i) no sentido ascendente deverá actuar a evolução dos preços das matérias-primas e o esgotamento dos efeitos das políticas comerciais de amortecimento do IVA; (ii) no sentido descendente, a debilidade da procura interna e a moderação dos custos salariais. Estima-se uma taxa de inflação média anual em 2011 em redor de 2,5%.

 

  

Paula Carvalho, do Banco BPI  

 

1. O comportamento dos preços ao consumidor em Janeiro excedeu as expectativas graças à confluência de alguns factores que contrariaram a habitual tendência sazonal. Nomeadamente, a tendência de subida dos preços das commodities nos mercados internacionais (energia e bens alimentares), o aumento da taxa de IVA de 21% para 23% no início do ano e o ajustamento dos preços administrados (electricidade, tarifas dos transportes públicos…), estiveram na base dos maiores acréscimos de preços observados. As rubricas mais afectadas, com maior variação mensal ou homóloga de preços foram a Alimentação e Bebidas (+0.34% m/m), Bebidas Alcoólicas e Tabaco (+4.53%), Transportes (5.05%) e Habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis (+4.75%). Refira-se que a taxa de inflação subjacente, excluindo os produtos alimentares e energéticos, passou de 0.9% para 2.1% y/y, o que traduz a transversalidade do movimento. Vale a pena ainda salientar que, habitualmente os preços descem em Janeiro cerca de 0.4% a 0.5%, pelo que o movimento foi cerca de mais 1 p.p. do que o habitual, apontando para a possibilidade de quase completa passagem do IVA para o consumidor final na maior parte dos sectores – relembra-se que, segundo cálculos do INE, o impacto potencial máximo decorrente da alteração do IVA se estima em cerca de 0.73% sobre o nível do índice. Em nossa opinião, este aparente poder de fixação de preços poderá revelar-se ilusório e limitado no tempo pois, a prazo, a realidade de uma procura doméstica enfraquecida deverá impor-se.

 

2. O andamento dos preços em Janeiro e os riscos de manutenção de um quadro de alguma tensão ascendente sobre os preços das commodities e bens alimentares nos mercados internacionais, justificam a revisão em alta da previsão da inflação média anual para 3.3% de 2.4%. Refira-se, contudo, que esta evolução não deverá pesar sobre a competitividade externa das exportações portuguesas dada a improbabilidade de que a escalada conjuntural da inflação se reflicta nas negociações salariais atendendo aos restantes factores condicionantes.

 

 

José Miguel Moreira, do Departamento de Estudos do Montepio

 

1. Em Janeiro, o Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou uma taxa de crescimento homólogo de 3.6%, um máximo desde Junho de 2006, o que representa um considerável acréscimo face ao registo do mês anterior (+2.5%), mas que já era por nós aguardado, atendendo ao considerável agravamento da taxa normal do IVA observado no início deste ano (de 21% para 23%).

 

2. Em termos mensais, o IPC subiu 0.6%, depois de ter avançado 0.3%, em Dezembro, reflectindo, essencialmente, o contributo da classe de Transportes, com uma taxa de variação mensal de 2.7%, mas tendo-se observado um acréscimo dos preços na generalidade das classes (a única excepção foi a de Vestuário e Calçado, que caiu 18.8%, reflectindo a época de saldos em curso), resultado do já referido agravamento da carga fiscal ocorrido neste mês. De acordo com o resultado do exercício mecânico de simulação efectuado pelo INE, o impacto da alteração nas taxas do IVA sobre o nível do IPC foi de cerca de 0.73%, se bem que se trate apenas de um valor de referência para situar o impacto máximo desta alteração nos preços no consumidor, pois, uma parte desse impacto pode ser acomodada nas margens de comercialização. À semelhança da Inflação Mensal, a subida da Inflação Homóloga resultou, sobretudo, da aceleração dos preços observada na classe dos Transportes, que se manteve como aquela a evidenciar a maior contribuição positiva para a variação homóloga do IPC (reflectindo a própria evolução dos preços da Energia nos mercados internacionais), seguida da de Habitação, Água, Electricidade, Gás e Outros Combustíveis e dos Produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas. A única contribuição negativa para a taxa de variação homóloga do IPC foi dada pela classe do Vestuário e Calçado.

 

3. Já a taxa de variação homóloga do IPC Core (que exclui a Energia e os Bens Alimentares Não Transformados) foi de 2.1%, representando, nesta caso, uma aceleração de 1.2 p.p. face ao mês anterior, mas com o diferencial entre a taxa de variação homóloga deste indicador e a do IPC total a continuar a assumir um valor negativo, pela 13ª vez (consecutiva) desde Outubro de 2008. Este diferencial continua, assim, a espelhar a ausência de pressões inflacionistas que não advenham, essencialmente, dos preços das commodities, mas com a Inflação Core a não estar imune às alterações fiscais observadas, as quais, admite-se, ainda se farão sentir no decorrer dos próximos meses, atendendo a que parte dos empresários que ainda não reflectiram o agravamento da carga fiscal nos preços junto do Consumidor, o poderão fazer de uma forma progressiva (se não de forma total, pelo menos parcial).

 

4. Por seu lado, o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) registou um acréscimo mensal inferior ao do IPC, de 0.5%, mas tendo a sua variação homóloga, acelerado mais do que o IPC (de +2.4% para +3.6%), estando, agora, ambas as medidas a evidenciar o mesmo crescimento homólogo. O IPCH português apresenta um crescimento homólogo acima do estimado pelo Eurostat para a Zona Euro (+2.4%), o que acontece apenas pela 7ª vez (consecutiva) desde Agosto de 2007, tendo-se assistido a um agravamento de 1.0 p.p. dessa diferença.

 

5. Em termos prospectivos, excluindo o impacto do aumento da tributação indirecta (que, como referido, ainda deverá fazer-se sentir nos próximos meses), esperamos que os Preços no Consumidor evoluam em linha com os custos salariais e os preços de importação, não se antevendo alterações substanciais das margens de lucro, após as compressões registadas no passado recente.

Manuel Esteves