Repara no que faço e não no que digo

03/02/2011
Colocado por: Manuel Esteves

São muitos os economistas que vêm defendendo há algum tempo a necessidade de reduzir salários em Portugal de modo a reequilibrar a economia e a devolver a competitividade perdida nas últimas décadas.

 

Até agora, o Governo nunca deu a conhecer, de forma clara, a sua visão sobre este assunto. A Teixeira dos Santos tem cabido o papel de “mau da fita”, fazendo sucessivos apelos à contenção salarial no sector privado. Mas do primeiro-ministro ou da ministra do Trabalho nunca se ouviu uma palavra a este respeito. Aliás, confrontado com esse cenário, José Sócrates foi claro: “O Estado não manda nisso. A nossa responsabilidade é com a Administração Pública e com as orientações que demos às empresas públicas”.

 

Mas o pouco que foi dito contrasta muito que foi feito. Vejamos:

 

1) O Estado, que é o maior empregador do País, decidiu reduzir em 5% a massa salarial. Na prática, 450 mil pessoas sofreram cortes que variam entre 3,5% e 10%, condicionando as políticas remuneratórias do sector privado.

 

2) Aumento dos descontos previsto no código contributivo: o novo código entrou em vigor em Janeiro e alarga a base de incidência das contribuições para uma parte dos trabalhadores dependentes (ao incluir outras formas de remuneração), ao mesmo tempo que aumenta as contribuições de uma parcela significativa de trabalhadores independentes e de algumas profissões, tais como os trabalhadores de IPSS, jogadores de futebol, padres, empregadas de serviço doméstico.

 

3) Agravamento do IRS: Em 2011 os portugueses pagarão taxas de IRS 1 a 1,5 pontos percentuais superiores às de 2009, consoante os rendimentos. A isto, acresce o corte nas deduções fiscais, como as despesas de saúde, educação, seguros de vida, PPR, entre outros.

 

4) Redução do “salário” dos estágios profissionais: o Governo anunciou que a bolsa dos licenciados passa de 838,44 euros para 691,71 euros brutos ou 615,62 euros líquidos (corte de 27%). Ou seja, ofereceu protecção social a estes jovens, mas obrigou-os a suportar a parte (23,75%) que normalmente caberia à entidade patronal (além da sua própria contribuição, de 11%).

 

5) Novo regime do subsídio de desemprego: para incentivar os desempregados a aceitar os empregos existentes, o Executivo baixou o salário que estes são obrigados a aceitar sob pena de perderem direito ao subsídio. Na prática, segundo contas da UGT, o corte pode chegar aos 16%, consoante os salários em causa.

 

6) Proposta de corte nas indemnizações por despedimento: ao propor a redução da compensação a que um trabalhador tem direito em caso de despedimento, o Governo está a diminuir o salário teórico a que este tem direito. É uma parcela remuneratória eventual, mas que está implícita actualmente em qualquer contrato. Na prática, muitos trabalhadores vão entrar no desemprego com menos dinheiro do que actualmente.

 

7) Proposta de criação de um fundo para as indemnizações em despedimento: tanto a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) como a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, consideram que a medida vai ter efeitos indirectos nos salários dos trabalhadores. O raciocínio é simples: ao prever a obrigatoriedade das empresas efectuarem um desconto determinado cada vez que contratam um trabalhador, estas tenderão a incorporar esta contribuição como um custo de contratação. Portanto, das duas uma: ou contratam menos ou contratam por menos.

 

8) Finalmente, a subida da taxa normal de IVA em três pontos percentuais no espaço de um ano e de um ponto para os bens essenciais e intermédios, afectou o poder de compra de todos os portugueses.

 

Na prática, os portugueses já estão a ganhar menos. Bem menos.

 

 

(Com a colaboração de Elisabete Miranda e Catarina Almeida Pereira).

Manuel Esteves