Marcação de cortes de mármore em Vila Viçosa, Portugal Fonte: Mário Proença, Bloomberg
O debate sobre o impacto orçamental das medidas de austeridade continua. Desta vez, o contributo chegou da equipa de investigação do Banco de Portugal que usando um modelo calibrado para Portugal estimou os multiplicadores de curto prazo de processos de consolidação orçamental, considerando o tipo de consolidação (por despesa ou receita) e as condições económicas em que ocorre (em tempos de crise ou em tempos normais).
Em “Fiscal multipliers in a small euro area economy: How big can they get in crisis times?”, Gabriela Lopes de Castro; Ricardo Mourinho Félix; Paulo Júlio; José R. Maria concluem que:
1) Os multiplicadores orçamentais são mais elevados em períodos de crise (variando, no primeiro ano, entre 0,7 pontos e 2 pontos) do que em tempos normais (variando no primeiro ano entre 0,5 pontos e 1,2 pontos). A diferença resultado do facto de em crise existirem mais famílias a viver no limite da pobreza, dos mercados financeiros funcionarem pior (juros altos, maiores dificuldades de acesso a crédito) e de os preços e salários ajustarem menos em momentos recessivos e de inflação baixa;
2) No muito curto prazo (ano do choque e seguinte), os cortes de despesa são mais recessivos que os aumentos de impostos.
Aqui ficam os resultados para um choque orçamental (equivalente a um ponto de PIB) em situação de crise:
Resumindo:
– Um corte na despesa pública rouba, no ano do choque (t=1), cerca de 2 pontos ao PIB inicial (t=0), registando-se um crescimento da economia nos anos seguintes (em t=2, o PIB ficaria 1,1 pontos abaixo do nível registado em t=0; e em t=3, o PIB manter-se-ia 0,3% abaixo do nível inicial);
– Um corte nas transferências do Estado, no ano do choque (t=1), cerca de 1,2 pontos ao PIB inicial (t=0), registando-se um crescimento da economia nos anos seguintes (em t=2, o PIB ficaria 0,4 pontos abaixo do nível registado em t=0; e em t=3, o PIB ultrapassaria mesmo o valor inicial);
– Um aumento dos impostos sobre os salários rouba, no ano do choque (t=1), cerca de 0,7 pontos ao PIB inicial (t=0), continuando a economia a contrair em t=2 (nesse segundo ano o PIB ficaria 0,9 pontos abaixo do nível registado em t=0) e apenas uma muito ligeira recuperação em t=3, com o PIB a manter-se 0,8% abaixo do nível inicial);
– Um aumento dos impostos sobre o consumo rouba, no ano do choque (t=1), cerca de 0,8 pontos ao PIB inicial (t=0), registando-se crescimentos na economia nos anos seguintes (em t=2, o PIB ficaria 0,6 pontos abaixo do nível registado em t=0; e em t=3, o PIB manter-se-ia 0,4% abaixo do nível inicial)
Foi com base nestes multiplicadores e assumindo que Portugal enfrenta uma situação de crise que calculamos hoje no Negócios que o actual pacote de austeridade poderá roubar ao crescimento do próximo ano mais de 3 pontos de PIB – tornando uma recessão quase inevitável.
Mas uma análise global ao efeitos da consolidação orçamental não deve ser feita olhando apenas para o curto prazo (E se for o BCE então o curto prazo nem interessa). Os mesmos autores fazem exactamente isso num outro artigo (“Fiscal Consolidation in a Small Euro Area Economy”), publicado em 2011 e onde analisam os impactos da consolidação ao longo do tempo.
Os impactos da austeridade sobre o PIB estimados neste trabalho são diferentes
(já enviámos perguntas ao banco de Portugal para tentar perceber porquê já conseguimos explicações, embora a sua razoabilidade tenha de ficar para especialistas em modelização: as respostas concentram-se essencialmente em duas diferenças entre os modelos utilizados em 2011 e 2013: 1) o modelo de 2013 inclui o sector financeiro e as suas fricções que fazem aumentar o valor dos multiplicadores e 2) a natureza do choque orçamental não é a mesma – no modelo de 2011 os ganhos de consolidação geram poupanças que são traduzidas em redução de dívida e de juros o que implica que o choque orçamental acaba por ser inferior ao longo do tempo) .
Ainda assim, é possível manter a conclusão de que no “curtíssimo” prazo (ie, no ano do choque), os efeitos recessivos do cortes de despesa são maiores que os aumentos de impostos. No entanto, no médio e longo prazo, e mesmo logo no terceiro ano, a consolidação orçamental pela receita é muito mais recessiva, concluem os mesmos economistas. Já a consolidação por corte de despesa até permite um PIB superior, como fica visível no gráfico abaixo:
Evolução do PIB, desvio percentual face a t=0 (momento antes do choque orçamental)
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016