Um país desequilibrado e em ambiente recessivo

27/01/2011
Colocado por: massamonetaria

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.  

 

Os indicadores de confiança do INE e da Comissão Europeia divulgados hoje traçam um cenário negro para a economia nacional. Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, Barbara Marques, do Millennium BCP e especialistas dos departamentos de estudos do BPI e NECEP analisam os indicadores de confiança e de sentimento económico da Comissão e INE.

 

Gabinete de estudos do BPI

1. Em Portugal, tanto o indicador de clima económico como o indicador de confiança dos consumidores registaram uma queda em Janeiro. O primeiro diminuiu de -1 para -1.2 pontos e evidencia evoluções sectoriais opostas: enquanto que a confiança diminuiu nos sectores da construção e dos serviços, houve uma melhoria do sentimento nos sectores do comércio e da indústria transformadora. A confiança dos consumidores diminuiu para os -50.6 pontos, o que é um valor próximo do mínimo histórico que ocorreu em Março de 2009.

 

2. Na zona euro, o sentimento económico diminuiu 0.1 pontos em Janeiro para os 106.5, o que é inferior aos 107 esperados. Este ligeiro declínio ocorre após 7 meses de subidas consecutivas deste indicador e quando o sentimento económico no bloco está bem acima da sua média de longo prazo. A confiança dos consumidores e dos sectores dos serviços e do comércio foram as componentes que registaram uma queda em Janeiro. O relatório mostra ainda uma subida significativa nas expectativas de inflação a 12 meses por parte dos consumidores.

 

 

Bárbara Marques – economista do Millennium BCP

 

1. Os resultados dos Inquéritos de Conjuntura às Empresas e aos Consumidores divulgados hoje pelo INE constituem evidência adicional do processo de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos de Portugal. De uma forma geral, os indicadores relativos a actividades relacionadas com o exterior apresentam uma melhoria, por contrapartida da debilidade nos números nas actividades mais expostas à procura interna. No conjunto, esta informação sugere uma conjuntura recessiva no início deste ano.  

 

2. Ao nível sectorial, os sectores da Construção e dos Serviços apresentam as correcções mais pronunciadas enquanto que os indicadores relativos à  actividade no Comércio global e na Indústria denotam alguma recuperação. De entre os resultados, surpreende a robustez do Comércio a Retalho (também confirmada pelo Economic Sentiment Indicator publicado hoje pelo DG ECFIN), que se afigura pouco consistente com um enquadramento de maiores dificuldades financeiras ao nível das famílias, mas que poderá encontrar alguma justificação no prolongamento de campanhas de marketing associadas às alterações na tributação indirecta. Se assim for, será um efeito temporário. Ao nível da Indústria, as perspectivas de aumento da procura global e de produção constituem um factor muito positivo, ao assinalar a sustentação da actividade dos sectores mais vocacionados para os mercados externos, aos quais caberá o principal protagonismo enquanto motor do crescimento económico ao longo do presente ano.  

 

3. Destaca-se ainda: (i) as perspectivas de subida dos preços quer de consumidores quer de empresários, como indício de pressões inflacionistas no curto prazo, em parte influenciadas por efeitos de tributação indirecta e pressão do preço das matérias-primas ; (ii) a persistência de uma situação desfavorável ao emprego, tendo em conta a ausência de planos de aumento do quadro de pessoal por parte dos empresários, dando continuidade à tendência presente em  2010 de consolidação de ganhos de produtividade, num contexto macroeconómico incerto.

 

 

NECEP – Universidade Católica 

 

1. No mês de Janeiro, o indicador de sentimento económico de Portugal ESI-Portugal) registou uma pequena quebra de 91,9 para 91,2, evoluindo em linha com a sua dinâmica recente. Este resultado confirma o cenário dominante nos últimos meses, de relativa estabilização do sentimento económico em patamares muito baixos (inferiores à média histórica e consistentes com um fraco ritmo de crescimento económico). O NECEP utiliza este indicador qualitativo para antecipar a evolução do crescimento do PIB.

 

 

Rui Bernardes Serra – Departamento de Estudos do Montepio

1. O Indicador de Sentimento Económico, calculado pela Comissão Europeia (CE), registou uma descida de 0.7 pontos, para 91.2 pontos, anulando parcialmente a subida de 2.9 pontos do mês e aproximando-se do registo de Novembro, que corresponde a um mínimo desde Dezembro de 2009. A Confiança permanece, assim, pressionado pelas expectativas relativamente ao impacto das medidas de austeridade aprovadas no Orçamento de Estado de 2011 (OE-2011), particularmente o agravamento da carga fiscal em sede de IVA e de IRS e o corte de salários. Apesar de tudo, no 1ºT2011 (ainda com 2/3 da informação em falta), o Indicador de Sentimento Económico da CE encontra-se a sinalizar uma subida de 0.2% do PIB, (ou uma estagnação, se assumirmos que irá cair nos meses de Fevereiro e Março o mesmo que caiu em Janeiro), o que não corresponde de todo ao nosso cenário central.

 

2. Com efeito, continuamos a esperar que a economia tenha regressado às contracções neste 1ºT2011, reflectindo, nomeadamente, a queda no Consumo Privado, em resultado das medidas de austeridade adoptadas no início do ano, que provocaram uma redução do rendimento disponível real das famílias, mas também uma antecipação do Consumo de Bens Duradouros, no 4ºT2010. De resto, terá sido, precisamente, esse efeito de antecipação do Consumo – segundo o nosso Indicador Compósito para o Consumo Privado, e resultado dos dados bastante favoráveis conhecidos sobre as Vendas de Automóveis, em Dezembro, este agregado terá expandido 0.6%, no 4ºT2010 -,que deverá ter permitido à economia nacional estagnar naquele trimestre, contra as expectativas da generalidade das entidades.

 

3. As medidas de austeridade afectaram, sobretudo, a Confiança dos Consumidores, que, na sequência da sua divulgação, no final de Setembro, afundou 12 pontos, em Outubro, a maior queda mensal da história do indicador, tendo, nos últimos meses, permanecido em torno desses valores, sendo que o registo de Novembro correspondeu, inclusivamente, a um mínimo desde, Fevereiro de 2009, ou seja, quando a economia se encontrava em recessão. Refira-se que, apesar de tudo, os referidos índices de Expectativas estão, de um modo geral, acima dos indicadores análogos referentes à Situação dos últimos 12 meses, o que não deixa de ser um sinal animador (embora historicamente também seja essa a tendência), sendo que a única excepção é o índice relativo às Finanças do Agregado Familiar, em que a componente de Expectativas está ligeiramente mais negativa que a componente de Situação.

 

4. Do ponto de vista dos empresários, o comportamento ao nível dos sectores foi globalmente favorável, com a única excepção da Confiança na Construção, que observou uma queda de 7 pontos, para um mínimo desde Março de 2004, mantendo-se como o sector de actividade em que os empresários se encontram mais pessimistas. O Comércio a Retalho, um sector particularmente dependente da Procura Interna, viu a Confiança subir para um máximo desde Setembro, recuperando da queda do mês anterior que tinha colocado em mínimos desde Fevereiro, mas suportado unicamente pela sua componente mais retrospectiva, o que sugere uma boa época natalícia, enquanto os índices prospectivos caíram, de resto, um comportamento expectável atendendo a que é justamente neste 1ºT2011 que esperamos o maior impacto das medidas de austeridade do OE-2011. Pela positiva, destaque para a Indústria, que registou uma subida marginal, mas para um máximo desde Agosto de 2008, observando-se uma melhora da Carteira de Encomendas, sendo que a Produção nos últimos três meses terá subido ao ritmo mais elevado desde Maio de 2007, traçando, assim, um cenário favorável para o final do ano passado. A Confiança dos Serviços subiu igualmente, mas, à semelhança do sucedido com o Comércio a Retalho, evidenciando um comportamento díspar entre as componentes prospectivas e as retrospectivas, já que se observou uma redução da Carteira de Encomendas.