Roteiro lisboeta para os homens do FMI, parte I

13/04/2011
Colocado por: João Silva

Onde comer a horas decentes

 

Sabemos que uma boa parte dos portugueses teria vontade de os mandar comer noutros sítios, mas o Massa Monetária entende que os técnicos da “troika” que se encontram em Portugal estão apenas a fazer o seu trabalho. Como tal, devem ser tratados como quaisquer outros turistas merecedores de sugestões de qualidade para uma boa experiência gastronómica.

 

 

Crédito: Mário Proença/Bloomberg 

 

Casa Nova – Serve pizzas, o tipo de comida adequada a quem tem pressa e não aprecia comer, o que parece assentar como uma luva na percepção que se tem dos técnicos que vão inventar mais medidas destinadas a esfolar os contribuintes. O modelo da sala, com mesas coladas, não é adequado para refeições em que se queira trocar informação classificada. Por outro lado, permite escutar as conversas do lado e perceber o que realmente preocupa os portugueses, isto é, futebol, carros, roupa, o mais recente “smartphone” e gajas (ou gajos). O restaurante tem um interessante sistema de luzes que permite chamar os empregados com grande eficiência, dispensando os clientes de ficarem de braço no ar durante largos minutos perante a indiferença geral, como sucede em muitas outras casas de pasto. As lâmpadas vermelhas são adequadas ao estado de emergência que trouxe, uma vez mais, o FMI a Portugal. Como o Casa Nova fica à beira do Tejo, os técnicos que se sentirem mais deprimidos com o estado lamentável de Portugal podem atirar-se ao rio.

 

Gemelli – É um dos restaurantes mais conceituados de Lisboa. Caro à bruta, como convém a quem paga as contas com dinheiro alheio. A comida é de inspiração italiana, o que pode começar a preparar os homens do FMI para um dos próximos países europeus na lista dos potenciais resgates. O local tem a vantagem (ou o inconveniente, dependendo da perspectiva) de também ser frequentado pelo primeiro-ministro. Assim, as reuniões marcadas para o palácio de São Bento podem ser transferidas para este restaurante. Há que ter o cuidado de pedir ao serviço, previamente, que arranje espaço para o teleponto que ajuda José Sócrates a fazer os seus lendários discursos. E há que não esquecer um lugar extra para o Luís. Os técnicos do FMI podem não saber, mas este é o homem que decide se o primeiro-ministro fica melhor a comer tagliatelle com camarão-tigre ou spaghetti nero com azeite e orégãos.

 

Tivoli Terraço – Com uma soberba vista sobre a capital portuguesa, este é o lugar indicado para almoçar com o homem que realmente interessa. Chama-se Ricardo Salgado, é presidente do Banco Espírito Santo, e tem uma alcunha que diz tudo. É o “DDT”, o que significa “Dono Disto Tudo”. Trabalha no quarteirão vizinho, o que lhe permitirá deslocar-se a pé para o restaurante, aspecto não negligenciável quando é necessário melhorar os rácios de solvabilidade da banca portuguesa. O hotel em que funciona este restaurante era o favorito dos agentes do KGB quando, durante o PREC, se decidia se Portugal seria acrescentado aos países-satélite da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Pode ser que, com a clientela em recuo por causa da crise, ainda se possa encontrar por lá algum responsável russo. Por esta altura, uns rublos dariam jeito para ajudar a pagar a conta.

 

Primeiro de Maio – Um clássico de Lisboa quando se pensa em comer bem e barato. Resume, de forma eloquente, o que os portugueses que sabem viver terão que ensaiar durante os próximos anos: gastar pouco e manter alguma qualidade de vida, assegurada por uma açorda com coentros e carapaus fritos. Se quiserem dar exemplos de austeridade, os técnicos do FMI deverão escolher este sítio para as suas refeições nocturnas. Até porque podem prosseguir o serão sem grandes custos. Bastará irem a uma loja de conveniência comprar uma “litrada” de cerveja e juntarem-se às multidões que praticam igual desporto no vizinho Largo de Camões. Perceberão que, muito antes de terem aterrado na Portela, já muitos portugueses tinham decidido ajudar a indústria nacional e baixar o défice externo, ao preferirem uma “bojeca” fabricada no país a um vodka importado de algum daqueles parceiros europeus que agora torcem o nariz à hipótese de nos emprestarem dinheiro.

 

Eleven – Se querem cagança, então é aqui que a vão encontrar. No cimo do Parque Eduardo VII, com Lisboa aos pés, um almoço neste local é a garantia de ter a oportunidade de conhecer muitos dos talentosos advogados que, através da sigla mágica PPP, trataram de sugar o dinheiro dos contribuintes portugueses para as próximas décadas. A comida é “gourmet”, o que significa que as doses não são para quem tem fome mas para quem aprecia artes decorativas. A lista de vinhos é notável, no sentido em que, para pagar uma garrafa decente, há que largar muitas notas. Do outro lado da rua, os homens da “troika” poderão apreciar o Palácio da Justiça. É certo que justiça e advogados são temas que nada têm a ver um com o outro, mas, já que estão na zona, os técnicos da “troika” podem ficar a conhecer um dos edifícios onde a produtividade portuguesa ressona sem sobressaltos.