“Laranjas” a amadurecer na árvore europeia

15/11/2011
Colocado por: antoniolarguesa

No congresso da CDU alemã, em Leipzig, os seguranças retiraram aos congressistas as laranjas (a cor da campanha do partido) que tinham sido distribuídas à porta do conclave dos democratas-cristãos, para prevenir que fossem usadas como projécteis contra… a líder do próprio partido, Angela Merkel. Um episódio que não deverá ter passado despercebido a Pedro Passos Coelho: além do alinhamento político com Merkel e do PSD ter também no laranja um ícone partidário, o primeiro-ministro português enfrenta um dos maiores desafios governativos da Europa, ao mesmo tempo que lidera um partido conhecido pela forma pouco carinhosa e tolerante como trata os líderes.

 

Depois de sucessivos congressos a “queimar” presidentes na oposição desde 2005 – em Pombal, Lisboa, Póvoa de Varzim, Torres Vedras, Guimarães, Mafra, Carcavelos –, a eleição de Passos Coelho e o regresso ao poder dos social-democratas sossegou as hostes laranjas, tradicionalmente mais agitadas do que no Largo do Rato. Mas quatro meses depois de tomar posse, já alguns “barões” se fizeram ouvir em pontual tom crítico.

 

Marcelo Rebelo de Sousa (pelos aumentos de impostos ou por ter ignorado o PS na elaboração do Orçamento para 2012), Manuela Ferreira Leite (pelo corte nas deduções fiscais), Marques Mendes (pela inacção do Executivo na redução das “gorduras” do Estado) ou Rui Rio (por serem cortados apenas os subsídios de férias e Natal aos funcionários públicos e pensionistas, em vez de se aplicarem também aos trabalhadores do sector privado) são exemplos recentes.

 

 

Laranjas amadurecem antes de serem colhidas e transformadas em sumo de laranja numa fábrica em Stann Creek, Belize. Fonte: Chip Chipman/Bloomberg

 

Neste “país dos brandos costumes” talvez não passasse pela cabeça dos seguranças que as laranjas pudessem ser arremessadas pelos congressistas ao líder do próprio partido. Ainda assim, o desgaste da “dama-de-ferro” alemã no seio da sua CDU (em especial depois das derrotas em várias regiões alemãs nos últimos meses) após seis anos de governação, servirá de aviso ao recém-chegado Passos Coelho: é que antes de disputar a reeleição, previsivelmente em 2015, o PSD terá pela frente duras batalhas eleitorais para o Parlamento Europeu e para as autarquias, votações que testarão o andamento da governação.

 

E a interligação entre Passos e Merkel não será deixada passar em claro pelo maior partido da oposição em Portugal, como de resto já sinalizou este fim-de-semana António José Seguro, que afirmou que o primeiro-ministro português está “cada vez mais alinhado com a senhora Merkel e isolado no País”. O secretário-geral do PS criticava no facebook a “dependência” de Passos relativamente à chanceler alemã em questões como a introdução dos “eurobonds” ou a intervenção mais alargada do Banco Central Europeu.

 

Nas circunstâncias actuais de uma crise de contágio rápido e quase directo, os temas europeus passarão a estar cada vez mais presentes nas agendas partidárias e a condicionar apoios internos? A lógica política aconselhava uma resposta positiva. A dinâmica partidária levanta, porém, algumas dúvidas. E não é só em Portugal.

 

Apesar do lema do Congresso da CDU ser “Pela Europa, pela Alemanha”, a agência Reuters noticiava ontem ser habitual que, quando Merkel fala do Euro fora do Bundestag (a câmara baixa do parlamento alemão), as “bases” da CDU não parecem partilhar da urgência da chanceler. E ilustrava-o com um retrato de Klaus Essliger, delegado de Vechta, na Baixa Saxónia, que ignorava os discursos na sala principal. No “bar sénior” localizado no hall de entrada do congresso da CDU, comentava que “a política europeia não é tão entusiasmante para muitas pessoas aqui”, enquanto saboreava tranquilamente um tradicional “pretzel” aquecido e bebericava um copo de vinho branco.

 

Por cá, os conservadores no poder poderão experienciar um cenário semelhante, como revelou o desinteresse sobre temas europeus nas legislativas de Junho. Então, já com Portugal intervencionado pela troika, a campanha eleitoral pouco versou sobre o tema. O programa do Governo, apresentado depois em Julho, praticamente ignorou as temáticas comunitárias na sua redacção. E mesmo no debate parlamentar na generalidade do Orçamento do Estado para 2012 só o deputado Paulo Mota Pinto, presidente da comissão parlamentar de Assuntos Europeus, colocou o tema a debate durante alguns minutos. (no video da intervenção a partir do minuto e meio)

 

Contudo, à medida que a crise europeia e nacional for evoluindo, e caso os problemas fundamentais da Zona Euro venham a exigir respostas a questões existenciais sobre o País e a União, os temas comunitários tornar-se-ão incontornáveis. E nesse caso só se pode desejar a Passos Coelho uma fruta mais adocicada do que aquela que Merkel perspectivou nos últimos dias em Leipzig.