Portugal não é a Grécia ou a Irlanda

08/04/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

Portugal fartou-se de repetir que não é a Grécia ou a Irlanda, o que é verdade. Uma verdade que não chegou para evitar o pedido de financiamento externo mas, ainda assim, uma verdade que deverá terá tradução efectiva no plano de ajustamento económico que está a caminho.

 

O debate público tem-se centrado muito nas medidas de austeridade, o que faz sentido: Portugal precisa de muito dinheiro, não o tem onde ir buscar, recebê-lo-á de FMI, BCE e UE, dando em troca um forte plano de poupança orçamental.

 

Até aqui tudo parece semelhante ao que já aconteceu à Grécia e à Irlanda. Mas não é bem assim. No caso irlandês, o problema central está no sistema financeiro, e é por isso muito do dinheiro é destinado a resgatar os bancos. No caso grego, o problema é fundamentalmente orçamental – ou antes, o problema orçamental é tão grande que se sobre põe a tudo o resto. E no caso português?

 

Dominique Strauss-Khan deu a resposta esta semana, numa entrevista ao El País: “O problema não é tanto de dívida pública, como de financiamento dos bancos e dívida privada”. Quer isto dizer que, pela frente, e vindo do lado do FMI, Portugal terá uma lista significativa de reformas estruturais.

 

Isso mesmo deixaram claro os ministros da UE na sexta (ver ponto 2; comentários a verde):

 

1 – Um ajuste orçamental ambicioso para restaurar a sustentabilidade orçamental (está desenhado, é preciso afinar e executar);

 

2 – Crescimento e aumento da competitividade reforçando as reformas ao retirar a rigidez dos mercados de trabalho e de produto [bens e serviços] e ao encorajar o empreendedorismo e a inovação, permitindo um crescimento sustentável e equilibrado e resolver os desequilíbrios macroeconómicos internos e externos, enquanto salvaguarda a posição económica e social do cidadãos. (sem dúvida a área que precisará de maior trabalho); Isto pode incluir um programa de privatizações ambicioso;

 

3 – Medidas para manter a liquidez e solvência do sector financeiro (Trichet e Carlos Costa não se vão distrair nesta frente).

 

A ideia de que Portugal será o alvo de um dos mais ambiciosos planos de reformas estruturais está aliás a ganhar terreno na opinião pública. Vejamos a análise editorial do Financial Times publicada na sexta-feira:

 

Lisboa tem mostrado pouco apetite para os necessários aperto de cinto e para as reformas estruturais da economia que lhe restaurem a habilidade há muito perdida de crescer

 

No Negócios, Gonçalo Pascoal é claro:

 

As medidas de ajustamento diferem consoante as dificuldades financeiras e os desequilíbrios estruturais de cada país. Para a Grécia, a consolidação das finanças públicas assumiu a primazia; na Irlanda foi a estabilização do sistema financeiro; em Portugal deverá ser a promoção dos factores estruturais de crescimento. Apesar destes enfoques preferenciais, identificam-se alguns elementos comuns.

 

No curto prazo, o objectivo é a atenuação do impacto do clima de forte instabilidade financeira, através do suporte a políticas de consolidação orçamental e de estabilidade do sistema financeiro. As intervenções definiram: i) um plano de médio prazo para a redução das necessidades de financiamento do sector público, que na sua natureza não deverá diferir muito dos planos orçamentais recentes mas que será mais exigente na materialização dos objectivos; e ii) a disponibilização de mecanismos de financiamento do Estado e do sector financeiro, substituindo-se temporariamente ao mercado nessa função, por forma a que as restrições de liquidez não inviabilizem um programa de ajustamento credível. Quer na Irlanda quer na Grécia, os programas incluíram expedientes extraordinários de financiamento do sector bancário e circulam rumores relativos a novos instrumentos de financiamento de longo prazo para o sistema bancário.

 

Como alguém comentava ao Negócios na tarde de sexta, desta vez, e depois de uma década perdida, Portugal terá mesmo de mostrar resultados, ao nível do crescimento e da redução do endividamento e do défice externo. Isto se se quiser ver livre da camisa de forças do FMI, BCE e Comissão.

Rui Peres Jorge