Perplexidades e prioridades nas entrelinhas do FMI

11/11/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge
Crédito: Bruno Simão, Negócios                               Fotografia: Bruno Simão, Negócios

 

Subir Lall, o chefe de missão do FMI para Portugal, deu ao Negócios a primeira entrevista no contexto de monitorização pós programa (Os assinantes “online” podem ler aqui sobre contas públicas, BES, dívida e emprego, e ímpeto reformista, apenas para subscritores) na qual revela algumas perplexidades e prioridades. Destacamos quatro delas numa breve leitura comentada.

 

 

As perplexidades

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Fotografia: Bruno Simão, Negócios

 

De onde veio todo este emprego?

 

Penso que ninguém ainda percebeu muito bem como é que a taxa de desemprego está a baixar. Estamos muito satisfeitos com a evolução, mas precisamos de perceber o que está a acontecer para que possamos tirar lições. As políticas activas de emprego têm um papel, mas por enquanto não temos um número.

 

O responsável do FMI avisa o Governo (e o que vier a seguir) que a tendência de rápida descida da taxa de desemprego no último ano dificilmente se manterá. Subir Lall diz que está surpreendido com o resultado, para o qual contribuem muitas outras dinâmicas além da recuperação económica, entre elas a emigração e as políticas activas de emprego. O tema, garante, continuará em cima da mesa para as próximas avaliações, e deixa já uma sugestão para reflexão nos próximos meses: e se em vez de aumentar o salário mínimo (que destrói emprego menos qualificado, defende), o governo optasse por favorecer os mais pobres através de um crédito em sede de IRS?

 

Srs. deputados, o BES é surpreendente especialmente para nós que não somos supervisores

 

Nós temos sempre de remeter para os supervisores. Comentamos a informação disponível. [Apercebemo-nos que o problema era grave] mais ou menos ao mesmo tempo que toda a gente. Quando aconteceu já nem estávamos no programa. Apanhou toda a gente de surpresa.

 

Subir Lall é um dos nomes na longa lista que personalidades chamadas a participar na Comissão de Inquérito sobre o escândalo do BES. Lall deverá responder por escrito, mas revela já o que parecem ser as três linhas centrais da sua argumentação: 1) detectar problemas como os que se desenvolveram no BES é sempre difícil para qualquer supervisor; 2) o FMI não é supervisor (o que torna uma missão difícil em missão impossível); e 3) no que FMI (e à troika) diz respeito a coisa nem correu mal, uma vez que apesar do estrondo, a estabilidade financeira ficou garantida.

 

Duas prioridades

Crédito: Bruno Simão, NegóciosFotografia: Bruno Simão, Negócios

Os cortes na despesa podem continuar (apesar do Constitucional) ou um olá ao próximo governo

 

O Tribunal tornou a sua perspectiva clara, mas penso que deixa margem para se implementarem cortes de despesa, o que exigirá mais uma abordagem ascendente [“bottom-up”]. A abordagem de cortes descendente [“top down”] talvez não possa continuar a ser seguida, dadas as decisões do Tribunal Constitucional. Mas a abordagem ascendente, olhando para os serviços e para a prestação de serviços públicos necessária, poderá ser aplicada. (…) Tem de ser uma abordagem que levará mais tempo, requererá uma análise minuciosa aos serviços e aos aspectos operacionais, e não uma aposta em cortes transversais.

 

Uma das posições mais interessantes da entrevista. Subir Lall foge ao conflito com o Tribunal Constitucional que nos últimos anos chumbou várias das medidas de cortes de despesa apoiadas pela troika (as equipas do FMI chegaram a desenvolver um trabalho de revisão da despesa pública nacional), e abre a porta a uma nova estratégia e um novo discurso de redução de despesa que poderá ser abraçado por um novo governo, mesmo que socialista: cortes transversais já não são possíveis, mas há margem para cortes minuciosos (imagina-se que enquadrados numa “reforma do Estado”).

 

Alô, BdP e BCE! Estão aí? É preciso fazer mais pela reestruturação da dívida privada…

 

Se entrarmos num longo ciclo sem resolver estes problemas [de excesso de endividamento empresarial], mesmo as empresas viáveis poderão fechar. Os bancos não têm incentivos para reestruturar pois pode envolver perdas no curto prazo. Mas se criarem almofadas de capital acima dos mínimos regulatórios – e podem ser encorajados a fazê-lo – terão mais espaço para limpar as suas relações com os seus clientes demasiado endividados. (…) Creio que precisamos de um empurrão, de um incentivo. Não recomendo medidas coercivas, mas é no interesse de longo prazo dos bancos fazê-lo. Muitas vezes os accionistas não olham para os interesses de longo prazo.

 

É uma das preocupações centrais do FMI desde há muito tempo. Opondo-se à reestruturação de dívida pública que considera sustentável pelo menos às taxas de juro actuais, Subir Lall insiste na urgência de reestruturar a dívida privada, onde os resultados têm sido decepcionantes. A novidade está em aconselhar directamente aos reguladores a pressionarem mais os bancos a aumentarem capital e a reestruturarem as suas dívidas.

 

014_Subir Lall_BS_Fotografia: Bruno Simão, Negócios

Rui Peres Jorge