Consumo suporta recuperação frágil

14/11/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge

A economia portuguesa cresceu 0,2% no terceiro trimestre (1% em termos homólogos). Trata-se de uma evolução em linha com a média europeia, mas abaixo da expectativa de mercado, analisam os economistas que contribuem para a reacção dos economistas. A probabilidade de a economia crescer abaixo de 1% em 2014 aumentou e a procura interna continua a ajudar, provavelmente penalizando as contas externas.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

 

Rui Bernardes Serra – Departamento de estudos do Montepio

 

1. A estimativa preliminar do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal no 3ºT2014 apontou para uma subida de 0.2%, um resultado que ficou aquém das nossas perspectivas (Montepio: +0.4%) e da mediana das projeções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.4%).

 

2. Na ótica da procura, o nosso erro de previsão terá vindo sobretudo do comportamento das exportações líquidas, que não terão tido um contributo ligeiramente positivo, mas antes negativo (+0.8 p.p. no 2ºT2014), com o crescimento das importações de bens de consumo e de bens de investimento a mais do que compensar o crescimento das exportações. O crescimento do PIB em cadeia terá sido suportado essencialmente pelo consumo privado, sendo que o investimento em capital fixo (FBCF) também terá crescido. Estima-se um contributo sensivelmente nulo do consumo público para o crescimento do PIB.

 

3. Em termos homólogos, o PIB subiu 1.0%, em aceleração face ao trimestre anterior (+0.9%), apresentando o 4º crescimento consecutivo e os únicos desde o observado no 4ºT2010 (+1.4%). No 1ºT2013 (-3.8%) tinha registado a maior queda desde o 1ºT2009. Segundo o INE, a procura interna apresentou um contributo positivo mais intenso para a variação homóloga do PIB no 3ºT2014, refletindo sobretudo a evolução do consumo privado. A procura externa líquida registou um contributo negativo mais significativo, devido à aceleração das importações de bens e serviços, tendo as exportações de bens e serviços apresentado um crescimento próximo do verificado no trimestre anterior.

 

4. Em resultado do 3ºT2014 ter ficado aquém do esperado, aumentaram os riscos descendentes para a nossa previsão de um crescimento anual do PIB de 0.9% em 2014, ademais que se mantêm os riscos externos relacionados com a incerteza geopolítica no Médio-Oriente e no Leste da Europa, e internos, devido aos efeitos da crise do Grupo Espírito Santo sobre as decisões dos agentes. Em todo o caso, admite-se que a atividade na Zona Euro possa acelerar ligeiramente no atual trimestre (suportando as exportações) e que os efeitos mais intensos sobre a confiança e as decisões dos agentes económicos da instabilidade no Grupo Espírito Santo já se possam ter sentido no 3ºT2014. Na realidade, depois da queda observada em agosto, o indicador de sentimento económico calculado pela Comissão Europeia subiu em outubro pelo 2º mês consecutivo e atingiu máximos desde abr-08, ficando pela 8ª vez consecutiva acima da média de longo prazo, sinalizando uma subida trimestral do PIB de 0.6% no 4ºT2014, um valor que permite que o crescimento anual de 2014 atinja os 0.9%. Note-se, no entanto, que desde o início do ano o indicador de sentimento económico tem vindo a sobrestimar o crescimento da economia, em parte porque a política orçamental restritiva continua a ser um condicionador da atividade económica.

 

5. Os riscos ascendentes prendem-se com a possibilidade da economia espanhola continuar a crescer acima do que fora anteriormente estimado, algo relevante atendendo ao elevado peso que ainda tem nas trocas comerciais com o nosso país (não obstante o esforço de diversificação, as exportações ainda estão muito direcionadas para os nossos parceiros europeus, nomeadamente para Espanha – representam atualmente ainda cerca de 24% do total das exportações portuguesas).

 

6. [Para 2015] Continuamos a apontar para um crescimento de 1.5%, igualmente com riscos descendentes, já que se o 4ºT2014 for mais fraco do que o antecipado, tal deverá provocar um carry-over menos positivo para 2015. Veja-se que se efetivamente se verificar um crescimento anual de 0.9% em 2014, o facto de atividade registar no 4ºT2014 um nível acima da média de 2014, iria induzir desde logo um crescimento em 2015 de 0.6%. Os restantes 0.9 p.p. serão provenientes dos crescimentos ao longo de 2015.

 

Núcleo de Estudos de Conjuntura sobre a Economia Portuguesa (NECEP)

 

1. No 3.º trimestre de 2014, o PIB continuou a evoluir acima da sua dinâmica recente, ainda muito frágil, com um crescimento de 0.2% em cadeia (1% em termos homólogos) e sem surpresas tendo em conta a informação disponível noutros indicadores económicos relativos ao mesmo trimestre.

 

2. A trajectória de crescimento ténue do produto que se tem vindo a observar desde a primavera resulta, em parte, de um contributo positivo mais intenso da procura interna, especialmente do consumo privado, o que pode refletir, parcialmente, efeitos de derrapagem orçamental resultante da reposição parcial, durante o verão, dos vencimentos pagos aos funcionários públicos.

 

3. A conjuntura continua marcada por alguma incerteza, e o NECEP tem tentado encontrar, nos diversos dados estatísticos divulgados, sinais que possam ser atribuíveis ao desfecho da crise do BES.

 

4. O crescimento da Zona Euro manteve-se em níveis moderados (0.2% em cadeia e 0.8% em termos homólogos). A Alemanha apresentou um crescimento ligeiramente positivo (0.1%) após a contracção registada no 2º trimestre e os temores de abrandamento no crescimento estão, para já, afastados, especialmente na Espanha e França. Entre as maiores económicas da zona euro apenas a Itália dá sinais de grande fragilidade e permanece em recessão há três anos.

 

5. Estes dados suportam o cenário de crescimento ténue a moderado da economia portuguesa, o que justifica que o NECEP mantenha o ponto central da previsão de crescimento de 0.7% em 2014.

 

Filipe Garcia – IMF

 

1. A subida de 0.2% não surpreende, encontrando-se no intervalo das nossas previsões (0.2%-0.3%), mantendo-se o ritmo de crescimento homólogo de 1%, que deverá ser também o crescimento de 2014 como um todo. O crescimento de 0.2% foi também o que se registou na zona euro como um todo (+0.8% homólogo).

 

2. A decomposição do crescimento do PIB foi também totalmente como o esperado, com a procura interna a assumir o papel principal. Desse contexto de normalização da procura interna, resulta o esperado aumento das importações. Os números que já se conheciam do comércio internacional já mostravam que apesar de as exportações continuarem com um comportamento favorável, a componente importada da procura interna iria fazer com que o contributo da procura externa fosse mais negativo. É, aliás, a situação padrão da economia portuguesa.

 

Vale a pena ainda fazer dois destaques adicionais:

 

4. O caso BES terá tido algum impacto no PIB, algo que o próprio BdP reconheceu recentemente, sobretudo pela questão da confiança em empresas e famílias, mas sobretudo nas primeiras. Aparentemente, não se tratou de nada muito significativo e deverá ser um impacto transitório até porque os estímulos monetários do BCE poderão mitigar esse efeito.

 

5. Pelo contrário, a queda dos preços do petróleo já deverá ter tido um impacto ligeiramente positivo no PIB português pela via da redução das importações em valor. O euro tem vindo a desvalorizar desde maio, mas a um ritmo menos acelerado do que o da queda do petróleo. A manter-se em 2015 (só aí terá impacto no PIB do ano que vem), terá um efeito positivo, mas não o suficiente para compensar a diferença que existe entre as projeções internacionais e as do governo. Deve notar-se que há uma parte importante das exportações que inclui o petróleo como matéria-prima, mas são produtos refinados, pelo que será mais importante analisar a evolução das margens de refinação.

 

Rui Peres Jorge