Os combustíveis e a ajuda às exportações

10/08/2015
Colocado por: Nuno Aguiar

As exportações portuguesas estão a crescer 5,7% nos primeiros seis meses do ano, um ritmo mais rápido que as importações (4,1%). O Departamento de Estudos do Montepio destaca o impacto substancial da procura espanhola, bem como a evolução da venda de combustíveis. Filipe Garcia, do IMF, também vê o resultado como positivo, mas alerta para a excessiva dependência dos combustíveis.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

 

José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

1. A Balança comercial de bens registou um desagravamento do défice em Junho, quando ajustada de sazonalidade, traduzindo um acréscimo das exportações superior ao das importações, tratando-se do 2.º alívio consecutivo do défice comercial após três meses de agravamento, que tinham levado o saldo da balança comercial a passar sensivelmente de níveis máximos desde Agosto de 1996 para mínimos desde Janeiro de 2012. Em termos trimestrais, os dados do 2.º trimestre evidenciaram um agravamento do défice da balança comercial de bens a preços correntes, sugerindo um contributo (nominal) negativo para o crescimento do PIB nesse trimestre. No entanto, estima-se que este contributo negativo se tenha convertido em positivo quando medido em termos reais e quando considerados também os dados da balança de serviços (ainda sem os dados de Junho), apontando-se para um contributo positivo das exportações líquidas de bens e serviços para o crescimento do PIB. Isto depois de, no 1.º trimestre, as exportações líquidas terem apresentado um contributo negativo de 1.0 p.p., duplicando o contributo positivo do trimestre anterior (+0.5 p.p. no 4.º trimestre) e com este resultado a reflectir um ligeiro decréscimo das exportações (-0.3% vs +3.3% no 4.º trimestre) e um forte acréscimo das importações (+2.0% vs +1.9% no trimestre anterior).

 

2. No 1.º semestre as exportações cresceram 5.7% face ao período homólogo. Grande parte deste forte acréscimo das exportações portuguesas durante o 1.º semestre do ano deveu-se à procura de exportações por parte de Espanha. A economia espanhola foi responsável por cerca de 48.7% do acréscimo homólogo do total das exportações portuguesas neste período, quando, no total de 2014, a sua responsabilidade pelo acréscimo no total das exportações portuguesas foi de “apenas” 19.3%, abaixo do peso que Espanha teve no destino das nossas exportações em 2014 (23.5%).  Este forte crescimento das exportações para Espanha na primeira metade deste ano resulta de dois factores: i) o forte peso que as exportações para esse país continuam a ter no total das nossas exportações; entre 2010 e 2014, assistiu-se a um grande esforço de diversificação do destino das nossas exportações, com resultados visíveis, mas com a Espanha a continuar a ser o principal destino das exportações (no total de 2014 representaram como referido cerca de 23.5%, peso que no 1.º semestre de 2015, com o acréscimo observado, se elevou para cerca de 25.3%); ii) o forte crescimento económico observada na economia espanhola durante a 1.ª metade do ano, com o PIB a crescer 0.9% em cadeia no 1.º trimestre e 1.0% no 2.º trimestre, bem mais do dobro do observado, por exemplo, no total da Zona Euro (+0.4% no 1.º trimestre, estimando-se um crescimento entre 0.4% e 0.5% para o 2.º trimestre), e com esse forte crescimento a ser essencialmente suportado pelo consumo e investimento, provocando um forte acréscimo das importações.

 

3. Ainda ao nível de países, e para além de Espanha, há que realçar também o forte contributo dado pelos acréscimos das exportações observados nos EUA, onde o acréscimo das exportações no 1.º semestre representou 19.8% do total das exportações portuguesas – quando o peso das exportações para os EUA no total das exportações não é assim tão expressivo (cerca de 4.4% em 2014) – e para o Reino Unido, onde o acréscimo das exportações representou 15.0%, mais do que duplicando o peso que as exportações para esse país têm no total das exportações portuguesas (6.1% em 2014 e 6.5% no 1.º semestre). As exportações para a Alemanha e França representaram cerca de 10.2% e 10.1% do acréscimo total, mas, nestes casos, não conseguiram superar a importância que estes destinos costumam ter para as nossas exportações (11.7% em 2014 e 12.1% no 1.º semestre, em ambos os casos). Dos cinco países acima referidos – onde, como referido, se registaram os maiores acréscimos das exportações no 1.º semestre –, há essencialmente que destacar os três primeiros, por terem, como visto, superado bastante o peso que esses destinos costumam ter para as nossas exportações. Se no caso de Espanha e Reino Unido o principal fator por detrás deste forte contributo é o forte crescimento económico observado nessas geografias – a Espanha, como referido, cresceu em cadeia quase 1.0% em cada um dos dois primeiros trimestres do anos e o Reino Unido 0.4% no 1.º trimestre e 0.7% no 2.º trimestre, depois de em 2014 o Reino Unido ter crescido a um ritmo médio trimestral superior a 0.8% –, no caso dos EUA, existem outras razões que não o crescimento observado por essa economia – o PIB dos EUA cresceu apenas 0.2% em cadeia no 1.º trimestre, apesar de ter posteriormente acelerado para 0.6% no 2.º trimestre.

 

4. No caso dos EUA, existe aqui um factor pontual, relacionado com um determinado tipo de exportação que tem bastante expressão para esse país e que, no 1.º semestre de 2014, se viu negativamente influenciado por um eventual temporário. Referimo-nos à exportação de Coque e Produtos Petrolíferos Refinados, que tem um peso acima da média no caso dos EUA – no 1.º semestre deste anos as exportações deste tipo de produtos representaram 26.0% do total das exportações portuguesas para esse país, quando para o total do mundo estas exportações representaram cerca de 7.6% do total – e neste 1º semestre de 2015 está a ser positivamente influenciada pelo facto de comprar com um semestre de 2014 em que as exportações deste tipo de produtos foi negativamente afectada pela paragens da refinaria de Sines da Galp, uma das grandes responsáveis pelo crescimento das exportações, ter estado encerrada para manutenção durante cerca de metade do 1.º trimestre de 2014 (45 dias).

 

5. Fazendo uma análise por produto e agora para o total das exportações portuguesas, relacionando com o peso que cada produto tem no total das exportações, constata-se que foram mesmo as exportações de Coque e Produtos Petrolíferos Refinados umas das principais responsáveis pelo acréscimo homólogo das exportações observado no 1.º semestre (com um peso de 7.6%, observaram um crescimento homólogo de 21.7%), sendo de realçar também a importância dos Veículos automóveis, reboques e semi-reboques (com um peso de 11.4%, observaram um crescimento homólogo de 9.4%) e dos Produtos da indústria do tabaco (com um peso de 1.3%, tiveram um crescimento homólogo de 52.2%).

 

Filipe Garcia – IMF

 

 

1. Ao nível das exportações os números são animadores, sobretudo porque se consegue uma subida de quase dois dígitos num contexto de desaceleração de Angola. Depois de vários anos em que a UE foi perdendo quota nas exportações, está a revelar-se um mercado muito importante. Falando ainda das exportações, não podemos deixar de notar o peso dos refinados, que acaba por ser responsável por parte importante do crescimento das exportações. Ou seja, as alterações que se verificaram em termos de capacidade e a evolução das margens de refinação podem fazer parecer a melhoria nas exportações é transversal a toda a economia – o que não é o caso. Em todo o caso é, naturalmente, um número positivo.

 

2. No que diz respeito às importações, não há grandes surpresas. Estas taxas de crescimento nas importações são compatíveis com a “normalização” dos padrões de consumo da economia positiva. São, em si, um sinal de dinamismo e confiança da economia portuguesa, mas, ao mesmo tempo, mostram que não se alterou o aspecto estrutural de o país ter uma balança comercial deficitária. O curto período em que isso não sucedeu ocorreu devido ao travão no consumo e investimento que se verificou após o plano de ajustamento.

 

3. Portanto, são números de copo meio-cheio ou meio-vazio. Meio-cheio porque a vocação exportadora da economia está em desenvolvimento e, em termos macro, Angola está a ser compensada por outros mercados e sectores. Meio-vazio porque o carácter estrutural do défice comercial está bem patente e há uma certa dependência do que as refinarias vão fazendo no resultado global das exportações.

 

Nuno Aguiar