Sexta-feira escrevemos no Weekend sobre a forma como a utilização de “sports analytics” métodos analíticos aplicados ao desporto) está a mudar o jogo, através da utilização de modelos matemáticos, estatísticas avançadas e gigantescas bases de dados.
As últimas conclusões começaram a surgir com a utilização em todos os pavilhões de câmaras com tecnologia israelita de detecção de mísseis, que acompanham os movimentos de todos os jogadores em campo e captam informação 25 vezes por segundo. O nível de informação pode ser tão “fino” como saber qual a percentagem de ressaltos que o jogador X ganha quando a bola está a um metro de distância e ele tem jogadores adversários à volta.
Kevin Durant afunda sobre Pau Gasol. Fonte: J. P. Wilson/Bloomberg
No futebol, os avanços neste tipo de análise são ainda limitados, mas já se sabe, por exemplo, que equipas que corram constantemente a mais de 5 metros por segundo e acima do ritmo do adversário têm mais 80% de possibilidades de vencerem o jogo; cantos que fazem a curva em direcção à baliza têm muito mais probabilidades de resultar em golo; a capacidade de ter posse de bola no último terço do campo é o indicador de probabilidade de marcar e a recuperação da bola nessa zona é uma das situações mais perigosas para a defesa; não sofrer golos é mais importante do que marcar.
Em baixo estão algumas das principais conclusões deste tipo de abordagem (com ou sem câmaras) para o basquetebol:
- Se tudo o resto for igual, lançar triplos é normalmente mais difícil do que lançar dentro da linha de três pontos, simplesmente porque é mais longe. Durante muito tempo, foi esta a lógica que os treinadores seguiram para recomendar lançamentos mais perto do cesto. Hoje, começa a ser consensual que, apesar de lançar triplos ser mais difícil (isto é, os jogadores tendem a acertar percentagens inferiores dos lançamentos), o facto de o triplo valer mais um ponto (três) compensa esse aumento de risco. O treinador dos Boston Celtics dizia em Janeiro: “Todos sabemos que um jogador que acerte 33% em triplos é melhor que um jogador que acerte 47% dos lançamentos de dois pontos.” Agora imagine Jorge Jesus a dizer o mesmo.
- Sempre que alguém lança ao cesto, a equipa que está a atacar tem mais a ganhar ao tentar agarrar o ressalto ofensivo do que correr para trás para defender.
- Um dos mitos que a utilização de estatísticas nos últimos anos parecia ter destruído era a “mão quente”, segundo o qual um que jogador que acertou três lançamentos consecutivos tem uma probabilidade superior de acertar o quarto. Os números revelavam que a mão quente não existia. No entanto, os números nem sempre conta a história toda e o desporto é uma realidade especialmente complexa de analisar. Um estudo publicado este ano vem lançar mais achas para a fogueira e concluir que a “mão quente” parece afinal existir. O que acontece – e foi isso que “enganou” os académicos – é que um jogador “quente” tende a aumentar a dificuldade dos seus lançamentos. Se ajustarmos os lançamentos pela dificuldade, encontra-se uma maior eficiência depois de acertar alguns lançamentos consecutivos. Porquê? Os investigadores não avançam com conclusões, mas conceitos abstractos como “motivação” ou “confiança” podem ser possibilidades. Nem tudo no desporto se pode resumir a um número.
- O melhor defensor é aquele que consegue impedir o maior número de lançamentos bem sucedidos quando está perto do jogador ofensivo. Dados das câmaras SportVU concluem que o melhor defensor da NBA na época 2012-2013 foi Larry Sanders (Milwaukee Bucks). Em média, os jogadores da NBA acertam 45.6% dos lançamentos quando têm um jogador a 1,5 metros. Quando esse jogador é Larry Sanders, os adversários acertam apenas 34.9%.
- Quando os jogadores têm mais experiência de playoffs, isso torna mais provável regressarem aos playoffs, mas isso não os ajuda a ganhar quando lá chegam. Ter um treinador mais experiente não tem um impacto positivo nas vitórias em playoffs. Equipas cujos jogadores jogam há mais tempo juntos têm mais probabilidades de vencerem nos playoffs.
- Quem joga em casa, tende a acertar menos lances livres em momentos de “pressão elevada”, mas tende a ganhar mais ressaltos ofensivos nesses momentos. Isto é, o apoio do público parece ter dois efeitos: motivar a equipa em situações que implicam um esforço “a quente”, mas também prejudicar a concentração do jogador.
- As horas de sono tendem a ser olhadas cada vez com mais atenção. Jogadores que dormem mais (sim, dormir) tendem a estar mais alerta e a jogarem melhor.
- Existe outro avanço científico que não se qualifica como descoberta, mas que pode ter uma importância decisiva na análise do jogo. Este ano foi publicado um estudo sobre o EPV (Expected Possession Value), um novo indicador que mede a probabilidade de ser marcado um cesto em determinada situação e o número de pontos que poderão resultar. Por exemplo, se eu estiver no meio campo e tentar lançar, o EPV dessa situação é muito baixo. Mas se o melhor jogador do mundo estivesse isolado a um metro do cesto, o EPV dessa situação seria altíssimo. Claro que a maioria das situações analisadas não são tão extremas, mas a lógica é essa. Se o jogador A lançar agora, em média, qual será o resultado dessa acção? Se em vez de lançar, passar a bola para o jogador B, o valor aumenta ou diminui? Em última análise, poderia ser possível saber, em média, qual a decisão mais eficiente a tomar em cada momento do jogo. Leia-se descodificar o jogo.
No Weekend trocámos alguns emails com Dan Cervone, um dos autores do estudo sobre EPV. “O primeiro é poder quantificar e classificar acontecimentos que, possivelmente, criam valor, mas não aparecem na ficha de jogo, como passes que não são assistências, penetrações com drible, etc. Quase toda a análise de basquetebol se baseia no fim de uma jogada (lançamentos, perdas de bola, ressaltos, etc.) e existe pouca quantificação de todas as outras acções que estão a decorrer”, explica o doutorando em Estatística. “A segunda área de impacto é que, com EPV, podemos avaliar, não só as capacidades do jogador, mas também a sua capacidade de tomar boas decisões, uma vez que podemos quantificar o valor de tomar uma decisão particular em relação a outras opções que o jogador tinha.” E acrescenta: “Nós não achamos que o EPV possa prever o sucesso de todas as acções… a nossa esperança é que o consiga fazer em média”.
O basebol é um jogo “resolvido”. As equipas sabem exactamente que jogadores são melhores para atingir determinado objectivo e o que têm de fazer para – em média – retirar o máximo potencial da sua equipa. No basquetebol começam a dar-se os primeiros passos para “resolver o jogo”. Um percurso que tem méritos, mas que nunca atingirá o seu objectivo. Como diz Kirk Goldsberry, outro dos autores do estudo do EPV:
“Não existe um único indicador que explique o basquetebol, tal como não há um único indicador que explique a vida.”
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