O pré-crise, o pós-troika e o cautelar

21/02/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Chefes de missão da troika: Subir Lall, do FMI, e Rasmus Ruffer, do BCE Fonte: Negócios

 

O debate sobre o recurso de Portugal a um programa cautelar tem animado as últimas semanas e assim deverá continuar, pois o Governo diz que não tomará qualquer decisão até Abril. O último contributo para o debate chegou do “think-tank” europeu Bruegel que reconheceu sinais positivos na economia e na percepção dos mercados, mas defendeu que ainda assim o País deve recorrer a um programa cautelar, como avançou o Negócios na quinta-feira. Os economistas sustentam a sua posição em dois argumentos: por um lado, Portugal precisa de continuar a implementar reformas que promovam o crescimento económico a médio prazo, e para isso o enquadramento de um programa da troika pode ajudar; por outro, a situação nacional é ainda frágil pelo que não faz sentido arriscar perder a confiança dos investidores enquanto a incerteza sobre a retoma e o futuro permanece elevada. “A economia portuguesa permanecerá frágil e vulnerável a potenciais choques por algum tempo”, avisam.

 

Para evidenciarem a fragilidade nacional, os economistas comparam vários indicadores macroeconómicos do Portugal “pré-crise” com o Portugal “pós-troika”. Aproveitámos esse trabalho e juntámos-lhe a posição de investimento internacional. Os que se opõem a um programa cautelar apoiam-se na ideia de que os mercados querem saber mais das dinâmicas (por exemplo dívida e défices em queda) do que dos níveis (muito elevados que registam vários indicadores). Uma coisa é certa: é difícil ficar descansado com a comparação que se segue.

 

1) No Portugal pós-troika, a economia cresce menos que no Portugal pré-crise

 

(Menos crescimento significa maiores desafios orçamentais e de emprego e maior peso do endividamento sobre a economia)

 

 

 

2) No Portugal pós-troika, a deflator do PIB (isto é, o aumento de preços no total da economia) é inferior ao registado no Portugal pré-crise

 

(o que significa que, para um mesmo nível de actividade, teremos um PIB nominal menor, o que prejudicará a sustentabilidade da dívida – é por isto que tantos economistas têm avisado para os riscos deflacionistas na Europa e em Portugal)

 

 

 

3) No Portugal pós-troika, as taxas de juros da dívida são mais altas

 

(Em 2014 e 2015, Orçamento do Estado que ainda não recuperou da crise e recebe pouca ajuda da retoma económica ainda lenta terá de suportar uma despesa anual superior em juros)

 

 

 

4) No Portugal pós-troika, a produtividade pouco aumenta

 

(Mesmo com reformas estruturais, nas últimas previsões a Comissão Europeia não espera que a produtividade da economia melhore de forma significativa no pós-troika)

 

 

 

5) No Portugal pós-troika, o desempego é muito mais elevado


(A taxa de desemprego média registada entre 2004 e 2008 foi quase metade da que a Comissão prevê para 2014-15, penalizando o crescimento potencial e as contas públicas)

 

 

 

6) No Portugal pós-troika, o défice orçamental será mais baixo que antes da crise, mas não muito

 

(Em 2014 e 2015 o défice orçamental manter-se-á acima dos 3% do PIB, acrescentando a uma dívida que já agora se teme que se revele insustentável)

 

 

 

 

 

7) No Portugal pós-troika, a dívida pública mantém-se acima dos 120% do PIB

 

(Não existem limites claros para a insustentabilidade da dívida pública de um país: depende do crescimento, da inflação, dos juros, dos défices. Mas os valores esperados para 2014-2015 manterão os mercados em alerta, especialmente se o crescimento for baixo)

 

 

 

 

8) No Portugal pós-troika, o saldo externo é positivo e essa é a principal boa notícia

 

(O saldo externo positivo travará a acumulação de endividamento externo e esta é a principal diferença face ao Portugal pré-crise. Se for sustentável Portugal enviará sinais de sustentabilidade do ajustamento externo)

 

 

 

 

9) No Portugal pós-troika, a dívida externa manter-se-á cima de 100% do PIB, um valor muito elevado em termos históricos

 

(Tal como com a dívida pública, a posição negativa de investimento internacional começará deverá começar a baixar mas ficará ainda assim acima dos 100% do PIB, muito superior ao período pré-crise e elevado em termos históricos)

 

 

Olhando para isto, compreende-se a o aviso do FMI na última avaliação ao programa de ajustamento sobre a susceptibilidade única do Portugal a sentimentos de mercado:

 

“Portugal—with its high debt and large refinancing needs—is uniquely susceptible to changes in market sentiment, which is in part driven by changes in global financial conditions”

 

Será que o FMI também é favorável a um programa cautelar?

Rui Peres Jorge