Se fosse respeitado o princípio de representatividade, haveria mais cardeais do Sul a usar o Solidéu no conclave. Fonte: Alessia Pierdomenico/Bloomberg
O Papa Francisco tem feito sucesso na imprensa e nas redes sociais, com quebras de protocolo e uma maior proximidade dos fieis no seu primeiro mês à frente da Igreja Católica. Um papado que é revolucionário desde o momento da escolha do argentino Jorge Bergoglio, o primeiro Papa sul-americano. Uma decisão que dá alguma justiça representativa à relação entre o hemisfério Norte e hemisfério Sul. Ainda assim, o resultado poderia ser diferente com outro conclave. Se fosse respeitado o princípio de representatividade, o país com maior número de cardeais seria o Brasil. Um Papa brasileiro? Nada melhor para irritar os argentinos.
No Vox, Nicolas Boccard aplica princípios da teoria da votação, concluindo que, apesar da escolha de Bergoglio para Papa, a representatividade do conclave – com base da distribuição da população católica – está altamente distorcida.
Comecemos por esta tabela:
Legenda: Card. – número de cardeais; % – percentagem do conclave; Cat. – número de Católicos; % – percentagem dos católicos de todo o mundo; Q – rácio de desigualdade.
Em 50 anos, o número de católicos mais de duplicou em todo o mundo, com o principal contributo a vir dos países do Sul. Em 1963, a representatividade no conclave estava claramente distorcida: 50% dos católicos viviam em países do Sul, mas apenas 23% dos cardeais vinham dessas regiões. Em 2013, essa distorção agravou-se. Apesar de haver agora uma maior percentagem de cardeais do Sul (35%), esse aumento esteve longe de acompanhar o ritmo de crescimento da população católica nesses países, que já ultrapassa os dois terços do total (67%). Desde 1978 que a proporção no conclave praticamente não muda.
Numa análise país a país, Boccard calcula quais os estados com cardeais em “excesso” e aqueles que deveriam ter mais do que têm actualmente, tendo por base o número de católicos que abrigam. A tabela é bastante explícita:
Legenda: Cat. – número de católicos do país; Exact – número “justo” de cardeais; Fair – número “justo” de cardeais (arredondado); Card. – número actual de cardeais; Diff – diferença entre o número actual e o número “justo” de cardeais.
Num mundo em que o conclave fosse escolhido em função da distribuição geográfica dos católicos, o Brasil teria 14 cardeais em vez dos actuais 5, o México 10 em vez de 3. Itália 5, em vez de 28. Portugal ficaria com apenas 1 e não com os 2 que tem hoje.
E quem merece ter um cardeal? O estudo faz uma outra divisão entre: países que têm um cardeal e “merecem” mantê-lo; países que têm um cardeal, mas que deveriam perdê-lo; e países que não têm nenhum cardeal e deveriam ter um (ou dois, no caso do Uganda).
No total, significaria que a América Latina passaria a ter 46 cardeais no conclave (39% dos 117), em vez dos actuais 19 (16%). Itália deixaria de ter 1/4 dos cardeais, para passar a ter apenas 4%.
“A única explicação lógica tem a ver com a hierarquia da Igreja, que parece não estar disposta a abdicar de poder em favor daqueles que representam a maior massa de Católicos”, escreve Boccard. “As origens sul-americanas do novo Papa pode ser interpretado como uma oportunidade para uma mudança justa.”
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