Um balanço da União Bancária (e a importância do exemplo cipriota)

17/04/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

Klaus Regling, o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo que recapitalizará os bancos numa união bancária e Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo Fonte: EU Council Eurozone_Flickr_CC

 

Simplificando poder-se-á afirmar que os bancos portugueses caíram pelo risco do seu soberano, e que o soberano irlandês caiu pelo risco dos seus bancos. Este “ciclo diabólico” entre sistema financeiro e as finanças públicas é a razão central para a criação de uma união bancária na UE. Dada a fragilidade de Portugal e da Irlanda um avanço rápido nesta frente é visto como importante para aliviar a pressão dos mercados. Em que ponto está este projecto europeu?

 

Uma união bancária implica três instituições: um supervisor comum; um sistema comum de resolução e recapitalização de bancos (que definirá as regras do jogo e terá o poder de decisão sobre quando fechar ou recapitalizar uma instituição); e, finalmente, um sistema de garantia comum para os depósitos bancários até determinado limite (em princípio os actuais 100 mil euros).  Façamos um ponto de situação:

 

Mecanismo de Supervisão Comum – Os líderes europeus chegaram na sexta-feira passada em Dublin a um acordo político sobre a sua criação. Se tudo correr bem, a decisão final com valor legal poderá acontecer ainda este semestre e o MSC entrará em funções em Junho de 2014. Entretanto o BCE, a quem caberá este papel, terá de construir uma infraestrutura humana e técnica que garanta a separação efectiva entre as suas funções como supervisor e como autoridade monetária;

 

Sistema de garantia de depósitos comum – é um dos temas mais polémicos e difíceis. Se um banco ou um sistema financeiro nacional entrar em colapso, quem garante os 100 mil euros por depósito: os fundos europeus através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) ou o respectivo governo nacional?

 

Se for o segundo, cai por terra o objectivo de quebrar o “ciclo diabólico” entre risco soberano e risco bancário – e a união deixa de fazer sentido. Mas se os riscos orçamentais forem efectivamente mutualizados directamente e sempre através do MEE, então não se estará, na prática, a avançar para uma união orçamental?

 

A provável resposta positiva a esta pergunta parece ser a justificação para que este tema tenha sido atirado para as calendas gregas nas negociações, podendo mesmo não entrar em funcionamento ao mesmo tempo que as restantes duas peças da união (o surpervisor e o mecanismo de resolução) – as quais, no melhor cenário, estarão em funcionamento pleno no início de 2015;

 

Mecanismo de Resolução Comum – O plano da Comissão Europeia passa por, no final deste semestre, aprovar o SSC e lançar a negociação sobre o detalhe do MRC. Este é neste momento o tema que mais tempo ocupa às equipas técnicas que trabalham a união bancária. A seguir virão as negociações.  

 

Nestas negociações há duas dimensões centrais:

 

1) A primeira é a ordem pela qual os accionistas, os obrigacionistas, os depositantes e, finalmente, os contribuintes serão chamados a pagar as recapitalizações.

 

A posição do BCE, novamente explicitada na reuniões de Dublin, e que parece merecer apoio da maioria dos Estados membros, é que os primeiros a pagar serão os accionistas, depois os detentores de obrigações, seguidos dos depositantes não seguros (isto é, os montantes superiores a 100 mil euros). Os peqeuno depositantes ficarão protegidos e só se o dinheiro não for suficiente é que entrarão os fundos dos contribuintes.

 

Em relação ao dinheiro dos contribuintes há ainda quem defenda que, em primeiro lugar, terá sempre de entrar o dinheiro dos contribuintes do país de residência do banco, e só depois o dos contribuintes europeus, através do MEE.

 

E é este debate que torna o caso cipriota é tão relevante. No Chipre, pela primeira vez na crise europeia, aplicou-se exactamente esta ordem de prioridade. Neste ponto a pequena ilha não é uma excepção, é a nova regra, e uma regra que parece razoável: não é facilmente aceitável que os contribuintes paguem por banco falido e os obrigacionistas fiquem a salvo (como mostra o caso irlandês). 

 

2) A segunda dimensão a resolver é exactamente saber em que condições o MEE entra em acção. E aqui o debate e trabalho de estudo nas instituições europeias está a avançar em força. O objectivo é que exista um esboço de proposta até ao final do semestre, na esperança que decisões possam finais possam ser tomadas a tempo da entrada em funcionamento até 2015.

 

Em cima da mesa estão temas como:

1) Se o MEE entrar no capital de num banco, como se distribuem os activos tóxicos (para se ter uma ideia, a Irlanda aplicou cerca de 30 mil milhões de euros nos dois bancos que procurou salvar e esse investimento vale agora apenas 8 mil milhões)

 

2) Se um Estado entrar no capital do banco e tal se vier a revelar catastrófico forçando à intervenção do MEE, é ou não possível operar-se uma recapitalização retroactiva (Este é uma grande esperança da Irlanda para aliviar a sua dívida pública)

 

3) Há ou não um limite máximo para o dinheiro que o MEE poderá aplicar numa só instituição? E condições poderá colocar a essa instituição, nomeadamente em termos de rácio de capital, crédito concedido, etc ?

 

4) Se um banco encontrar problemas, deve o ESM cobrir todo o activo, ou apenas ou activos que foi criado após o Mecanismo Comum e Supervisão;

 

5) Poder-se-á sempre forçar a uma recapitalização parcial e prioritária por parte dos cofres nacionais. E nesse caso, qual o limite?

 

O debate sobre em que momento ou com que quantidade de dinheiro entrará o MEE em acção promete polémica. Se as condições para aceder ao MEE forem suficientemente restritivas, elimina-se, na prática, o risco de dinheiro europeu financiar bancos nacionais – o que é o memos que matar a união à nascença; Se forem demasiado fáceis ou automáticas poder-se argumentar que implica uma união orçamental.

 

A decisão de fechar ou a recapitalizar um banco e a avaliação sobre se e quando se adicionarão recursos europeus aos nacionais tem uma forte dimensão orçamental e política, colocando a UE a caminho para uma união nestas duas dimensões, o que desafia os Tratados da UE.

 

A Comissão Europeia, por seu lado, diz que está confiante que não serão necessárias alterações ao Tratado, reafirmou sexta-feira em Dublin. Para isso irá por exemplo propor uma instituição separada do BCE (Uma autoridade para a resolução bancária) para ser o último responsável político por estas decisões. Espera assim convencer os que temem pela independência do BCE, pela violação da proibição de transferências orçamentais entre Estados-membros e também os que estão contra uma união política mais profunda na UE. A Alemanha já afirmou que não está convencida.

Rui Peres Jorge