O importante discurso de Carlos Costa sobre o pós-troika

20/03/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Fonte: Negócios 

 

Para o governador Portugal deverá candidatar-se a um programa cautelar do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (com possível apoio do programa de compra de dívida pública do BCE) para, no pós-Junho de 2014, substituir o actual programa de assistência.

 

Se juntarmos a posição tornada pública ontem, às declarações já deste ano de Olli Renh, então torna-se como cada vez mais provável que ao actual programa de ajustamento se siga um outro programa – como aqui havíamos notado em Fevereiro – com características diferentes, mas com condicionalidade de políticas económicas e avaliações regulares à economia. Vale a pena ler o que disse Carlos Costa, num discurso que analisamos em seis pontos:

1. Portugal chega ao fim do programa em situação frágil …

 

Chegados ao fim do Programa, Portugal precisa de convencer os investidores de que lhe podem emprestar dinheiro. Contudo, a economia está numa situação frágil que decorre também dos resultados terem ficado aquém das metas iniciais. Eis a apreciação do Governador do Banco de Portugal:

 

No final do Programa, a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos acumulados pela economia portuguesa não estará completa, tal como não estará ainda consolidada a nossa credibilidade junto dos mercados.

  

Com efeito, terminado o Programa, e de acordo com os novos limites para o défice orçamental e para a dívida pública, acordados no âmbito do 7º exame regular do PAEF:

  

– O défice orçamental deverá apresentar em 2014 um valor de 4.0%; apenas em 2015 deverá ser inferior a 3% do PIB (2.5% do PIB);

  

– O rácio da dívida deverá atingir um máximo de 124% em 2014 e diminuir gradualmente, estando em 2016 apenas ligeiramente abaixo dos 120%.

  

Assim, no final do Programa estaremos ainda com níveis de endividamento muito elevados e, no caso da dívida pública, ainda numa fase ascendente. Sem o financiamento oficial, teremos de assegurar o financiamento dos défices e o refinanciamento da dívida nos mercados financeiros. Neste contexto, é fundamental nesse período assegurar a confiança dos mercados na nossa economia.

 

 

 

2. No pós-Junho 2014 Portugal deverá procurar um programa europeu de assistência: o “Programa Cautelar”

 

 

O regresso aos mercados pode ser atribulado e a última coisa que o País quer é ensaiar um regresso para acabar excluído novamente. Carlos Costa considera por isso que são necessários mecanismos de intervenção no mercado de dívida pública que evitem que os investidores fujam novamente:

 

No período de transição, não podemos excluir situações de volatilidade excessiva do mercado. Assim, é essencial que, para fazer face a situações contingentes, se disponha de mecanismos de intervenção no mercado primário e secundário da dívida pública que evitem que os investidores se afastem da economia portuguesa. A meu ver, a credibilidade das nossas políticas macroeconómicas e do nosso ajustamento deverá ser reforçada pela operacionalização dos mecanismos europeus de intervenção no mercado da dívida pública, o que pressupõe, como contrapartida, a adopção de um Programa Cautelar.

 

 

 

3. Um programa cautelar não é um programa de assistência mas é um programa

Para um país como Portugal, que sai de um Programa de Assistência Financeira, um Programa Cautelar funciona como um instrumento de reforço da credibilidade do processo de ajustamento macroeconómico no período imediatamente a seguir ao final do Programa.

 

É fácil imaginar o debate público perante a opção de recorrer ao programa cautelar: é ou não um novo resgate? Por um lado, é certo que se trata de um mecanismo de financiamento para casos de emergência, e nesse sentido muito diferente do actual programa. Por outro lado o mecanismo proposto por Carlos Costa implica a assinatura de um memorando de entendimento e nova condicionalidade de política. Eis o que diz o líder da autoridade monetária nacional:

 

Um Programa Cautelar é um programa de acompanhamento das políticas e da evolução económica de um país que apresenta algumas vulnerabilidades. Não é um programa de assistência financeira. Pode ser visto como um mecanismo de seguro, com uma linha de crédito de reserva associada, que pode ser utilizada para superar perturbações temporárias no financiamento de mercado, associadas, nomeadamente a efeitos de contágio resultantes de acontecimentos externos à economia portuguesa


(…)

 

A condicionalidade que lhe está associada é a contrapartida da solidariedade dos nossos parceiros europeus e contribui para consolidar a confiança dos mercados nas políticas económicas do país.

 

O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), na introdução à descrição dos programas cautelares, diz que este deve ser um mecanismo mais leve e que reduza o estigma do programa de assistência:

 

Beyond helping to reinforce the credibility of the country’s macroeconomic performance, an important contribution of a precautionary programme may be the positive signal that it sends to markets. This means a precautionary programme should be designed in a way that reduces the stigma effect of a regular programme, while ensuring an appropriate strict conditionality.

By its nature as a crisis prevention tool, the precautionary programme should have lighter procedures and be more swiftly implementable than the regular crisis resolution programmes supported by the EFSF. The less cumbersome procedures should allow countries to react in a timelier manner in order to prevent a crisis and reduce exposure to contagion, as well as to send a positive signal and comfort financial markets that this is only a short-term arrangement.

 

 

4. Qual é afinal a condicionalidade que está associada a um programa cautelar?

 

O Governador diz que a condicionalidade é a que decorre do cumprimento do pacto orçamental, nos quais se inclui o objectivo de redução de dívida pública (passar dos 124% do PIB de 2014 para 60% do PIB em 20 anos) e de manutenção de um défice estrutural de 0,5% do PIB:

 

No caso de Portugal, a condicionalidade do Programa Cautelar deve corresponder à que decorre do cumprimento do Pacto Orçamental – o qual inclui, em particular, a regra de equilíbrio do saldo orçamental estrutural e a regra de redução da divida pública – mas com uma vigilância reforçada. Seria uma espécie de “Pacto Orçamental Reforçado” (Enhanced Fiscal Compact).

 

O “reforço” do pacto orçamental está associado à necessidade de assinatura de um memorando de entendimento ao abrigo do programa cautelar. Não existindo experiência anterior, não é certo exactamente o detalhe desse memorando. Se associado ao programa cautelar estiver a disponibilização do recém-criado programa de compra de dívida pública do BCE (OMT), então a condicionalidade será “estrita e efectiva”, diz o próprio BCE, na especificação do OMT:

 

Uma condição necessário para o OMT é a aplicação de condicionalidade estrita e efectiva associada a um programa do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira/Mecanismo Europeu de Estabilidade. Esses programas podem assumir a forma de programas completos de ajustamento macroeconómico do EFSF/ESM ou de um programa de prevenção (Enhanced Conditions Credit Line), desde que incluam a possibilidade de compras em mercado primário pelo FEEF/ESM.

 

Para perceber esta questão, vale a pena voltar ao FEEF e ao que nos diz sobre a condicionalidade associada a estes programas: 

 

Interessam neste caso os programas definidos como “3.2 An enhanced conditions credit line (ECCL)” e “3.3 An enhanced conditions credit line with sovereign partial risk protection (ECCL+)”. No primeiro caso trata-se da possibilidade de empréstimos directos, no segundo caso é facultado pelo FEEF um seguro parcial de risco (PPC) sobre as obrigações portuguesas.

Access to the ECCL+ corresponds – as a basis – to the same criteria and conditionality as that of the ECCL, while reflecting the specific circumstances requiring the issuance of a PPC. The MoU will detail the corrective measures to be adopted during the availability period and the commitment to comply with the eligibility criteria for the duration of the PPCs. Non-compliance would lead to a revised or new MoU including new policy measures if needed.

 

A Member State receiving an ECCL, ECCL+ or drawing a PCCL is placed under enhanced surveillance by the Commission for its availability period. The content of the enhanced surveillance will vary according to the nature of the risks to financial stability or imbalances to address.

 

The Commission, in liaison with the ECB, will carry out an enhanced surveillance of the Member State concerned (where a ECCL/ECCL+ is granted or a PCCL drawn) and report every three months to the members of the Eurogroup Working Group on the persistence of the risk of future problems in maintaining access to market financing on reasonable terms and on the continuous respect of the policy conditions (including the implementation of the corrective measures announced by the beneficiary Member State in case of ECCL/ECCL+).

In case the Member State deviates from its policy conditions or if those commitments have become clearly inadequate to resolve the threat of financial disturbance, the members of the Eurogroup, after having received an analysis from the Commission prepared in liaison with the ECB, may decide on a proposal from the EFSF to close the credit line. The beneficiary Member State will then be expected to request a regular stability support, with a full macroeconomic adjustment programme, following the procedure applicable to it.

 

Resumindo: não sendo ainda claro o grau de detalhe, sabe-se que haverá “supervisão melhorada”, no âmbito de um memorando de entendimento, o qual será avaliado numa base trimestral (não se sabendo se a avaliação será pública). O FEEF é ainda claro ao afirmar que a violação das condições de política poderão levar ao fecho da linha de crédito. A assistência do FMI no desenho do programa será “activamente procurada em todos so casos”.

 

 

5. Como é que o programa é activado?

 

O programa em si é activado mal seja solicitado o acesso pelo Estado-membro e aprovado pelas autoridades europeias. Estes programas têm duração de um ano, podendo ser renovados por duas vezes por períodos de seis meses.

 

 

 

Concedido o acesso ao programa, fica garantida a possibilidade de activar a linha de crédito a qualquer momento. Novamente o FEEF:

 

The activation of the credit line is at the initiative of the beneficiary Member State. The Member State has the flexibility to request the draw-down of funds or a primary market intervention at any time during the availability period of the credit line according to the agreed terms. It shall inform the EFSF at least a week in advance of its intention to draw funds, depending on the intended size. The maximum size of a tranche or primary market purchase shall be set in the initial decision to grant a credit line. The lending conditions will be the same as for regular EFSF loans.

The fulfilment of the conditionality of the MoU shall be reassessed and the adequacy of a precautionary programme re-evaluated by the members of the Eurogroup Working Group, on the basis of an EFSF proposal that incorporates the analysis from the Commission, in liaison with the ECB, when funds are drawn by the beneficiary Member State. A decision shall be taken on a case by case basis by the Eurogroup Working Group on whether the beneficiary Member State steps out from its guarantee to the EFSF.

 

 

6. “A nova normalidade” orçamental aposta no controlo efectivo da despesa

 

A segunda parte do discurso de Carlos Costa olha depois para o pós-programa cautelar. É nesse contexto que defende regras orçamentais que garantam os resultados definidos no pacto orçamental e um “pacto de regime” em torno dessas metas; um “pacto social” em torno das políticas de rendimentos e da competitividade; e uma aposta numa economia mais dinâmica. Atentamos aqui à dimensão orçamental que, refere Carlos Costa, tem como objectivo:

 

é imperativo o equilíbrio orçamental, definido como um défice estrutural não superior a 0.5% do PIB. Adicionalmente, o rácio da dívida pública deverá convergir para 60% do PIB em 20 anos. A título ilustrativo, e admitindo hipóteses para o crescimento do PIB nominal e para a taxa de juro da dívida de cerca de 4 por cento por ano (em ambos os casos), a diminuição do rácio da dívida para o valor de referência requer excedentes orçamentais primários de cerca de 2 por cento do PIB, por ano, durante 20 anos. Trata-se de um esforço de consolidação orçamental sem precedente na história recente da economia portuguesa.

 

Perante a dimensão do desafio, o governador sublinha a importânica de criação de várias regras:

 

a disciplina orçamental deve assentar na definição de um Quadro Orçamental Plurianual viável e eficaz

 

A viabilidade desse Quadro deve ser suportada pelo estabelecimento de um designado “Pacto de Regime”, isto é, um acordo entre as principais forças políticas que defina de forma clara as restrições incontornáveis que se impõem ao(s) partido(s) que esteja(m) no governo (…) este acordo deve também contemplar regras de distribuição, entre redução de dívida pública e redução de impostos, de bónus de crescimento económico que venham a ocorrer

 

A eficácia do Quadro Orçamental Plurianual deve ser suportada pela definição de limites vinculativos para a despesa pública nominal num horizonte de médio prazo. Estes limites têm de ser respeitados nas propostas anuais de orçamento do Estado, só podendo ser ultrapassados em circunstâncias muito excecionais.

 

Ancorar a estratégia orçamental em limites plurianuais para a despesa pública tem a vantagem de responder à principal fonte de indisciplina das contas públicas que há décadas se manifesta em Portugal.

 

Rui Peres Jorge