Multiplicador errado, recessão à porta

17/10/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Fonte: João Miguel Rodrigues/Negócios

 

Qual será o impacto da consolidação orçamental sobre o crescimento do próximo ano? Esta é uma das perguntas de ouro do OE2014 – se por acaso a economia não crescer será difícil dissociar essa evolução do choque de austeridade proposto no documento. A resposta não é fácil, mas vale a pena perceber os riscos. Se o multiplicador orçamental (que mede o impacto da austeridade no PIB) for o até agora deefendido pelo Governo e pal Comissão Europeia, a economia portuguesa crescerá. Se pelo contrário for maior como avisam várias estudos do FMI e Banco de Portugal, então a recessão prolongar-se-á para 2014. E com ela o objectivo de défice falhará, o desemprego chegará aos 18% e dívida pública continuará a crescer.

 

Dados de partida: No relatório de Orçamento do Estado, o Governo prevê um crescimento real da economia 0,8% em 2014 e um aumento de PIB via preços de 0,9%. O PIB nominal rondará por isso os 168.200 milhões de euros.

 

O Executivo não avançou o multiplicador que usa, mas após a polémica do ano passado sobre os impactos da austeridade, Vítor Gaspar (secundado pela Comissão Europeia) apontou para um multiplicador de 0,8 pontos, isto é, cada 100 euros de austeridade retiraram ao PIB de 2013 cerca de 80 euros.

 

No entanto, vários estudos apontam para a possibilidade de multiplicadores mais elevados, que segundo um recente estudo do Banco de Portugal poderão mesmo chegar aos dois pontos no curto prazo.

 

Considerando um esforço de consolidação de 1,9 pontos de PIB, que traga o défice dos 5,9% para os 4% do PIB, o saldo da austeridade de 2014 rondará os 3.200 milhões de euros.

 

Isto significa um impacto negativo no PIB que varia entre os 2.560 milhões de euros (que estarão no Orçamento) e os 4.800 milhões (que resultam de um multiplicador de 1,5). Ou seja, caso o multiplicador seja o mais elevado, o PIB será inferior em 2.240 milhões de euros ao previsto.

 

Em vez dos 168.200 milhões de euros o produto criado em Portugal ficará pelos 166 mil milhões. Admitindo o mesmo aumento de preços, este valor significa uma recessão de 0,5% no próximo ano.

 

Venham as próximas previsões para ver o que acham o Banco de Portugal e a OCDE. Considerando a experiência do ano passado (em que Executivo e troika apontaram para uma queda do PIB em 2013 de apenas 1%) é impossível não ficar preocupado.

Se o crescimento do PIB vier a ser 1 ponto percentual mais baixo (-0,2% em vez de 0,8%), o relatório do Orçamento do Estado antecipa as implicações: défice ficará nos 4,3% do PIB e não nos 4%, desemprego subirá de 17,7% para os 18% e a dívida pública aumentará de 126,6% para 128%.

 

 

Fica a explicação das Finanças:

O menor crescimento do PIB em 1 p.p. tem como efeito a diminuição do saldo das administrações públicas em 0,3 pontos percentuais. Para este efeito, concorre não só o efeito directo da diminuição das receitas fiscais (devido à diminuição do consumo privado) mas também o efeito de um maior desemprego (e menor emprego), o que implica um aumento das prestações sociais de subsídio de desemprego e uma diminuição na receita de contribuições sociais e colecta de IRS. O rácio da dívida pública em termos do PIB tem um acréscimo estimado em cerca de 1,5 p.p., por via do aumento do défice orçamental mas sobretudo por via da diminuição do PIB nominal.  

Rui Peres Jorge