Maria Luís Albuquerque, uma questão de convicção

21/10/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

A equipa das Finanças na tomada de posse. Da esquerda para a direita: Hélder Rosalino (Sec. Estado da Administração Pública), Paulo Núncio (SE Fisco), Manuel Rodrigues (SE Finanças), Joaquim Pais Jorge (SE Tesouro, entrentanto substituido após demissão por Isabel Castelo Branco), Hélder Reis (SE Orçamento) e Maria Luís Albuquerque (ministra) Fonte: Negócios

 

 

Maria Luís Albuquerque explicou em entrevista ao Negócios (disponível apenas para assinantes) o essencial das opções do Orçamento do Estado para 2014. Existem vários pontos que merecem reflexão, mas um dos mais interessantes é a forma pragmática como a ministra da Finanças desvaloriza, no actual contexto, os modelos e os instrumentos de análise dos efeitos na economia da austeridade e dos estímulos orçamentais.

A responsável considera que o debate em torno dos multiplicadores orçamentais (instrumento que estima os impactos das decisões orçamentais na economia e que tem incendiado o debate internacional) não é útil, por um lado porque “99% da população não sabe o que é o multiplicador e não quer saber” e  por outro por que “os estudos que demonstravam o que quer que fosse no início do programa de ajustamento apontavam para um resultado que não tem nada a ver com o que verificámos”.

Assim, no caso do IRC a ministra diz mesmo que a decisão é tomada por uma questão de convicção, não existindo uma estimativa para o seu efeito na economia. Sobre o impacto potencialmente recessivo dos cortes orçamentais, Maria Luis Albuquerque considera que “uma boa parte desse efeito tem de já estar descontado nas expectativas”.

 

A posição de Maria Luis Albuquerque pode surpreender pelo facto de Vítor Gaspar ter, em parte, justificado a sua demissão pela credibilidade perdida com os sucessivos erros de previsão causados por um impacto orçamental na economia interno superior ao que antecipou:

 

 

In: Carta de demissão de Vítor Gaspar

Mas a opção de desvalorizar os modelos económicos não é uma posição de vanguarda na política europeia. Em Fevereiro, Olli Renh, o maestro da estratégia económica europeia, escreveu aos ministros das Finanças exactamente a depreciar a discussão em torno dos multiplicadores orçamentais que, também ele, considerou pouco útil:

 

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In, carta de Olli Rehn aos ministros das Finanças em Fevereiro

 

Maria Luis Albuquerque alinha pelos mesmos argumentos, pode-se concluir da entrevista. Aqui ficam alguns excertos:

 

Multiplicadores e efeitos da austeridade no crescimento

 

E se tivermos uma nova recessão criada pela austeridade, que ilações é que o Governo retira da sua estratégia?

Não faço cenários dessa natureza, não acho útil. Estas medidas tinham sido anunciadas em Maio e a confiança dos consumidores tem vindo a aumentar consecutivamente. Uma boa parte desse efeito tem de já estar descontado nas expectativas. Há no entanto outros riscos, até de vertente externa e outros para lá do nosso controlo que podem levar a evoluções diferentes. Tanto quanto conseguimos prever as perspectiva são positivas.

 

Qual é o multiplicador implícito nas previsões macroeconómicas?

 

Não tenho esse dado. E acho que essa é outras das discussões que acho que não acrescenta nada. A generalidade da população, diria 99% da população não sabe o que é o multiplicador e não quer saber.

 

Mas querem saber qual o impacto da austeridade no crescimento.

 

Está incluído no cenário macro.

 

 

Multiplicadores e efeitos do IRC no crescimento

 

Qual é a estimativa do impacto da reforma do IRC no emprego e crescimento?

 

A reforma do IRC está incluída no cenário macroeconómico. Tudo isto são efeitos dinâmicos. Nenhuma das medidas incluídas no OE determina por si só um resultado em termos de cenário macroeconómico.

 

Os estudos revelam que só há efeitos no crescimento e no investimento quando a descida do IRC é muito significativa. Até que ponto é que  isto não acaba por ser apenas um  alívio da tesouraria e aumento da margem das empresas?

 

Se os estudos demonstrassem alguma coisa, a nossa situação hoje seria diferente da que é. Porque os estudos que demonstravam o que quer que fosse no início do programa de ajustamento apontavam para um resultado que não tem nada a ver com o que verificámos. Sendo eu economista e percebendo da relevância dos estudos para tentarmos antecipar os efeitos, em situações como aquela em que estamos agora, em que a estrutura da economia sofre alterações tão profundas, os “estudos que demonstram o que quer que seja” têm limitações sérias.

 

(….)

 

É uma questão de convicção que a reforma do IRC abre caminho a melhores perspectivas de crescimento no futuro e que nós devíamos o quanto antes iniciar esse processo.

Rui Peres Jorge