A inflação atingiu os 4% em Portugal revelou hoje o INE. Paula Carvalho, do BPI, salienta os desafios que se colocam pelo maior aumento de preços homólogo da década. Já José Moreira do Montepio evidencia que a inflação sem energia e bens alimentares está nos 2,4%, ou seja, também acima dos 2% que o BCE assume como limite para a média da Zona Euro.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor
Paula Carvalho – Departamento de Estudos do Banco BPI
1. O andamento dos preços ao consumidor (variação face ao período homólogo) atingiu valores máximos desde há cerca de 1 década, 4%. Subjacente a este comportamento está o aumento da carga fiscal – nomeadamente impostos indirectos (IVA, tabaco, combustíveis…) -, actualizações de alguns preços regulados (electricidade e tarifas dos transportes públicos, por exemplo) mas também o aumento dos preços dos combustíveis. A taxa de inflação média aumentou para 2.3% e possivelmente deverá superar 3.5% no final do ano (a nossa previsão é 3.8%).
2. É verdade que uma parte significativa deste aumento dos preços se fica a dever ao esforço de consolidação orçamental, via aumento do IVA e outros impostos ad-valorem (sobre o tabaco, por exemplo) e também das tarifas dos transportes públicos. Todavia, verifica-se um contributo importante dos preços dos combustíveis: repare-se que a taxa de inflação dos produtos energéticos (informação do INE) se situou em 13.3% enquanto a dos restantes produtos (Total excepto produtos energéticos) se fixou em apenas 2.6%! Facto que suscita algumas interrogações, pois os preços dos combustíveis praticados ao consumidor superaram os máximos atingidos em 2008, quando os preços do petróleo nos mercados internacionais ainda não atingiram os máximos nessa altura – recordamos que o barril de Brent ultrapassou 143 dólares e cerca de 90 euros, patamares que excedem os valores actuais.
3. Qual o problema do regresso da inflação aos 4%? De facto, em 2001-2002 já se verificaram estes ritmos de crescimento dos preços…. Todavia, importa recordar dois factores importantes: por um lado, o aumento dos preços ao consumidor nessa altura traduziu em parte o fenómeno de substituição da moeda fiduciária, o euro físico; em segundo lugar, este ritmo de actualização dos preços sucedeu-se a uma época em que a riqueza nacional crescia (em termos reais) em torno da fasquia dos 4%. Pelo que era relativamente fácil acomodar estes acréscimos de preços, pois as remunerações nominais tendiam, pelo menos, a acompanhar a inflação.
4. Actualmente o contexto é totalmente diferente: a actividade económica deverá contrair-se, a taxa de desemprego está em valores máximos históricos, os salários não acompanharão a inflação – as remunerações dos funcionários públicos recuaram, as negociações salariais no sector privado apontam para políticas de actualização contidas -; em suma, o ritmo acelerado de crescimento dos preços constitui um factor adicional a pesar sobre o rendimento disponível das famílias, agravando as perspectivas já de si pouco animadoras para o consumo privado. Ora, é certo que a contenção do consumo privado faz parte do processo curativo pelo qual a economia portuguesa tem que passar. Todavia, seria importante que tal decorresse em simultâneo com o aumento da poupança das famílias por forma a encolher o défice externo. Igualmente problemática é a subida de preços superior aos pares Europeus (inflação de 2.6% em Março, na UEM). Uma forma mais suave do ajustamento do desequilíbrio externo é a observação da inflação mais baixa nos países com problemas de competitividade externa por contrapartida com inflação superior no centro da Europa. Desde meados de 2007 que Portugal tinha beneficiado deste mecanismo correctivo que, aparentemente, agora perde. Preocupante é que esta perda pareça estar sobretudo associada a preços em sectores regulados, onde, em princípio seria mais fácil criar incentivos ou mover os preços no sentido desejável ao ajustamento macroeconómico pretendido.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. O Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou, em Março, um crescimento homólogo de 4.0%, em considerável aceleração face ao registo do mês anterior (+3.5%), depois de ter registado uma ligeira desaceleração no mês anterior (-0.1 p.p.). Trata-se, assim da 2ª forte aceleração observada pelos preços durante o 1ºT2011, tendo a de Janeiro se revelado, recorde-se, bastante mais intensa (+1.1 p.p.), na altura, reflectindo o considerável agravamento da taxa normal do IVA observado no início deste ano (de 21% para 23%). Com esta aceleração, o IPC passou a evidenciar o crescimento homólogo mais elevado desde Fevereiro de 2003.
2. Em termos mensais, o IPC registou um forte acréscimo de 1.6%, depois de ter estagnado, em Fevereiro, com o maior contributo a ser dado pela classe de Vestuário e Calçado – com uma variação mensal de 29.7%, resultado da entrada das novas colecções de artigos –, sendo de destacar, igualmente, a contribuição da classe dos Transportes – cujos preços subiram 1.8%, reflectindo os preços dos combustíveis e lubrificantes. Por sua vez, a Inflação Homóloga continuou a ser impulsionada, sobretudo, pela classe dos Transportes, que manteve a maior contribuição para a variação homóloga do IPC (reflectindo a própria evolução dos preços da Energia nos mercados internacionais), seguida da de Habitação, Água, Electricidade, Gás e Outros Combustíveis e dos Produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas. A única contribuição negativa para a taxa de variação homóloga do IPC foi, uma vez mais, dada pela classe do Vestuário e Calçado.
3. Já a taxa de variação homóloga do IPC Core (que exclui a Energia e os Bens Alimentares Não Transformados) foi de 2.4%, bastante inferior à do IPC geral mas representando uma aceleração idêntica à observada por este último (+0.5 p.p.). O diferencial entre a taxa de variação homóloga deste indicador e a do IPC continuou, assim, a assumir um valor negativo, pela 16ª vez (consecutiva) desde Outubro de 2008, evidenciando que as pressões inflacionistas advêm, essencialmente, dos preços das commodities. Todavia, e como revelam, igualmente, estes dados, a Inflação Core também não está imune às alterações fiscais observadas no início do ano, as quais, admite-se, ainda poderão fazer-se sentir no decorrer dos próximos meses, atendendo a que parte dos empresários que ainda não reflectiu o agravamento da carga fiscal nos preços junto do Consumidor, podendo fazê-lo de uma forma progressiva (se não de forma total, pelo menos parcial). O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) registou, igualmente, um acréscimo mensal de 1.6%, mas tendo a sua variação homóloga acelerado ligeiramente menos do que o IPC (+0.4 p.p., para 3.9%). O IPCH português apresenta um crescimento homólogo acima do estimado pelo Eurostat para a Zona Euro (+2.6%), o que acontece apenas pela 9ª vez (consecutiva) desde Agosto de 2007, tendo-se assistido a um agravamento de 0.2 p.p. dessa diferença.
4. Em termos prospectivos, excluindo o impacto do aumento da tributação indirecta (que, como referido, ainda poderá fazer-se sentir nos próximos meses), esperamos que os Preços no Consumidor evoluam em linha com os custos salariais e os preços de importação, não se antevendo alterações substanciais das margens de lucro, após as compressões registadas no passado recente. Recorde-se que, nas suas últimas Previsões Económicas, o Banco de Portugal (29 de Março) reviu em forte alta a Taxa de Inflação para 2011, de 2.7% para 3.6% – reflectindo as medidas de consolidação orçamental e a evolução dos preços das matérias-primas –, prevendo, no entanto, uma considerável desaceleração no próximo ano, para 2.0%. Trata-se de valores bastante superiores aos ainda mais recentemente apresentados pelo FMI, no seu último World Economic Outlook (11 de Abril) – 2.4%, em 2011, e 1.4%, em 2011 –, mas que nos parecem bem mais realistas que estes últimos. Na verdade, mesmo que se assumisse que o IPC iria estagnar mensalmente até final do ano (hipótese altamente improvável), a sua variação anual ascenderia aos 3.2%. Note-se, ademais, que os riscos para a Inflação, em 2011 e 2012, permanecem ascendentes e condicionados pela instabilidade política e económica nos países produtores de Petróleo, que poderá levar a uma maior subida dos preços dessa matéria-prima.
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