Ministério das Finanças no Terreiro do paço em Lisboa Fonte: Mário Proença/Bloomberg
A próxima vez que disser dívida pública, pense duas vezes. Ou pelo menos, tenha presente que pode estar a dizer uma meia dúzia de coisas diferentes, que variam entre si vários milhares de milhões de euros.
Vem este post a propósito de uma história interessante que o Público tinha ontem sobre o facto das entidades públicas se estarem a expor cada vez mais à dívida do próprio Estado (a mesma que os estrangeiros não querem nem ver) e os seus impactos que tal estava a ter na medição da dívida pública.
Desde sempre que há entidades públicas que detêm dívida do Estado (por exemplo, o Fundo de Estabilização da Segurança Social investe em obrigações nacionais). Para Bruxelas (critério de Maastricht) o que conta é a dívida consolidada, ou seja: a dívida bruta total subtraída destas dívidas entre entidades públicas.
Como a dívida entre as entidades públicas se manteve estável entre 2007 e 2009 – em torno dos 15 a 16 mil milhões de euros – nos últimos anos ninguém olhava muito para este valor. Acontece que em 2010 e 2011 a dívida entre entidades públicas disparou mais de 10 mil milhões de euros, ultrapassando os 25 mil milhões. A UTAO, na sua última nota sobre dívida pública, conclui mesmo que este facto tem até contribuído para baixar o rácio de dívida pública que conta para Bruxelas. Apesar do endividamento bruto continuar a subir.
A confusão em torno dos conceitos dívida pública aumentou ainda mais com o programa de assistência financeira da troika. Isso mesmo foi notado pelo Banco de Portugal quando, em Fevereiro, publicou o seu novo capítulo do boletim estatístico sobre endividamento, aproveitando essa ocasião para incluir uma útil explicação das várias definições de dívida pública.
Antes de prosseguir, ajuda saber que os dois conceitos mais importantes são a dívida pública reportada a Bruxelas segundo os critérios de Maastricht (183,3 mil milhões de euros ou 107,2% do PIB, no final de 2011) e a dívida pública considerada no âmbito da avaliação do programa de assistência financeira (167,8 mil milhões de euros ou 98,2% do PIB, no final de 2011). Mas além destas há muitas mais, como evidenciou o banco central num quadro e anexo replicamos quase sem alterações.
As muitas dívidas públicas
1. Dívida não consolidada das administrações públicas: 212,7 mil milhões de euros (124,5% do PIB)
Corresponde à soma da dívida não consolidada da administração central, da administração regional e local e dos fundos da Segurança Social. Inclui: empréstimos, títulos de dívida, certificados de aforro, certificados do Tesouro e outras responsabilidades do Tesouro, créditos comerciais. Inclui a dívida não consolidada das empresas públicas compreendidas nas administrações públicas e que estão consideradas na administração central ou na administração regional e local, consoante o seu detentor.
2. Dívidas entre entidades das administrações públicas: 25,3 mil milhões de euros (14,8% do PIB)
Dívida pública na posse de entidades públicas
3. Dívida consolidada das administrações públicas: 187,3 milhões de euros (109,6% do PIB) (resulta de 1-2)
Corresponde à dívida não consolidada das administrações públicas deduzida da componente de dívida entre entidades do próprio setor. Por exemplo, excluem-se as obrigações do Tesouro emitidas pela administração central que estão na carteira dos fundos da Segurança Social; os empréstimos do Tesouro às empresas públicas incluídas nas administrações públicas. Inclui: empréstimos, títulos de dívida, certificados de aforro, certificados do Tesouro e outras responsabilidades do Tesouro, créditos comerciais. Inclui a dívida consolidada das empresas públicas classificadas nas administrações públicas.
4. Créditos comerciais obtidos pelas adminitrações públicas: 4 mil milhões de euros (2,3% do PIB)
Valor de créditos junto de fornecedores ou junto de entidades financeiras para o mesmo fim.
5. Dívida na ótica de Maastricht: 183,3 mil milhões de euros (107,2% do PIB) (resulta de 3-4)
Corresponde à dívida consolidada das administrações públicas deduzida dos créditos comerciais (avaliados em 4 mil milhões de euros).
6. Dívida na ótica de Maastricht líquida de depósitos da administração central: 169 mil milhões de euros (98,8% do PIB)
Dívida de Maastricht sem os depósitos da própria administração
7. Exclusões para avaliação no âmbito do Programa de Assistência Financeira (PAF): 15,5 mil milhões (9,1% do PIB)
No âmbito do PAF, há várias despesas que contribuem para a dívida pública que são excluídas de cálculo. Exclui: (i) dívida contraída para efeitos da recapitalização dos bancos; (ii) depósitos do IGCP; e (iii) (a partir de final de setembro 2011) prépagamento de margem dos empréstimos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF).
8. Dívida para avaliação no âmbito do PAF: 167,8 mil milhões de euros (98,2% do PIB)
Dívida contabilizada no âmbito do PAF que compara, no caso de 2011, com o limite anual de 175,9 mil milhões de euros
E ainda:
a. Dívida das empresas públicas: 46,1 mil milhões de euros (27% do PIB)
Corresponde à soma da dívida não consolidada das empresas públicas incluídas nas administrações públicas e das empresas públicas não financeiras não incluídas nas administrações públicas. Inclui: empréstimos, títulos de dívida, créditos comerciais.
b. Dívida do setor público não financeiro: 236 mil milhões (138% do PIB)
Corresponde à dívida não consolidada das administrações públicas acrescida da dívida não consolidada das empresas públicas não incluídas nas administrações públicas. Inclui: empréstimos, títulos de dívida, certificados de aforro, certificados do Tesouro e outras responsabilidades do Tesouro, créditos comerciais.
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