Era uma vez um desvio colossal

13/04/2012
Colocado por: Pedro Romano

Já muita gente não se lembra, mas em Julho de 2011 o primeiro-ministro marcou a sua primeira ida ao Parlamento com o anúncio de uma taxa sobre o subsídio de Natal. O argumento: teria sido encontrado um desvio nas contas de 2011, depois da publicação das contas nacionais do primeiro trimestre, as primeiras do ano a revelar as contas públicas numa base “accrual”. O episódio ficou conhecido como o caso do desvio colossal.

 

Que as contas do ano passado foram mal feitas, ninguém duvida. Mas, em retrospectiva, as justificações concretas dadas na altura não parecem colar com as contas finais de 2011, que foram agora publicadas pelo INE. Damos dois exemplos, mas estes são apenas os mais fáceis de identificar. Há muitas outras lacunas nas explicações e justificações dadas há alguns meses por Vítor Gaspar e Passos Coelho.

 

1 – Despesas com pessoal

 

Em Julho, Vítor Gaspar identificou um desvio de 580M€ nas despesas com pessoal. A justificação estava nas contas nacionais do primeiro trimestre. As contas do INE mostravam que a remuneração de empregados tinha caído 5,9% face ao período homólogo, menos do que a meta inscrita no PAEF (de 7,2%). Em virtude disto, a meta foi revista na segunda avaliação do programa, para uma redução da factura salarial na ordem dos 5,6%.

 

As contas do segundo trimestre revelaram, porém, que as despesas já estavam a cair 7,2%. E este valor acelerou para 9,2% no terceiro e quarto trimestres. No final do ano, os gastos com pessoal recuaram 8,2%, um número que chegou a ficar acima das expectativais iniciais da troika. Para desvio, não está mau. E nem referimos aqui que este impacto positivo nas contas de 2011 é uma revisão de níveis de despesa que “transita” para 2012 e tem aí novamente um impacto positivo (ao qual o OE 2012, de resto, nem sequer faz referência).

 

2 – Despesa com juros

 

Voltemos ao documento apresentado a 26 de Outubro por Vítor Gaspar na COF. Na altura, o ministro das Finanças argumentou que a despesa com o pagamento de juros teria sido mal calculada, e que à previsão inicial fixada no primeiro PAEF, de 7.127 milhões de euros, teriam de ser acrescidos mais 169 milhões. Na altura, o “erro de cálculo” gerou alguma perplexidade, dado que esta é, à partida, uma das rubricas cujo perfil de despesa é mais fácil de prever.

 

Segundo as contas finais de 2011, por outro lado, os gastos com juros da dívida pública ficaram nos 6,6 mil milhões de euros – menos quase 700 milhões de euros do que a estimativa anterior. Claro que entretanto os países europeus reviram, de forma retroactiva, a taxa de juro a pagar pelos empréstimos “oficiais”, mas esta desculpa é fraca, tendo em conta que isto já se sabia pelo menos desde Setembro de 2011 (confirmar neste post). Algo não bate bem.

 

Resumindo, há vários dados que não batem certo com as justificações apresentadas em 2011. Com o problema adicional de estas incertezas implicarem ainda mais ruído na análise das contas de 2012. A este respeito, veja-se que a receita de extraordinária com a atribuição de licenças para explorar telemóveis 4G, que foi identificada como um “desvio negativo” nas contas de 2011, foi recentemente apresentada como “receita extraordinária” em 2012 – como se não tivesse sido possível prever atempadamente que a concessão seria feita este ano. E a verdade é que, entre tantas contas e revisões de contas, a consolidação “estrutural” de 2012 passou de 4,3 para 3,1% do PIB.

 

Nota: acerca dos problemas do Orçamento do Estado para 2012, leia-se também Um Orçamento Extraordinário.

 

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