Vítor Gaspar a caminho da sua intervenção da semana passada no Peterson Institute for International Economics Fonte: Joshua Roberts/Bloomberg
A apresentação da economia portuguesa que Vítor Gaspar levou consigo para a Europa e os Estados Unidos permitiu, segundo o próprio, descansar os americanos quanto à situação económica europeia. Mas também deixou aliviados os deputados do Partido Socialista. É que, de acordo com João Galamba, a apresentação é elogiosa para com as reformas empreendidas por José Sócrates e, até, António Guterres, e desmistifica a ideia de que os últimos dez anos foram “uma década perdida” em termos de reformas estruturais.
Na passada quarta-feira, no debate de urgência convocado pelo PCP para debater as consequências do programa de ajustamento português, João Galamba aproveitou para criticar as intenções de reforma estrutural do Governo, que ainda “não conhecemos e não sabemos como vão acontecer”. Ao contrário das que foram empreendidas nas passadas legislaturas. “A apresentação do ministro das Finanças em Nova Iorque deu-nos uma grande novidade, que não vai agradar ao PSD, CDS nem ao senhor ministro [Miguel Relvas, que estava a representar o Governo]”, afirmou.
Porquê? “É que afinal a década perdida das reformas estruturais, que nunca aconteceram, é desmentida pelo senhor ministro”. O deputado falava dos “slides” 56 até ao 61, que, em cabeçalho, dizem o seguinte: “ongoing structural transformation”. Para João Galamba, trata-se da “transformação estrutural que ocorre entre 2000 e 2010, nas exportações, no valor acrescentado das exportações, na educação, no ambiente de negócios”.
Será mesmo assim?
Entre 2000 e 2010, há um aumento do número de pessoas com educação superior em todas as faixas etárias, apesar de, no global, o conjunto de portugueses com esse nível de ensino ainda estar longe da média europeia (apesar de estar à frente de Itália, última classificada). Em termos comparativos, porém, Portugal era, em 2009 e entre 21 países europeus, aquele com mais cidadãos doutorados.
No mesmo período, as exportações também se diversificaram, deixando de estar tão dependentes da União Europeia e aumentando para os PALOP, para os membros da OPEP e para o Brasil (também aumentaram para os outros, mas não se especifica quais). Além disso, a tecnologia associada aos bens exportados já não é tão predominantemente baixa como em 2000 (quando era de 44,2%; agora é de 37,4%). Mas os bens vendidos com alta intensidade tecnológica altamente tecnológicos diminuíram. O maior incremento é nos bens com tecnologia “média-baixa”.
Em suma, há efectivamente o reconhecimento de uma evolução positiva em termos de educação e diversificação das exportações. Ainda assim, a evolução na educação não foi suficiente para deixar Portugal junto da média europeia. E as exportações, sendo evidente a maior diversificação, continuam a pesar pouco no PIB nacional.
Contas públicas: todos os indicadores pioram
Mas se a apresentação de Gaspar é favorável aos socialistas – e à anterior legislatura – nas reformas estruturais, não deixa de ser dura quando se refere ao mercado de trabalho e às contas públicas e externas.
O “slide” 8 é revelador: entre 1999 e 2010, “o PIB de Portugal cresceu a uma taxa média anual de 1%, que compara com 1,4% na Zona Euro”. A posição de investimento internacional líquido portuguesa (os activos que os estrangeiros detêm sobre Portugal, o que inclui dívida mas também investimento directo e de carteira) piorou consideravelmente durante toda a década: se em 2000 rondava os -30%, em 2010 já estava acima dos -100%. O pior resultado entre os membros da Zona Euro, observa Gaspar.
O falhanço das previsões orçamentais dos vários Pactos de Estabilidade e Crescimento, no slide 43, ilustra bem a forma como, na última década, o défice evoluiu sempre ao contrário daquilo que estava previsto. Até mesmo quando, entre 2002 e 2005, era a coligação PSD/CDS que estava no poder.
No desemprego jovem e de longo prazo, Portugal também não sai bem no retrato e fica muito acima das médias. Gaspar critica “a protecção de vários sectores da economia”, as “fracas condições para a actividade empreendedora” e a “rigidez do mercado laboral”, causadora das elevadas percentagens de desemprego jovem e de longo prazo. Este é, aliás, um indicador que disparou desde que Gaspar assumiu a pasta das Finanças, estando já acima do que previu para todo o ano de 2012.
Analisando todo o documento, o elogio ao início da transformação estrutural na última década – que começou com um Governo PS (de António Guterres), prosseguiu com uma coligação de direita (2002-2005) e terminou com novas legislaturas PS – é verdadeiro, como frisa Galamba e muitas vezes custa a muitos reconhecer, quando dentro de fronteiras. Mas é também verdade que isso de pouco serviu perante a acumulação de vários desequilíbrios assustadores no mesmo período.
Pode consultar aqui todo o documento:
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