Costa ainda mal viu os poderes que Bruxelas ganha com desvio de Passos

11/02/2016
Colocado por: Rui Peres Jorge

Costa e passos

Crédito: Bruno Simão / Negócios

Em Maio a Comissão Europeia irá avaliar porque razão o país não fechou o Procedimentos dos Défices Excessivos (PDE) em 2015, como lhe foi recomendado em 2013. Como damos conta no Negócios esse pode ser um dos legados de Passos Coelho mais penalizadores para António Costa que, por estes dias, também não gozará de muita confiança da Comissão após as intensas negociações em torno do esboço orçamental. Mas se a pressão agora foi grande, em Maio o poder de fogo de Bruxelas será bem superior. Se a Comissão concluir Portugal não adoptou “medidas eficazes” para reequilibrar as suas contas, o PDE deverá ser escalonado. São possíveis (mas não obrigatórias) multas e são quase certos controlos adicionais que, dependendo da graduação da sanção, poderão até fazer lembrar os anos da troika. Eis o que prevêem as regras.

 

1 – Procedimento dos défices fica aberto

 

Ao abrigo do artigo 126 do Tratado da UE (que define o procedimento dos défices excessivos) o Conselho da UE estabeleceu, em Junho de 2013, que Portugal deveria fechar cortar o défice orçamental global para menos de 3% do PIB em 2015, garantindo uma redução do défice estrutural (o que desconta o efeito do ciclo económico e das medidas temporárias) em todos os anos (e de pelo menos 0,5 pontos de PIB).

“Portugal should bring the headline deficit to 5,5 % of GDP in 2013, 4,0 % of GDP in 2014 and 2,5 % of GDP in 2015, which is consistent with an improvement in the structural balance of 0,6 % of GDP in 2013, 1,4 % of GDP in 2014 and 0,5 % of GDP in 2015”

Ora, mesmo sem a resolução do Banif decidida no final de 2015, o défice do ano passado deverá ficar em 3,1% do PIB, diz o Governo. Com o Banif, o valor salta para 4,3% do PIB. Pior, a última estimativa do Governo aponta para um agravamento do saldo estrutural em 2015 de 0,5 pontos de PIB. Estes valores serão confirmados em Abril (pelo Eurostat para o saldo global) e Maio (pela Comissão para o saldo estrutural). O que se seguirá?

 

2. Comissão avalia razões da falha

 

Perante a violação das metas, a Comissão terá em Maio de recomendar novas metas para a conclusão do PDE e avaliará o que levou o país a incumprir. Em particular, as regras europeias  definem que se analise se Portugal adoptou “medidas eficazes” (“effective action”) para reduzir o desequilíbrio das contas públicas, tendo como principal indicador o ajustamento orçamental estrutural implementado:

“In brief, Member States that have improved their structural balance in line with the recommendations will be assessed as having taken effective action”

 

E é aqui que 2015 (mas não só) trama Portugal – mas já lá vamos.

 

Antes, prepare-se para ver  uma das imagens mais esclarecedoras sobre as dificuldades de avaliar o esforço orçamental de cada país.

 

Effective Action

 

Confuso? Bom, é para estar.

 

Como ficou claro nas últimas semanas, o cálculo do saldo estrutural é um exercício complicado: além de excluir medidas temporários ou extraordinárias, depende ainda de uma estimativa para o desequilíbrio das contas públicas se a economia estivesse no seu potencial [uma abstracção por definição]).

 

Mas o que a árvore acima no diz é que a complicação não termina aí. A tentativa de tornar o Pacto de Estabilidade mais inteligente conduziu a que a avaliação do esforço estrutural (S) seja medida contra o esforço recomendado pela União Europeia ao país (Srec), mas também levando em conta uma medida de esforço ajustado (S*) a eventuais erros de previsão que tenham sido cometidos no momento da recomendação (em particular erros sobre o PIB potencial, o crescimento da economia e sua composição, ou eventos inesperados e fora do controlo do governo com impactos nas receitas e despesas).

 

Se a análise deixar dúvidas, então a Comissão analisará em detalhe a evolução da despesa, para as medidas adoptadas do lado da receita, e para a composição do crescimento.

 

Mas será que há dúvidas no caso português?

 

É aqui que Passos trama Costa. É que ao contrário da redução recomendada de 0,5 pontos no défice estrutural de 2015, Portugal terá, segundo as estimativas do Governo registado um agravamento do défice estrutural de 0,5 pontos. E mesmo desde 2013, data da recomendação, a redução anual do défice ficou pela metade do recomendado: 0,3 pontos em 2013 (contra recomendação de 0,6 pontos); 0.6 pontos em 2014 (contra 1,4 pontos recomendados).

 

Vários especialistas contactados pelo Negócios oscilam entre o “não há dúvidas” que a Comissão considerará que Portugal não tomou medidas eficazes, e o reconhecimento do “elevado risco” de que esse venha a ser o resultado da avaliação de Maio pela Comissão.

 

Como factores atenuantes da situação portuguesa, poderá ser considerado que o défice global sem Banif fica muito próximo dos 3% do PIB, e que o esforço de consolidação dos últimos anos foi, ainda assim, significativo. Uma possível expectativa de que o país mantenha o défice orçamental em valores inferiores a 3% este ano, e em 2017 e 2018 também ajudaria (Aqui será decisivo o Programa de Estabilidade que o Governo entregará em Abril e as previsões da Primavera da Comissão que se lhe seguem).

 

Mas se há atenuantes, haverá também potenciais agravantes, desde logo o plano de em 2016 implementar um ajustamento estrutural de 0,1 a 0,2 pontos (na avaliação da Comissão; o Governo estima 0,3 pontos), aquém do recomendado por Bruxelas.

 

Se as atenuantes levassem a melhor, a Comissão poderia propor ao Conselho da UE que fosse emitida nova recomendação ao país para fechar o procedimento em 2016 (ver ponto 4). Neste momento no entanto o mais provável parece ser que as atenuantes sejam consideradas, mas sim para efeitos da graduação das sanções após a conclusão pela Comissão de que o País não tomou, de facto, “medidas eficazes” para reequilibrar estruturalmente as contas.

 

3. Sem “medidas eficazes”, haverá sanções

 

Mas que sanções tem a União Europeia ao seu dispor para países indisciplinados? É aqui que o mês de Maio se revela muito mais perigoso para o Governo do que as pressões de Janeiro e Fevereiro em relação ao esboço do Orçamento do Estado.

 

É que em contraste com os mecanismo previstos ao abrigo do Semestre Europeu – que definem a obrigatoriedade de um visto prévio de Bruxelas ao esboço orçamental – ao abrigo do Procedimento dos Défices Excessivos a Comissão Europeia pode ir muito além de um veto político. Uma violação do PDE pode dar dar direito a multas e vários controlos. Eis o que dizem as regras:

 

1. Em Maio, a Comissão recomendaria ao Conselho da UE que reconheça que não foram tomadas “medidas eficazes”; e que accione os mecanismos de controlo mais apertado da política orçamental.

 

2. Em Junho (provavelmente), o Conselho decide sobre as recomendações da Comissão. Se concordar, tem início o escalonamento do PDE;

 

3. Nesse contexto, a Comissão poderá decidir visitas ao país para perceber o que está a acontecer com a gestão orçamental e informar o Conselho;

 

4. A Comissão emitiria nos 20 dias seguintes uma recomendação ao Conselho para que aplique (ou desculpe) o país de uma multa que poderá ir até 0,2% do PIB (360 milhões de euros que seriam entregues ao Mecanismo Europeu de Estabilidade).

 

5. No espaço de dois meses (ou seja lá para Agosto) o Conselho teria de recomendar ao país que adopte medidas para pôr as contas nos eixos. A Comissão deveria usar este tempo para propor medidas concretas de reequilíbrio das contas públicas.

 

6. Após a recomendação pelo Conselho de medidas concretas, com calendário de aplicação, o país fica obrigado a prestar contas e a Comissão terá a obrigação de fiscalizar a evolução no terreno. Se concluir que o país não está a tomar medidas eficazes, então poderão avançar multas (mais pesadas) e (novas) sanções até ao final do ano.

 

4. Bruxelas tem um poder intermédio?

 

Sim, tem, pode por exemplo emitir uma recomendação autonóma – a qual não carece de aprovação pelo Conselho – para que o país adopte as medidas necessárias para cumprir com as recomendações que recebeu ao abrigo do PDE, do semestre europeu e da opinião sobre o Orçamento do Estado. Foi o que aconteceu em 2013 à Estónia.

 

Até agora estas recomendações foram emitidas antes de se chegar ao fim do prazo de conclusão do PDE, mas o mecanismo poderia ser usado para suavizar o escalonamento do PDE e dar mais algum tempo ao Governo. Esta poderá ser a aposta de António Costa nas negociações que se adivinham, e para quais será também relevante a avaliação que Bruxelas fará do Programa de Estabilidade que será entregue em Abril.

 

Paralelamente, ao abrigo do regulamento que define o controlo orçamental que Bruxelas pode exercer sobre um Estado-membro ao abrigo do Semestre Europeu, a Comissão pode ainda decidir um controlo “progressivamente reforçado” das contas públicas do país.

Rui Peres Jorge