As (possíveis) contas da Madeira

22/09/2011
Colocado por: Pedro Romano

As contas da Madeira têm gerado polémico, devido a despesas aparentemente não reportadas e responsabilidades “escondidas” a que as autoridades estatísticas não tiveram acesso. No Massa Monetária perdemos algum tempo a analisar todo o material disponível – relatórios do Tribunal de Contas, boletins da DGO e Orçamento da Madeira – para chegar a um valor plausível. Os números devem ser lidos com cautela, mas podem lançar alguma luz acerca das verdadeiras responsabilidades da Região.

 

O quadro exposto em baixo revela todas as responsabilidades que foi possível apurar, expressas em percentagem do PIB regional. O exercício tem algumas limitações técnicas que são explicadas mais abaixo.

 

 

1) A Dívida directa constitui toda a dívida financeira da responsabilidade directa da Região Autónoma, desde títulos emitidos a créditos bancários. É apenas esta dívida que é assumida no Orçamento madeirense. Como se verifica, o valor é de cerca de 20% do PIB regional e não tem subido muito nos últimos anos. 

2) A Dívida indirecta é toda a dívida garantida indirectamente pela Região. É o caso de um aval ou garantia de crédito dada a uma empresa que quer emitir dívida nos mercados.

3) A Dívida administrativa são responsabilidades que não levaram à emissão de dívida financeira mas que constituem “dívida” no sentido trivial da palavra. É o caso de dívidas a fornecedores e despesas que ficaram por pagar.

4) Empresas públicas, Sociedades de desenvolvimento e EPE referem-se a dívida financeira contraída por estas entidades, que são todas detidas parcial (mais de 50%) ou completamente pelo Governo Regional. A forma jurídica destas entidades garante-lhes autonomia suficiente para não estarem submetidas ao Orçamento Regional. Não foi possível obter dados relativamente a 2010, pelo que se partiu do pressuposto (conservador) de que a dívida foi igual à de 2009.

5) Parcerias-Público-Privadas (PPP) representa as responsabilidades assumidas nos contratos de PPP. Problema: o Tribunal de Contas só analisou uma das três PPP em vigor, e em 2005. Portanto, o gráfico apenas mostra os encargos que havia à altura com a Via Litoral. Ficam de fora duas PPP (uma foi entretanto extinta) e todos os projectos da mesma que foram lançados desde então. Por essa razão, este valor está, provavelmente, bastante subestimado.

   

Será este o valor apurado pela auditoria em curso? Dificilmente. As razões estão expostas em baixo.  

 

1) A Dívida Indirecta, salvo raras excepções, não deve ser considerada dívida pública. O Estado português tem imensa dívida bancária sob garantia, sem que esta “conte” para o Procedimento de Défices Excessivos.

2) Nem todas as empresas públicas/Sociedades Desenvolvimento/EPE devem ser consideradas parte do Governo Regional. A sua classificação depende de alguns critérios contabilísticos.

3) A isto acresce a ausência de consolidação nesta contabilização. Uma parte da dívida das empresas públicas pode ser ao Governo Regional, pelo em termos de Contas Nacionais (o sistema contabilístico mais completo, utilizado pelos organismos europeus) deve ser considerada nula. Não há informação relativamente há posse de dívida pública pelos próprios organismos públicos.

4) As PPP também não devem, em princípio, ser contabilizadas como responsabilidades públicas. No limite, a despesa anual da concessionária pode ser reclassificada como despesa pública, mas apenas se o contrato tiver determinadas cláusulas.

 

Em sentido contrário, há pelo menos dois elementos: o já referido facto de nem todas as PPP aparecerem no gráfico e a descoberta, por parte do INE e Banco de Portugal, de que havia despesas “escondidas” que não foram comunicadas. As despesas foram garantidas através de créditos comerciais, que se tornaram dívida efectiva quando foram objecto de renegociação. Agora, saberemos qual a parte dos créditos que ainda falta conhecer.

 

É ainda importante referir dois elementos: a dívida madeirense é reduzida pelo facto de todos os anos haver transferências do Orçamento do Estado: a) transferências directas a título de solidariedade; b) transferências via Fundo de Coesão; c) despesas de soberania asseguradas pelo Orçamento nacional. Não foi possível recolher informação quanto ao terceiro ponto, devido à natureza demasiado fragmentada da mesma. Mas as transferências directas (os dois primeiros pontos) aparecem no quadro em baixo, medidos em percentagem do PIB. Os valores reais rondam os 250 milhões de euros por ano.

 

 

De referir ainda que entre o final dos anos 90 e o período actual, a Madeira teve um perdão de dívida de 550 milhões de euros no tempo de Guterres (mais 60 milhões do Serviço Regional de Saúde). Se somarmos este valor às transferências feitas desde 2002, conclui-se, entre a análise e a demagogia, que o continente já assegurou, durante os últimos 10 anos, uma dívida pública regional de cerca de 50% do PIB madeirense.

 

Nota: Um agradecimento ao jornalista Tolentino Nóbrega, pelo auxílio na compilação dos números.

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