TSU: uma questão de fé

21/09/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

O FMI divulgou ontem, no seu relatório semestral sobre situações orçamentais no mundo, o conjunto de simulações das principais instituições internacionais sobre a desvalorização fiscal em Portugal – uma das medidas do programa de ajustamento que o Fundo mais tem defendido. Os resultados e as conclusões inscritas no “Fiscal Monitor” não podem deixar de surpreender, especialmente face ao empenho que Washington tem demonstrado na defesa da redução da TSU e do aumento do IVA.

 

Segundo Poul Thomsen, o chefe de missão do FMI para Portugal, o ideal seria uma redução de 6 a 7 pontos na TSU paga pelas empresas, uma medida que considerou poder fazer toda a diferença (“game changer”, nas suas palavras) no relançamento e reequilíbrio da economia portuguesa. Já António Borges, que tem pautado pela quase absoluta discrição como director do Fundo, veio há poucos dias dizer ao Diário Económico que a descida da TSU “é absolutamente fundamental”.

Os resultados divulgados ontem não parecem alinhar com este entusiasmo.

 

Depois de evidenciarem a complexidade dos impactos da medida – é por exemplo importante que outros países não a adoptem também, que a desvalorização fiscal surja como surpresa para os consumidores, que os salários nominais não ajustem em reacção ao aumento do IVA ou, ainda, que sejam as taxas minimas a subir, (mas apenas se estas disserem respeito a bens não transacionáveis) – os economistas do Fundo apresentam, pela primeira vez, os resultados das simulações do Banco de Portugal, da Comissão Europeia e do BCE.

 

Uma primeira conclusão é que as todas as simulações têm resultados semelhantes e em linha com os do Banco de Portugal, isto é, os impactos de uma desvalorização fiscal podem ser positivos, mas são pequenos, seja no défice externo, no emprego ou no PIB.

 

Os economistas apresentam depois os resultados de um estudo empírico do FMI que analisa, entre outros elementos, subidas de IVA e descidas de TSU (embora não necessariamente em conjunto) para 30 países da OCDE durante cerca de 40 anos. Eis as conclusões:

 

The results — while very preliminary — suggest that the trade effects of fiscal devaluation, while not trivial, should not be overestimated.

 

Mas se assim é, as simulações do Banco de Portugal, BCE e Comissão são ou não razoáveis?

 

These effects are similar to those from the simulation models: slightly larger than those of the EC and the ECB, and slightly smaller than those of the Bank of Portugal model

 

Face a estas conclusões,, os economistas do FMI apoiam a medida, mas ficam-se por um sentimento (e algumas dúvidas técnicas):

 

These results are tentative and, as noted, econometric issues remain. Nonetheless, they reinforce the sense from both theory and simulations that fiscal devaluations can have significant effects—but large shifts are likely needed for effects to be substantial

 

Ou seja, para ter efeitos visiveis, a redução da TSU tem que ser substancial, essencialmente porque os seus efeitos são pequenos por natureza. Isto não quer dizer que a medida seja errada ou prejudicial, podendo até contribuir para uma aceleração do processo de ajustamento de uma economia como a portuguesa. Mas, se aos impactos relativamente pequenos se juntar a incerteza que a medida comporta em termos orçamentais, e o facto de prejudicar o financiamento da segurança social – já para não falar no enfraquecimento que impões à relação entre contribuições e benefícios do sistema – fica-se confuso com o entusiasmo demonstrado pelo FMI que, à luz destes resultados, mais parece uma questão de fé.

 

 

 

 

 

Rui Peres Jorge