Afinal o défice ficou sempre acima dos 3% do PIB

27/04/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

Tantas operações extraordinárias por vários ministros das Finanças, tantos fundos de pensões transferidos para a segurança social, tantas licenças públicas vendidas, rendimentos futuros alienados e tantas despesas vindoras assumidas em nome de um défice orçamental inferior ou igual a 3% do PIB. E o que nos dizem agora as estatísticas europeias: afinal, nunca durante a moeda única, e nunca desde pelo menos 1995, se registou em Portugal um défice orçamental inferior a 3% do PIB. Surpreendido? As estatísticas, as regras europeias e as dificuldades da gestão orçamental têm destas coisas.

 

 

Fonte: Eurostat e Negócios

 

Como o Negócios avançou esta semana, a explicação para estes novos dados de défice (e de dívida) está na revisão dos dados oficiais até 1995 para neles incluir as contas de três empresas de transportes: Refer, Metro de Lisboa e Metro do Porto. A decisão imposta pelo Eurostat no início do ano passado ocorreu após uma análise  detalhada aos relatórios e contas das empresas (ao ponto de serem relevantes as taxas de amortização de imobilizado adoptadas) que concluiu que estas empresas não eram verdadeiras empresas (não geravam 50% da sua receita), devendo por isso ser consideradas nas Adminitrações Públicas e logo no défice e na dívida públicos. A decisão do gabinete estatístico europeu parecia já adivinhar o pedido de resgate que viria meses depois.

 

A história tem interesse por vários ângulos. 

 

1) Evidencia as dificuldades sempre sentidas em Portugal em manter um défice orçamental confortavelmente abaixo do acordado internacionalmente, de tal forma que foram por várias vezes necessárias operações extraordinárias para fechar o défice no limite de 3%;

 

2) Sublinha a arbitrariedade das regras estatísticas. Em vários anos, a mesma realidade económica e financeira que foi retratada por défices inferiores a 3% do PIB até ao ano passado (tendo evitado ainda mais procedimentos por défices excessivos) passa agora a traduzir-se em défices superiores a esse limite.

 

Esta arbitrariedade pode vir a tornar-se ainda maior com a aprovação do novo pacto orçamental, como sublinha o Pedro Romano em “Mais dores de cabeça com o défice estrutural“. A este respeito vale a pena ler a declaração de voto sobre o pacto orçamental de Miguel Frasquilho, Duarte Pacheco e Paulo Baptista Santos. E ainda como o saldo estrutural pode até ser perverso, explicado por Chris Dillow. 

 

3) Finalmente, a decisão é ainda interessante pela influência e responsabilidade do Eurostat nas regras do jogo em plena crise europeia. Uma revisão em alta dos défices pode deixar um país em dificuldades mais próximo d e um pedido de resgate ou adiar que tal destino. Uma revisão das contas e do perímetro das contas públicas antes de um resgate muda também as contas do financiamento negociado com a troika e reduz o risco de surpresas orçamentais (no caso português, o cuidado não chegou para detectar a Madeira). Esta tensão está aliás bem presente no caso Espanhol, como frisa o El País num recente artigo:

 

Una de las numerosas dudas sobre España se desvanece. Eurostat, la oficina estadística europea, ha validado esta mañana el déficit público español de 2011, después de las dudas expresadas en Bruselas durante las últimas semanas. El Gobierno socialista sostuvo hasta el final que el déficit no se desviaría más que unas décimas del 6%, pero el equipo económico de Rajoy elevó esa cifras hasta el 8% al llegar a La Moncloa y lo dejó finalmente en el 8,51% del PIB, lo que llegó a provocar todo tipo de suspicacias: algunos países —y analistas— pensaban que la cifra estaba hinchada; otros sostenían exactamente lo contrario, que en realidad el dato real era aun peor.   

 

  

 

 

Rui Peres Jorge