Durante vários trimestres consecutivos a narrativa do emprego era fácil de contar. A taxa de desemprego explodia, acompanhada por um ritmo de destruição de postos de trabalho muito mais rápido do que o Governo e a troika tinham antecipado. No entanto, nos últimos dois trimestres, os números do emprego revelaram-se mais complexos, contando duas histórias quase antagónicas: uma em cadeia e outra homóloga. A primeira convence-nos que se iniciou um ciclo de inversão do mercado de trabalho; a segunda aponta para um cenário muito negativo, com emigrantes e desencorajados a desempenharem um papel decisivo no mercado de trabalho. Segue a explicação de ambas.
Fonte: INE
Se for Pedro Mota Soares, as variações face ao trimestre anterior são o que lhe interessa, e claro que estes números são sinais de “esperança e confiança”. O número de empregados aumentou e o número de desempregados caiu em comparação com o trimestre anterior. Os jovens foram a faixa etária que mais cresceu e o turismo parece ser o sector que mais contribuiu para a criação de emprego (alojamento e restauração). Factores extraordinários como a sazonalidade do trimestre ou a emigração dificilmente são a explicação. Em relação ao primeiro, historicamente os efeitos positivos dos empregos de Verão não se sentem no terceiro trimestre, mas sim no segundo. Mais: o número de empregados a tempo parcial caiu, bem como os postos de trabalho com salários inferiores a 310 euros e o subemprego (trabalhadores em part-time que gostariam de estar a tempo inteiro). Quanto ao segundo, a população activa estagnou e a população inactiva teve uma ligeira quebra, resultando numa pequena diminuição da população total que, num contexto de envelhecimento, não deixa muito espaço para a justificação migratória.
Só boas notícias, não é? Bom, não é bem assim…
Fonte: INE
Se for deputado da oposição ou uma central sindical, obviamente que estes números são “um embuste”. A comparação homóloga é o que importa analisar, qualquer académico lhe vai dizer. E olhando para o mesmo trimestre de 2012, a história é, de facto, totalmente diferente. A queda do número de desempregados também ocorre, mas é acompanhada por uma contracção da população empregada. Para onde foram estas pessoas? A reacção mais imediata é procurá-las na inactividade, mas a verdade é que a população inactiva apenas explica um quarto da queda do emprego e desemprego. Mais uma vez, afinal para onde foram as pessoas? Dito de forma simples, desapareceram. Isto é, morreram ou saíram do país. Basta olhar para a descida na população total. A emigração parece ser o factor mais relevante, uma vez que as quebras populacionais coincidem com o aprofundamento da austeridade e aproximam-se dos números de saídas do País em 2012.
Mas esta comparação homóloga traz mais motivos de preocupação. Os jovens activos e empregados registam quedas significativas. Os contratos sem termo caem, assim como o número de empregados a tempo completo (verdade seja dita, também a tempo parcial) e há hoje muito mais subempregados do que há um ano. Contudo, provavelmente o dado mais preocupante é a evolução dos desencorajados. Os inactivos disponíveis para trabalhar, mas que não procuraram emprego aumentou 23% num só ano, superando já os 300 mil. Um sinal que muitas das pessoas que ficaram desempregadas estão, não só a emigrar, como desistir, alienando-se sendo alienadas do mercado de trabalho. A este respeito, é importante olhar para o crescimento dos desempregados de muito longa duração.
Quem tem então razão? Os que cantaram vitória com duas descidas consecutivas do desemprego apesar de não saberem exactamente como elas aconteceram ou os que desdenharam os dados do INE apontando aos gritos para a emigração. Todos e nenhum. É difícil argumentar que uma descida da taxa de desemprego não é uma evolução positiva, mas também é verdade que ela ocorre em paralelo com um fenómeno de “exportação de desempregados” e das maiores quebras de sempre da mão-de-obra disponível. Os próximos dois trimestres, tendencialmente com menos ruído, serão mais reveladores.
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