A via sacra do aumento do IRS

11/12/2012
Colocado por: Elisabete Miranda

Depois de terem sido confrontados com a notícia de que para o ano sofrerão o maior aumento de IRS de que há memória em Portugal, os contribuintes querem agora saber como é que esse agravamento da carga fiscal se traduzirá na sua remuneração líquida mensal. A resposta a essa pergunta, está, contudo presa num emaranhado de prazos legislativos, problemas operacionais e silêncios opacos.

 

Há duas variáveis das quais dependem a resposta à pergunta sobre qual o impacto individual das medidas que foram cozinhadas nos últimos meses.

 

A primeira variável tem a ver com o prazo em que entram em vigor os diplomam que prevêm a mensualização de 50% de cada um dos subsídios de férias e de Natal o que, para já, é uma incógnita.

 

– O diploma que altera o Código do Trabalho (aplica-se aos trabalhadores do sector privado e a quem tem contratos individuais) está em discussão pública até dia 24, tendo depois disso de passar pelo escrutínio dos deputados, no Parlamento, e, depois disso ainda, pelo Presidente da República.

 

Não sendo impossível, pode ser difícil que esteja pronto a entrar em vigor ainda a tempo de ser aplicado aos salários de Janeiro.

 

– O diploma que faz exactamente o mesmo para as pensões de reforma pagas pela Caixa Geral de Aposentações e pelo regime Geral de Segurança Social está mais atraso, não tendo ainda sido aprovado em Conselho de Ministros.

 

Ou seja, o mais certo é que no início do ano só haja enquadramento legal para mensualizar os subsídios dos funcionários públicos, porque esta realidade está prevista no Orçamento do Estado para 2013.

 

Mas, além do calendário legal, há ainda restrições de ordem operacional. As empresas podem não estar prontas para avançar com a alteração da metologia do pé para a mão, à semelhança do que acontece com o Estado, onde já se ouviram governantes a admitir o transtorno que será alterar os sistemas de pagamentos.

 

A segunda variável, depende da data de divulgação das tabelas de retenção na fonte. Como já tive oportunidade de escrever, apesar de preâmbulo do decreto-lei que estabelece as regras de elaboração das tabelas dizer que o seu objectivo é criar “um mecanismo simples e eficiente através do qual seja possível aprovar e publicar, em tempo oportuno, as respectivas tabelas”, de modo a facilitar a vida aos contribuintes, na prática, não tem acontecido sempre.

 

Sem prazo vinculativo para as pôr cá fora, os Governos têm-nas deixado deslizar no calendário. Como se pode ver no quadro em baixo, foram poucos os anos em que elas estiveram prontas a aplicar logo aos salários e pensões pagas em Janeiro. 

 

 

Para 2013, esperar-se-ia que o Governo antecipasse ao máximo a divulgação das tabelas de retenção na fonte, para que as famílias possam preparar-se para o choque que aí vem, mas até agora, não tem havido qualquer indicação por parte das Finanças nesse sentido. Mesmo quando directamente questionado, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais remete-se ao silêncio.

 

O mais certo é que se chegue a Janeiro ainda com muita incerteza sobre os salários e as pensões que vamos receber. E aqui, abrem-se quatro cenários.

 

a) se nada for feito até meados de Janeiro, o ano arranca como se nadão houvesse novo Orçamento. Salários e pensões terão temporariamente o mesmo valor que até aqui, para a maioria.

 

b) se o Governo apressar as tabelas de retenção na fonte mas as empresas e/ou a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações ainda não estiverem a postos para aplicar a mensualização dos subsidios de Natal e férias respectivos (quando eles são devidos), pode dar-se o caso de os contribuintes começarem o ano com um “susto”. Um susto do tamanho que sentiriam todos os meses, caso o PSD e o CDS não tivessem avançado com o esquema para amortecer os cortes.

 

c) se as tabelas não aparecerem a tempo de serem aplicadas aos salários de Janeiro mas a mensualização dos subsidios estiver a postos, então, pensionistas e trabalhadores vão sentir um enriquecimento súbito. Não estarão ainda a pagar o agravamento do IRS, mas já estarão a receber mais 1/12 salários e pensões.

 

d) se o Governo conseguir fazer coincidir as duas medidas no tempo, e as empresas e serviços públicos tiverem condições operacionais para as implementar, então, sim, concretiza-se o plano original do Executivo e dos partidos que o sustentam no Parlamento. O aumento mensal do IRS, que advirá do agravamento das taxas de retenção na fonte, será amortecido pela distribuição de 1/12 salários. Para a maioria dos trabalhadores e pensionistas, esta nova técnica até poderá significar ganhar mais alguns trocos no final do mês do que até aqui (anulando-se depois o efeito no final do ano).

 

Como se percebe chegados a este ponto, o Governo transformou o doloroso aumento da carga fiscal numa via-sacra.

 

Elisabete Miranda