Helder Rosalino, secretário de Estado da Administração Pública Fonte: Negócios
Segundo o Tribunal de Contas, o programa de reforma do Estado (PREMAC) não falhou apenas em objectivos quantitativos – o que é evidenciado por um aumento do número de postos de trabalho e pelos riscos de subida da despesa pública, noticiados hoje pelo Negócios. O PREMAC falhou pelo facto de, na prática, não reunir as condições para poder se poder chamar uma reforma, conclui-se da análise do Tribunal de Contas ao PREMAC, que coloca em xeque o Governo, e em particular Hélder Rosalino, secretário de Estado da Administração Pública, e Carlos Moedas, o responsável pela coordenação do programa de ajustamento. Dada a importância do documento, vale a pena sintetizar as principais críticas do Tribunal de Contas.
1. Uma reforma sem plano nem diagnóstico, nem objectivos claros, nem avaliação de recursos necessários
O PREMAC não se encontra suportado num plano estratégico para a administração central do Estado que contenha: o diagnóstico inicial; os objectivos definidos e hierarquizados quanto às entidades e aos respectivos recursos humanos; a adequação das entidades face às atribuições dos ministérios previstas na lei orgânica do XIX Governo; a distribuição das atribuições pelos organismos; e os recursos humanos necessários para assegurar as actividades e procedimentos indispensáveis à prossecução dessas atribuições
2. Não foi encontrada evidência de reflexão sobre a reforma do Estado
Nos termos daqueles relatórios [intercalar e final do PREMAC], “(…) os ministérios desenvolveram uma reflexão profunda sobre o seu modelo de organização interna e sobre a configuração das entidades (de administração directa e indirecta) que se encontravam sob a sua direção, tutela ou superintendência, envolvendo ainda uma reflexão sobre a organização das próprias funções do Estado que são exercidas sob sua responsabilidade”. Os resultados apresentados deveriam ter subjacente o repensar e a reorganização “(…) da estrutura do Estado, no sentido de lhe dar uma maior coerência e capacidade de resposta no desempenho das funções que deve assegurar, eliminando redundâncias e reduzindo substancialmente os seus custos de funcionamento”. No entanto, não foram apresentadas evidências sobre tais reflexões ou resultados das mesmas.
3. Metodologia para definição do universo de entidades sujeitas à reforma tem inconsistências
De acordo com os relatórios do PREMAC, o universo inicial foi definido tendo em conta os dados residentes no Sistema de Informação da Organização do Estado (SIOE) e o levantamento de entidades efectuado pelos interlocutores ministeriais designados para o efeito [o que se traduziu na escolha de um universo de] 359 entidades, repartido por: administração direta – central e periférica; administração indireta – institutos públicos; órgãos consultivos; e outros organismos, excluindo-se os tribunais, as escolas, as universidades, os estabelecimentos de saúde, as embaixadas, as forças armadas e as forças de segurança)
O problema, diz o TC, é que não foram definidos critérios claros. E há de tudo:
3.1. Muitas entidades estão incluídas e não deveriam estar
Na análise às 359 entidades/estruturas abrangidas no PREMAC, verificou-se que 56 não se encontravam registadas no SIOE à data de referência de 30 de junho de 2011, das quais 25 situações não deveriam ter sido incluídas no Plano (Anexo I do presente Relatório) pelos seguintes motivos:
– 15 correspondem aos controladores financeiros dos ministérios que não se configuravam como uma estrutura, mas sim como um cargo2;
– 6 traduzem-se em comités, equipas de coordenação, etc., que não correspondem a estruturas;
– 4 são sub-entidades – as quais não deveriam, por esse motivo, ter sido incluídas.
3.2. Outras não estão incluídas e faltam
Considerando o tipo de entidades incluídas no PREMAC, a análise dos dados constantes do SIOE à data de referência permitiu identificar mais 94 entidades que não foram incluídas no âmbito de aplicação do referido Plano
4. PREMAC excluiu 80% da Administração Pública
O TC sublinha ainda que, além dos problemas com os critérios adoptados pelo PREMAC, houve sectores inteiros da Administração Pública que não foram considerados, de Tribunais a Universidades, passando pelos gabinetes dos membros do Governo:
Para além destas estruturas / entidades [as 94 referidas acima], também não foram abrangidas por este Plano as seguintes tipologias de entidade, cuja análise se remete para o ponto 7.4, dada a sua especificidade e relevância em termos de número de estruturas, dirigentes e trabalhadores:
– Tribunais;
– Agrupamentos de centros de saúde;
– Estabelecimentos do ensino superior;
– Estabelecimentos de educação e ensino básico e secundário;
– Estabelecimentos hospitalares;
– Forças de Segurança;
– Forças Armadas;
– Gabinetes dos Representantes da República;
– Gabinetes dos membros do Governo.
No ponto 7.4 do seu relatório, o TC quantifica a exclusão:
Conclui-se que cerca de 84% do número das estruturas e dos seus respectivos trabalhadores não foram abrangidos pelo PREMAC, que, considerando as análises desenvolvidas, foi aplicado a 334 estruturas e a 89.720 trabalhadores, incluindo dirigentes, ou seja, 16% do universo da administração pública
5. Governo empolou dados dos resultados
Uma das conclusões mais surpreendentes do Tribunal de Contas é a de que o Governo empolou os dados de avaliação dos resultados do PREMAC, apresentando como resultados variações que eram ainda “projectos de intenções” e procedendo à avaliação com base na alteração das leis orgânicas, independentemente da realidade inscrita no Sistema de Informação de Organização do Estado – que era a base de dados assumida pelo Governo para proceder à definição reforma.
Vejamos como comparam os dados do Governo com os apurados pelo Tribunal de Contas, usando uma metodologia corrigida pelo TC que procura respeitar os critérios definidos inicialmente pelo Governo (mas não aplicados) para a selecção das entidades a serem abrangidas pelo PREMAC:
5.1 Número de estruturas caiu 19% (e não 40%)
Embora os resultados apresentados no Relatório final de aplicação divulgado em 29 de Novembro de 2012 apontassem para a redução de estruturas de nível superior da administração central de 40%, verificou-se que à data de 31 Dezembro de 2012 os resultados alcançavam uma redução 14%, sendo que a 31 de Março de 2013 a diminuição era de 19%
5.2. Número de dirigentes caiu 14% (e não 27%)
À data de 31 de Dezembro de 2012, os dados registados no SIOE indicavam que a redução de dirigentes na administração directa e indirecta no universo definido no PREMAC foi de 16% (menos 783 cargos), evoluindo para 17% no final do 1º trimestre de 2013 (menos 818 cargos). Ao nível dos outros organismos (órgãos consultivos e outros) abrangidos pelo Plano, não se verificou qualquer redução mas sim um aumento de 2% no final de 2012 (mais 13 cargos) e de 8% no 1º trimestre de 2013 (mais 42 cargos). No seu conjunto, a redução de dirigentes alcançou 14%, abaixo do objectivo delineado de 27%. Relativamente às entidades que se encontravam fora do PREMAC, não se apurou qualquer diminuição durante o 1.º trimestre de 2013.
5.3. E Governo empolou ponto de partida do número de dirigentes mesmo nos seus critérios
Mesmo o cálculo de redução de 27% resultou de se usar como ponto de partida os números previstos nas leis orgânicas independentemente de, na prática existirem ou não.
Da análise dos dados disponibilizados pela SEAP resulta que terão sido contabilizados como ponto de partida para a redução dos cargos dirigentes os previstos nas leis orgânicas em vigor à data de referência (6.286) e não os efectivamente ocupados e registados no SIOE (5.464), procedimento que parece desajustado face aos objectivos que se pretendiam de redução efectiva do número de dirigentes, sem prejuízo de que tal diminuição, para que fosse estrutural, também viesse a ser consagrada nas respectivas leis orgânicas dos organismos. No entanto, com a metodologia utilizada no relatório final de aplicação do PREMAC, o universo inicial padece de um empolamento, originando uma meta de redução de 27%, a qual, na realidade, nunca será atingida.
5.4 TC valida queda de 5% no número de funcionários registados ….
Ao nível da redução de funcionários no âmbito do PREMAC (excluindo os dirigentes superiores e intermédios) assistiu-se a uma quebra de 5% (4.354), evidenciada maioritariamente na administração directa periférica
5.5 …. mas mapas de pessoal aprovados apontam para aumento de trabalhadores
Das 101 entidades que apresentaram os seus mapas de pessoal, apenas 48 viram os processos finalizados mediante despacho do SEAP, confirmando a criação de mais 351 postos de trabalho, estando por aprovar 24 processos já enviados pela DGAEP ao SEAP, que apresentavam mais 471 postos de trabalho; 29 processos ainda permaneciam pendentes, os quais previam como necessários mais 631 postos de trabalho.
Tendo em conta as 150 entidades da administração directa e indirecta do Estado consideradas no PREMAC encontram-se ainda por fixar as estruturas de pessoal de 49 organismos, com particular incidência nos Ministérios da Economia e do Emprego, das Finanças e da Segurança Social
6. É impossível avaliar impactos orçamentais, mas despesa pode subir
Face ao anteriormente descrito e apesar dos resultados apresentados nos dois relatórios do PREMAC, nomeadamente quanto à redução do número de estruturas e de dirigentes, por um lado, e à necessidade de mais postos de trabalho por outro, continua por concluir a implementação efectiva do Plano bem como a apresentação dos resultados alcançados, quantitativos e qualitativos, nomeadamente quanto ao impacto orçamental que deveria ter sido um dos principais objectivos do acompanhamento da execução do PREMAC, a par dos resultados obtidos com a reorganização da estrutura do Estado
De acordo com os dados recolhidos no âmbito desta acção, não foram efectivamente apuradas poupanças com as diminuições de estruturas e de cargos dirigentes; no entanto, o aumento do número de postos de trabalho face aos efectivamente existentes antes da implementação do PREMAC poderá originar um aumento da despesa.
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