A recessão bateu à porta

14/02/2011
Colocado por: massamonetaria

O PIB caiu 0,3% em cadeia no último trimestre de 2010, tendo avançado 1,2% em termos homólogos, divulgou hoje o INE. Gonçalo Pascoal do Millennium BCP evidencia o contraste entre o desempenho português e o de parceiros europeus. Os economistas do NECEP explicam a contracção com a queda da confiança dos consumidores, a consolidação orçamental e as dificuldades de financiamento externo da economia, análise que é secundada por Paula Carvalho, do BPI e Rui Serra, do Montepio. Filipe Garcia da IMF vê o primeiro sinal de um ano que será particularmente difícil para os consumidores.   

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

Paula Carvalho – Departamento de Estudos do banco BPI

 

1. A actividade económica evoluiu em linha com o antecipado no último trimestre de 2010: uma queda trimestral e desaceleração em termos homólogos. Não é ainda conhecido o detalhe do comportamento das várias componentes da despesa nacional, mas o comentário do INE reforça a perspectiva de comportamento divergente entre a procura doméstica e externa. Negativamente deverão ter pesado os gastos públicos, possivelmente em queda dada a necessidade de mostrar trabalho muito rapidamente no processo de consolidação fiscal; o investimento, denotando ainda o processo de racionalização do sector da construção mas possivelmente também na sua vertente de máquinas e equipamento (mais preocupante, na medida em que afecta o potencial de crescimento a médio prazo) atendendo às fracas perspectivas de evolução da procura; e o consumo privado, em desaceleração apesar do dinamismo da componente de bens duradouros dado o ruído introduzido pelo segundo aumento do IVA e fim do programa de incentivo ao abate, que induziu, de novo, antecipação de decisões de consumo e investimento. Pela positiva, possivelmente apenas se destacarão as exportações, que continuam a capitalizar na diversificação geográfica e na aposta em produtos e serviços com maior valor acrescentado, com conteúdo tecnológico reforçado.

 

2. Este quadro de evolução deverá previsivelmente manter-se em 2011 atendendo às necessidades impostas pela consolidação fiscal e também graças ao ambiente externo desfavorável em termos de financiamento, quer para o estado quer para o sector empresarial. Portugal deverá manter-se condicionado por estes dois factores, que possivelmente ditarão um retrocesso da actividade em 2011; a prazo, o cenário poderá ser mais risonho, caso os níveis de endividamento se diluam, quer no sector privado quer no público, a vulnerabilidade face ao exterior encolha e na medida em que o dinamismo do sector exportador se possa traduzir na geração de um ciclo positivo de crescimento e emprego, afectando todos os restantes sectores de actividade económica.

 

 

Gonçalo Pascoal – Gabinete de Estudos Económicos do Millennium BCP

 

1. Os valores preliminares para a evolução do PIB no quarto trimestre de 2010 não divergiram das expectativas: contracção da actividade no quarto trimestre (- 0.3% face ao trimestre anterior); crescimento face ao período homólogo (+1.2% em volume) e crescimento médio anual de 1.4% em 2010 – pese embora os bons valores do comércio internacional do final do ano sugerissem algum potencial para uma prestação um pouco superior. 

 

2. A composição também não surpreendeu. A dinâmica da actividade reflecte a importância crescente da componente externa e a debilidade da procura interna, nomeadamente do consumo, tendências que, provavelmente, se intensificarão em 2011. Tendo em conta a informação qualitativa disponibilizada pelo INE, o contributo da procura interna terá sido negativo para a variação homóloga no quarto trimestre, com destaque para o investimento e despesa de consumo em bens não duradouros. O consumo público estará condicionado por efeitos não recorrentes. 

 

3. Para o primeiro trimestre de 2011, o esgotamento de efeitos extraordinários que suportaram a despesa de consumo no final de 2010 deverá conduzir a um contributo muito negativo da procura interna, com alguma compensação da procura externa líquida, e que se deverá traduzir na estagnação do PIB real em termos homólogos. 

 

4. Estes valores assinalam a divergência no desempenho da economia portuguesa face à prestação média dos outros estados membros. Espanha e Áustria reportaram crescimentos do PIB em termos trimestrais. As estimativas dos Bancos Centrais Nacionais francês e alemão prevêem, igualmente, uma expansão da actividade económica no último trimestre de 2010 e a consolidação do crescimento em 2011, expectativa que contrasta com a contracção real do PIB esperada para Portugal.

 

 

Rui Bernardes Serra – Departamento de Estudos do Montepio

 

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1. Segundo a estimativa rápida do INE, o Produto Interno Bruto (PIB) português terá registado uma queda trimestral de 0.3%, no 4ºT2010, depois de ter subido 0.2% no 3ºT2010 (valor revisto em baixa, em 0.1 p.p.). Trata-se, assim, da 1ª contracção do PIB em 4 trimestres, saindo em linha com as previsões de consenso da Bloomberg – composto por um conjunto de economistas consultados pela entidade, e em que o Montepio é um participante regular -, mas revelando um cenário menos favorável do que as nossas próprias previsões, que apontavam para uma estagnação do PIB, no 4ºT2010. Em termos homólogos, a Estimativa Rápida do INE apontou para um aumento de 1.2% do PIB, em desaceleração face ao registo do trimestre anterior (+1.3%, valor revisto em baixa em 0.1 p.p.). No conjunto do ano de 2010, o PIB terá aumentado 1.4%.

 

2. Segundo o INE, a desaceleração do crescimento homólogo traduziu uma ligeira redução do contributo das Exportações de Bens e Serviços, que apesar de tudo manteve-se elevado. Por sua vez, as Despesas de Consumo Final das Famílias Residentes desaceleraram o crescimento homólogo, apesar do crescimento expressivo da componente de veículos automóveis, enquanto o Investimento registou uma diminuição homóloga menos intensa, comparativamente com o verificado no 3ºT2010. 

 

3. Em termos trimestrais (sobre o qual o INE não se pronunciou, nesta 1ª estimativa), admite-se que o erro da nossa estimativa tenha vindo, essencialmente, de duas fontes: de um eventual contributo mais negativo do que o esperado da Variação de Existências (variável para a qual temos poucos dados mensais para extrapolar o comportamento trimestral) e de um menor contributo do Consumo Privado, que poderá ter crescido menos do que a nossa estimativa (+1.0%).

 

4. Em todo o caso, o Consumo terá apresentado um crescimento robusto, beneficiado por um efeito de antecipação nas aquisições de Bens Duradouros por parte de alguns agentes. Todavia, o regresso ao crescimento do 4ºT2010 deverá ter sido fugaz, já que deverá voltar a contrair no actual trimestre, devido ao aumento da carga fiscal e à redução dos salários na função púbica, neste início de ano.

 

5. Já o Investimento deverá ter caído, particularmente o Investimento em Construção, a avaliar pelos dados mensais da Produção em Construção.

 

6. Por sua vez, as Exportações Líquidas (de Bens e de Serviços) deverão ter tido um contributo negativo para o crescimento do PIB do 4ºT2010, depois de, no 3ºT2010, estas terem tido um papel decisivo no crescimento da economia portuguesa. Efectivamente, do lado da Balança Comercial de Bens, e depois de conhecidos os dados mensais de Dezembro, estes apontam, quando devidamente ajustados de sazonalidade (cálculos do Departamento de Estudos do Montepio), para um ligeiro agravamento trimestral do Défice a Preços Correntes. As Exportações continuaram a subir, mas foram contrariadas pelo acréscimo das Importações, um comportamento que tínhamos antecipado, depois do forte acréscimo das Vendas de Carros observado no 4ºT2010. Já do lado da Balança Comercial de Serviços, o cenário mostra-se mais favorável, mas, à partida, insuficiente para compensar o agravamento observado na Balança de Bens. Com efeito, depois de o registo de Novembro ter vindo revelar um aumento do Excedente (mais do que compensando as diminuições observadas nos dois meses anteriores), os dados de Dezembro sobre a Hotelaria vieram dar conta de uma aceleração do crescimento homólogo do segmento de Não-Residentes, que terá, inclusivamente, se devido a um acréscimo mensal (quando ajustados de sazonalidade), mas bastante inferior à queda observada no mês anterior. Finalmente, os Gastos Públicos deverão ter contribuído positivamente para o crescimento, nomeadamente após a importação da material militar.

 

 

NECEP (Universidade Católica)

 

1. No 4º trimestre de 2010, a economia portuguesa registou uma quebra de 0,3% face ao trimestre anterior, tendo crescido 1,2% em termos homólogos. Estes valores estão conforme a estimativa de crescimento do PIB que o NECEP fez a 26 de Janeiro e que foram divulgados em primeira mão pelo Jornal de Negócios. Os dados do 4º trimestre têm um significado negativo. O NECEP destaca três explicações para esta contracção da actividade económica no final do ano. Em primeiro lugar, a quebra de confiança dos agentes económicos (em especial, dos consumidores), após o anúncio de um Orçamento do Estado muito restritivo para 2011. Em segundo lugar, o esforço adicional de redução do défice feito ainda em 2010 (no sentido de cumprir a meta dos 7,3%), que afectou a actividade normal do Estado e o rendimento das famílias. Finalmente, o agravamento das condições de financiamento da economia portuguesa, relacionado com a crise da dívida soberana.

 

 

Filipe Garcia – IMF, Informação de Mercados Financeiros 

 

1. O número saiu ligeiramente abaixo das nossas expectativas, ainda que bem melhor do que se previa há meio ano atrás. Quando foi anunciado o aumento do IVA em 2011 e as alterações nos impostos sobre automóveis, foi obrigatório rever as estimativas em alta para 2010. Por outro lado, o sector exportador evoluiu de forma muito interessante, ajudando ao crescimento do PIB.

2. Este ano (2011) será provavelmente, recessivo. A consolidação orçamental continuará a deprimir o consumo público, não há muitas condições para uma boa performance do investimento e a construção continua sem grande dinamismo.

3. Para mais, reiteramos a ideia que 2011 poderá será complicado para os consumidores em termos de rendimento disponível. Mesmo os que mantenham o emprego não deverão ter salários mais altos (pelo contrário, haverá quem se depare com salários mais baixos), os preços estão a subir, as taxas de juro também, assim como a carga fiscal directa e indirecta.

4. Finalmente, apesar de esperarmos um bom ano para os exportadores, há que notar a subida dos preços da energia e de outras matérias primas, que deverão impedir uma melhoria mais significativa da balança comercial em 2011.