Mario Draghi, presidente do BCE e Vítor Gaspar, numa reunião do Ecofin no início do ano Fonte: Jock Fistick/Bloomberg
No debate público sobre o papel do BCE na união bancária europeia está a ocorrer uma interessante discussão em torno do risco moral. Será que uma certa ambiguidade sobre a garantia do banco central como credor de último recurso minimiza o apetite dos bancos pelo risco? O debate é importante para Portugal não apenas pelas consequências que poderá ter na eficácia da união bancária. É que esta estratégia de “ambiguidade construtiva” defendida por alguns economistas e políticos parece estar a ser aplicada em duas outras dimensões centrais para Portugal.
Por um lado, o BCE mantém-se pouco claro sobre se compra ou não dívida pública portuguesa, como se vê nas respostas que Jorg Asmussen dá na entrevista que concedeu ao Negócios esta semana. Por outro, os líderes europeus não abrem (mas também não fecham) a porta a condições mais favoráveis para os empréstimos português e irlandês. A ambiguidade europeia poderá defender os interesses do BCE e do Eurogrupo, mas será que é construtiva para os interesses nacionais?
A ambiguidade construtiva é um termo cunhado pela negociação política, de utilização frequente nas questões europeias e bem conhecido dos banqueiros centrais no debate em torno da optimalidade ou não existência de um credor de último recurso. Com a união bancária, onde o acordo está difícil, o tema voltou ao centro do debate.
De um lado estão, por exemplo, Sylvester Eijffinger e Rob Nijskens que defendem que o BCE não se deve comprometer: “Nunca resgatar bancos é demasido oneroso e por isso não é credível, enquanto resgatar sempre os bancos conduz a problemas óbvios de risco moral”, defendem. Do outro lado estão economistas como Charles Wyplosz: a estratégia de ambiguidade construtiva que presidiu nos últimos anos falhou na tentativa de limitar o risco moral como provam os resgates durante a crise, defende, afirmando: “os bancos centrais são credores de último recurso, quer queiram, quer não”.
Além do debate sobre os incentivos dados aos bancos, a criação de um credor de último recurso a nível europeu enfrenta outra dificuldade: para ser credível exige compromisso financeiro solidário dos governos, o que é uma barreira difícil nas negociações. O mais provável parece ser a manutenção de uma certa ambiguidade construtiva no debate e na decisão final, indicia a resposta de Jorg Asmussen, do BCE, na entrevista publicada esta semana pelo Negócios. Em resposta enquadrada no debate sobre o papel do Frankfurt na união bancária, Asmussen diz que é credor, mas com limites:
O BCE assumir-se-á como o credor de último recurso do bancos?
Nós temos uma responsabilidade especial pelos bancos, mas há limites. Só oferecemos liquidez a instituições sólidas mediante garantias – colateral – adequadas.
Este debate é importante para Portugal pois, tal como os restantes países fragilizados do Sul, tem muito a ganhar com um acordo para uma união bancária rápido, credível e claro. Vítor Gaspar deixou isso claro quando na intervenção que fez no Ecofin defendeu a urgência de um acordo sobre o mecanismo de supervisão comum.
Outras áreas em que a ambiguidade parece estar a ganhar terreno são as condições associadas ao programa de compra de obrigações por parte do BCE e a extensão a Portugal das condições mais favoráveis concedidas à Grécia.
No primeiro caso, voltamos a Jorg Asmussen. Apesar da insistência do Negócios, o membro do Conselho Executivo do BCE nunca torna claras as condições necessárias para comprar dívida pública portuguesa:
Olhando agora para a TMD [programa de compra de dívida pública]. Porque é que BCE não está disposto a comprar obrigações portuguesas, com maturidades até três anos?
O programa de TMD foi desenhado para países que têm acesso ao mercado ou que estão em fase de recuperação de acesso ao mercado de obrigações. Diria que Portugal ainda não chegou a essa fase.
Em Setembro afirmou que o TMD tinha “objectivo acompanhar os países e os seus soberanos a recuperar acesso estável aos mercados de capitais”. Um mês depois, o BCE diz que é preciso ter já garantido o total acesso ao mercado. As pessoas estão confusas: que condições estão a colocar?
Portugal deu um passo em frente importante com uma emissão a três anos, enquadrada numa troca de obrigações. Mas isso não chega. A maioria das obrigações foi comprada por investidores nacionais, o que significa que os investidores internacionais ainda não regressaram ao País. Terá de emitir uma quantidade razoável de obrigações de maturidade mais longa. Além disso, o País está essencialmente dependente da assistência financeira.
Se Portugal emitir uma obrigação a três anos, com uma maioria de participação de investidores estrangeiros, cumpre os requisitos?
Caberá ao Conselho de Governadores decidir. Só dei uma indicação de que emitir uma vez uma obrigação a três anos não é suficiente.
Mas e se emitir mais uma vez ou duas, isso será suficiente? Nesta fase do processo é importante para a estratégia portuguesa saber com o que pode contar do BCE?
Cabe ao Conselho de Governadores decidir. Eu diria que será necessário emitir uma quantidade razoável de obrigações com maturidades mais longas.
Com mais de três anos?
Sim, ao longo da curva de rendimentos.
O último exemplo de ambiguidade construtiva chegou do Eurogrupo desta semana. A extensão a Portugal e à Irlanda de algumas das condições oferecidas à Grécia não é certa, mas também não está excluída disse o ministro das Finanças português no fim da reunião do Eurogrupo: a redução dos juros e a extensão das maturidades “poderão vir a ser consideradas atraentes por outros países sob programa” e Portugal está “atento a oportunidades nesta matéria e solicitará a discussão no momento oportuno”, afirmou o ministro, depois de na semana passada sinalizado que Portugal poderia beneficiar destas condições.
Perante a profusão de exemplos em áreas tão fundamentais da estratégia anticrise, parece razoável assumir que a estratégia da ambiguidade construtiva assegura os interesses do Eurogrupo e do BCE. Mas será que garante os interesses nacionais?
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