Uma das melhorias relevantes na transparência orçamental em Portugal nos últimos anos foi a criação da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), a trabalhar no Parlamento, e a divulgação das análies regulares que faz à execução orçamental. Um exemplo: quem quiser ficar com uma ideia do que está a acontecer na evolução das receitas e despesas das Administrações Públicas (AP) até Maio – e logo dos riscos para os objectivos orçamentais deste ano – consegue fazê-lo com recurso a apenas dois gráficos de evolução das receita e despesa públicas.
Vejamos o que se passa do lado da receita pública segundo as contas da UTAO (que já ajustam os números ao efeito de medidas pontuais que acontecem só num dos anos, como por exemplo o perdão fiscal do ano passado).
Entre Janeiro e Abril entraram nos cofres das AP 29.324 milhões de euros, um crescimento de 2,4% face aos meses meses do ano passado. O objectivo para o ano é de um crescimento de 3,3%, ou seja, há um desvio negativo de 0,8 pontos (barra azul no gráfico). E o que o justifica? Aqui fica a resposta:
Resumindo: há uma folga considerável nos impostos directos e indirectos, mas que é mais que compensada por um mau desempenho das “outras receita correntes” com destaque, segundo a UTAO, para as receitas com taxas, multas e juros.
Do lado da despesa, os números da UTAO revelam que as AP gastaram até Maio 31.339 milhões de euros, uma queda de 0,4% face a 2013. Esta queda representa um desvio favorável – de 1,3 pontos (barra azul negativa no gráfico) – face à previsão de um aumento de despesa de 0,9% previsto para a totalidade de 2014. E como é que se explica? Segundo gráfico:
As despesa com pessoal e as aquisições de bens e serviços estão a crescer mais que o objectivo anual, mas a compensar há poupanças significativas no investimento e nas outras despesas correntes. Dois problemas realçados pela UTAO: nas despesas com pessoal já há um desvio prejudicial ao défice e ainda não se sente o efeito do aumento de gastos decorrente da reposição salarial que ocorrerá em Junho; e as outras despesas correntes incluem quase 900 milhões de euros em dotação provisional e reserva orçamental dos serviços e que ainda não foi gasta.
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Li o seu livro sobre os 10 erros da troika em Portugal que achei muito interessante e com uma análise muito lúcida da realidade, em agudo contraste com a cegueira ideológica de muitos comentadores. É claro que há um grande fanatismo ideológico, sem base na realidade, da parte das instituições da troika que muito condicionou a sua atuação. O caso recente do BES/GES é a prova mais cabal de que a gestão privada não só não é melhor que a pública como, em muitos casos, é manifestamente pior. E ainda há uma agravante: é que a gestão privada, ao contrário da pública, não tem de prestar contas à sociedade. Mas eu queria falar sobre outra coisa. A troika tem uma estratégia que é a chamada desvalorização interna, dada a impossibilidade de se proceder à desvalorização externa. A desvalorização externa tem, como é sabido, uma vantagem que é o estímulo às exportações, e tem um inconveniente que é a inflação, mas funciona. Há disso inúmeros exemplos em várias partes do mundo. A desvalorização interna não está testada e a mim, que não sou de Economia, parece-me difícil que funcione. Baixar os custos do trabalho tem pouco efeito nos custos das empresas mas, se incidir sobre os salários, tem efeitos recessivos tremendos e se incidir sobre os custos não salariais tem efeito negativo no défice orçamental. Isso só poderia resolver-se através da baixa seletiva da TSU sobre as empresas exportadoras mas as regras da União Europeia não o permitem. Os últimos dados sobre o PIB mostram que Portugal, embora tenha ultrapassado a recessão, está muito longe do crescimento acima de 2% de que necessita para baixar de forma sustentada o desemprego. A questão que eu coloco é a seguinte: a economia portuguesa tem condições para ser competitiva dentro do euro?
Boa tarde caro Cláudio, desculpe a minha resposta tardia, mas o frenesim noticioso dos últimos dias roubou-me o tempo. Muito obrigado pela sua mensagem. Infelizmente não tenho uma resposta para a sua pergunta que, na verdade, e como dizem os anglo-saxónicos, é a questão de um milhão de dólares. Creio que só mesmo o tempo conseguirá responder à inquietação que nasce das dificuldades competitivas nacionais, no contexto de uma região com moeda única forte em termos internacionais e com inflação baixa na generalidade dos seus países. O que sabemos é que qualquer ajustamento nacional neste contexto será pago em cortes salários e desemprego e isso está a acontecer, embora sem proveitos (pelo menos ainda) evidentes. Sabemos também que sair do euro traria um choque económico com consequências dificeis de prever. O futuro dirá o que balanço será feito por todos nós. Cumprimentos, Rui