Post de Miguel Prado, jornalista cá da casa
As poupanças estimadas pelo Governo Fonte: Ministério da Economia
O Governo anunciou a 17 de Maio um pacote para o sector energético que permitirá aos consumidores de electricidade poupar 1,8 mil milhões de euros até 2020. Uma poupança que não se traduzirá em descontos de qualquer tipo na factura da luz, mas antes em evitar (ou tentar fazê-lo) subidas acentuadas ano após ano nessa factura. Contudo, uma grande parte desse bolo de poupança depende do acordo que o Estado consiga “cozinhar” com alguns dos grandes produtores de electricidade.
Para os responsáveis do Ministério da Economia, o pacote de 1,8 mil milhões não é coisa pouca. Para os partidos da oposição, o resultado ficou longe do que poderia ter sido feito. As reacções políticas às medidas anunciadas este mês, dando cumprimento aos compromissos assumidos perante a troika, partiram de uma base de expectativas em que a fasquia tinha um nível elevado: 3,9 mil milhões de euros de “rendas excessivas”, segundo um estudo do próprio governos que nunca chegou a ser divulgado publicamente.
Mas afinal, que cortes foram decididos?
Uns vêem nos cortes às rendas excessivas um copo meio cheio, outros encontram aí um copo meio vazio. Certo é que o Governo cumpriu os compromissos assumidos com a troika de rever em baixa a remuneração dada aos produtores de electricidade em cogeração (produção simultânea de calor e electricidade) e de eliminar o pagamento por garantia de potência (o tal incentivo, ou subsídio, consoante a óptica, para que algumas grandes centrais eléctricas estejam paradas durante boa parte do ano, mas disponíveis para arrancar rapidamente quando o sistema eléctrico o exigir).
Nestas duas medidas o Governo aponta para mais de mil milhões de euros de poupança (700 milhões de euros na cogeração e 385 milhões na garantia de potência). Trata-se de 60% do total de poupanças estimadas pelo Executivo até 2020. O tempo dirá se se tratam de estimativas inflacionadas ou acertadas.
Entre as “rendas excessivas”, a rubrica onde havia sido identificado um maior ganho para os produtores foram os Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual, os célebres “CMEC”: 165 milhões de euros ao ano de rendas. Aqui o corte não foi expressivo. Nesta matéria, que dependia de negociação com a EDP, o Governo não foi além de um reajustamento da taxa de juro que remunerava a EDP por uma das parcelas a receber no futuro pela eléctrica. Pelas contas do Governo, o acordo representará uma poupança de 20,5 milhões de euros por ano para o sistema eléctrico (em benefício dos consumidores). Mas a própria EDP apenas reportou à CMVM um impacto de 13 milhões de euros anuais com esse reajuste. Pondo em perspectiva, com os CMEC o Governo estima ter assegurado uma poupança global, até 2020, de 165 milhões, bastante abaixo do impacto das medidas da garantia de potência (385 milhões) e da cogeração (700 milhões).
O que falta fazer?
Dos 1.750 a 2.000 milhões de euros de cortes estimados até 2020, há uma parcela de 500 a 745 milhões que o Ministério da Economia sinaliza a amarelo. O mesmo é dizer: “por fazer”. Essa parcela abrange as medidas relativas às eólicas, mini-hídricas e extensão de contratos de duas centrais a carvão.
A lista do “a fazer” abrange a publicação de diplomas pelo Governo (onde o Executivo nem precisaria de negociar) mas também alguns processos negociais com importantes operadores do sector, que poderão fazer valer o seu peso na economia como argumento para salvaguardar os seus próprios interesses – um risco que a própria troika não se tem cansado de evidenciar. Por partes:
a) Nas eólicas o projecto do Governo passa por cortar 100 a 200 milhões de euros na remuneração desse tipo de produção de electricidade até 2020. Para isso o Ministério da Economia está a dialogar com o sector, mas já encostou os promotores eólicos à parede: ou aceitam pagar uma contribuição especial, participando no esforço de redução de custos da electricidade, ou serão forçados a receber entre 2020 e 2025 uma tarifa de 25 euros por megawatt hora (o que pode traduzir-se num corte de quê? 75% para grande parte das empresas de energia eólica). Seja como for, nesta matéria o Executivo tem legitimidade para legislar sem precisar de ficar à espera de respostas dos produtores de energia do vento.
b) Nas mini-hídricas a Secretaria de Estado da Energia tem uma estimativa de poupança de 285 a 375 milhões de euros, que resultarão de o Governo colocar um tecto de 25 anos na exploração desse tipo de activos com tarifa bonificada. Ao fazê-lo, o Ministério da Economia põe um travão a anos e anos de remuneração subsidiada (ainda que as maiores poupanças só comecem no final da década). Neste dossiê específico, falta legislar.
c) Mais delicado é o processo ligado às centrais a carvão existentes em Portugal. Em causa está a possibilidade de extensão, para lá de 2020, dos contratos de exploração das centrais de Sines (EDP) e do Pego (consórcio da International Power, Endesa e EDP). A solução do Governo é estender as licenças, em troca de verbas que servirão para descontar nos custos do sistema eléctrico (em benefício dos consumidores). O Executivo espera que as contrapartidas andarão entre 115 e 170 milhões de euros.
Só que aqui o Estado só conseguirá o encaixe se os privados quiserem. E se, por um lado, a central a carvão do Pego tem vários accionistas para discutir o assunto, por outro lado a EDP faz depender a sua posição sobre a central de Sines do que vier a ser acordado para a unidade do Pego. Ora, uma vez que a EDP e a Endesa são concorrentes directos no mercado nacional (e ibérico), e lembrando a contestação já feita pelo presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, não se adivinha uma solução fácil neste dossiê.
Como se vê, o tema das “rendas excessivas” está longe de estar fechado. Depois de um relatório da Secretaria de Estado da Energia (que nunca foi divulgado oficialmente) ter posto a fasquia das “rendas excessivas” nos 3,9 mil milhões de euros, e o Ministério da Economia ter anunciado cortes de menos de metade desse valor, o Governo arrisca-se a novamente decepcionar o “mercado” (da opinião pública), devido à elevada incerteza das rubricas que dependem de negociações com o “mercado” (dos produtores de electricidade). Ainda assim, o Governo tem condições para passar com positiva o exame da troika que está em curso.
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