Em meados de Abril o Tribunal Central Administrativo do Sul proferiu um interessante acórdão onde tomou partido por um de dois direitos em conflito: o direito à informação por parte dos órgãos de comunicação social, e o direito à reserva da vida privada de uma figura de Estado.
Estiveram em causa o interesse público no esclarecimento do contexto tributário em que se fez a polémica permuta da vivenda “Mariani” com a Casa da Gaivota Azul, realizada em 1998 por Aníbal Cavaco Silva, e o direito do actual Presidente da República à sua intimidade, tendo os juízes decidido pela preponderância desta última.
Fonte: direitos reservados
O caso foi suscitado por um jornalista do Público, que, depois de ter sido impedido de aceder à informação pelo Director-Geral dos Impostos, recorreu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, primeiro, e posteriormente para o tribunal superior.
Havia várias questões de interpretação técnica, mas também política, em cima da mesa, que tentaremos aqui resumir:
1. Os procedimentos que levam a Administração Fiscal a atribuir determinado valor patrimonial a um imóvel são documentos administrativos ou são documentos de índole tributária?
O jornalista argumenta que não pretende aceder à situação tributária do Presidente da República na década de 1990. Quer, sim, obter elementos relacionados com “os valores patrimoniais dos imóveis apurados nas diferentes fases da avaliação”. Tendo em conta que o valor patrimonial consta, por regra, “das descrições prediais e de outros documentos de índole pública”, José António Cerejo entende que aplicar-se-ia a Lei que regula o acesso aos documentos administrativos (LADA), e não a Lei Geral Tributária (nas disposições sobre o sigilo fiscal).
O TCAS não corrobora esta tese. Sustenta que os procedimentos que levam à avaliação de um determinado imóvel são dados que dizem respeito à “vida contributiva” de Cavaco Silva, logo, a Lei Geral Tributária e o sigilo fiscal têm de ser ponderados nesta equação.
2. E, sendo matéria do foro tributário, viola o sigilo fiscal?
O TCAS entende que sim, ainda que o sigilo só fosse violado (eventualmente) de forma indirecta.
Argumenta o colectivo de juízes que se se satisfizessem as pretensões do jornalista (dar informação sobre os procedimentos de avaliação sobre dois imóveis, “concretos e individualizáveis”, para saber como foi estabelecido o valor patrimonial) “torna-se potencial, muito provável, a disponibilização de dados respeitantes à situação tributária dos seus proprietários”.
Ou seja, para dar informação sobre o procedimento de avaliação, muito provavelmente a Administração Fiscal teria de fornecer também outro teor de dados que indiciassem a situação tributária do Presidente da República, o que violaria o sigilo fiscal.
3. Justifica-se violar o sigilo fiscal?
Posta a conclusão anterior, há motivos suficientemente fortes que justifiquem a violação deste sigilo fiscal, que os juízes julgam poder estar em perigo? “Não há um motivo social imperioso”, dizem os juízes.
Isto porque “os dados em disputa respeitam, de forma nítida, objectiva, à esfera jurídico-patrimonial do cidadão Aníbal Cavaco Silva (e, possivelmente, sua esposa), acrescendo estar em causa uma transacção ocorrida quando, ainda, não havia, tampouco, sido eleito para a presidência da República”.
Sustenta ainda o colectivo de juízes que, caso Cavaco Silva não fosse Presidente da República, a matéria suscitada pelo jornalista não teria qualquer relevância jornalística, tanto mais que estaremos perante dados “muito técnicos, voláteis” e “bastante discutíveis”.
Tratando-se de uma questão do foro político, a sede própria para discutir estas questões não é os tribunais, dizem, por fim.
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