Não é que seja incomum ver economistas em desacordo, mas às vezes o choque de opiniões ganha contornos caricatos – até para uma ciência que ganhou no século XIX o epíteto pouco abonatório de “dismal science” (a “ciência sombria”, numa tradução livre).
O mais recente caso é em torno da Equivalência Ricardiana (ER). Mas, contrariamente ao habitual, nem está em causa se a hipótese da ER é, ou não, confirmada pela pesquisa empírica. A questão é o verdadeiro significado da hipótese.
Tudo começou com um discurso de Robert Lucas, um dos pais da hipótese das Expectativas Racionais, em que o Nobel da Economia de 1995 ilustrou as implicações da ER no caso concreto da construção de uma ponte. Paul Krugman não gostou do exemplo e, num post publicado ontem, acusou Lucas de não perceber sequer o que significa realmente a ER. A partir daí…
Primeiro, foi David Andolfatto, da Reserva Federal de St. Louis, a reagir num post com o expressivo título de “Será que Krugman compreende a Equivalência Ricardiana?”. Krugman reagiu, Mark Thoma trouxe Robert Barrou para a discussão e Andolfatto regressou ao tema. O debate está no ponto em que Noah Smith o deixou: mas afinal o que é que Robert Lucas queria mesmo dizer na sua intervenção pública?
Quem gosta de macroeconomia pode achar interessante a discussão. Em causa, perguntas como: a ER significa que a política orçamental é neutra? Ou é apenas uma asserção acerca da neutralidade da forma como os gastos são finaciados? E tem isto alguma coisa a ver com o nível de despesa pública ideal?
Um caso ainda mais surreal foi a polémica em torno do sistema de pagamentos europeu, conhecido como Target 2. O alemão Hans Werner Sinn defendeu (já lá vão mais de seis meses…) que os activos e passivos dos bancos centrais europeus junto do BCE podiam ser lidos como um “bail out” implícito da Alemanha à periferia. Martin Wolf deu eco aos números de Sinn e Paul Krugman juntou-se à festa.
Teve de ser Olaf Storbeck, um jornalista do Handelsblatt, a vir a público dizer que a interpretação que Sinn faz dos números do BCE está errada e que é igualmente errado assumir que a periferia está a obrigar a um “crowding out” na Alemanha. O irlandês Karl Whelan também criticou duramente o rigor analítico de Sinn e os artigos começaram a suceder-se. O FT fez um bom apanhado da situação, neste artigo.
Há dois meses, o próprio BCE aceitou intervir no debate, com afirmações que dão a entender que Sinn não tem de facto razão na interpretação que faz do sistema de pagamentos europeu. Mais recentemente ainda, foi o próprio Jurgen Stark a dizer (implicitamente, claro), que Sinn arriscava perder a sua credibilidade. Assunto arrumado? Aparentemente. Até que Martin Wolf fez tábua rasa do esclarecimento do BCE e decidiu repescar o assunto.
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