“In order to improve labor cost competitiveness, wages in the private sector should follow the lead taken by the public sector in implementing sustained pay cuts”.
Troika, no comunicado da segunda revisão do PAEF de Portugal.
A redução salarial, que começou por ser apenas para o Estado mas que a troika quer ver generalizada a toda a economia, pode não ser a panaceia para todos os males que se tem referido. O impacto de um corte no sector privado, em particular, parece estar longe de ser tão eficaz para atingir os objectivos como um corte no sector público. Vejamos cada caso.
Na Administração Pública, o impacto nas contas, e portanto no défice, é directo: são menos 1.800 milhões de euros de despesa. O défice também cai, embora num valor ligeiramente mais baixo porque a medida também faz com que a receita de IRS seja menor. Por outro lado, também há um efeito ao nível dos incentivos: o sector público torna-se relativamente menos atractivo do que o sector privado, o que deve conduzir ao desvio de recursos de um para o outro. Veja-se o seguinte gráfico:
Tomando como base para 2005 o diferencial ao nível salarial estimado pelo Banco de Portugal, e calculando os diferenciais dos anos seguintes através dos números da Comissão Europeia e do próprio Governo, conclui-se que o “prémio salarial” terá desaparecido em 2012 (em média, obviamente). Na prática, isto equivale a tornar o sector público menos atractivo do que o sector privado. Ao impacto orçamental soma-se, assim, um impacto ao nível dos incentivos.
Cortar os salários de forma transversal no sector privado, por outro lado, não tem nenhum impacto no défice. Na verdade, reproduzir a política de corte de subsídios de Férias e de Natal levaria a um novo “buraco orçamental de cerca de 1,7% do PIB, segundo cálculos do Negócios. A medida apenas poderia ter impacto no crescimento económico, caso houvesse problemas de competitividade externa. Contudo, foi já com o argumento do risco orçamental que a desvalorização fiscal foi descartada. Seria difícil repescar o argumento do crescimento para uma medida de riscos semelhantes.
Um corte salarial uniforme tem também o problema de não alterar a alocação de recursos entre o sector transaccionável e o sector não transaccionável. É que um dos “drivers” do crescimento do sector virado para o mercado interno nos últimos anos tem sido o diferencial de salários relativamente ao sector exportador. Como se vê pela análise sectorial, os serviços são bastante mais bem remunerados do que a indústria. Perante isto, não é de estranhar a evolução do emprego relativo.
A desvalorização fiscal permitia “atacar” este problema, ao aumentar as margens do sector transaccionável face ao não transaccionável. Já o corte de salários transversal deixa as rentabilidades relativas inalteradas. É até possível que sirva como travão no regresso ao mercado laboral. Um trabalhador dos serviços que perca subitamente o emprego terá agora de fazer a transição para um posto de trabalho onde o salário será (ainda) mais baixo. Neste contexto, o que se tornará relativamente mais apetecível será o recurso ao subsídio de desemprego.
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