BCE versus FEEF (demasiado técnico, mas importante)

21/11/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

  

 

Os líderes económicos europeus (trocando Trichet por Draghi, claro): Olli Rehn, Comissário; Jean-Claude Juncker (Eurogrupo); Jean-Claude Trichet (BCE) e Klaus Regling (FEEF) na Polónia a 16 de Setembro. Fonte: Bartek Sadowski/Bloomberg

 

Muito se tem falado sobre a necessidade de uma intervenção mais activa do BCE nos mercados de dívida pública. Em Frankfurt, no entanto, a atitude é de resistência. Por um lado, teme-se que a injecção de liquidez decorrente da compra de obrigações gere mais inflação. Por outro receia-se uma eventual perda de independência face ao poder político a criação de risco moral. Mas se o debate tem uma dimensão política essencial, há aspectos técnicos fundamentais que são relativamente complexos de analisar. Esta versão “não convencional” da “reacção dos economistas” partilha prós e contras identificados por vários economistas para as intervenções do BCE e do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF).

  

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.  

 

Partimos de um conjunto de perguntas e respostas que avançámos na semana passada no Negócios, as quais servem de introdução às análises de Stephane Deo, da UBS, e de Jacques Cailloux, do Royal Bank of Scotland (ficam desde já as desculpas pelo inglês) 

 

1) O QUE ESTÁ O BCE A FAZER NA GESTÃO DA CRISE? O BCE iniciou em 2010 um programa de aquisição de títulos de dívida pública (Securities Markets Program ou “SMP”). As compras são feitas aos bancos, com o BCE a frisar que só o faz para garantir o funcionamento da política monetária. O BCE garante ainda que estas compras não terão impacto na inflação, pois são “esterilizadas”, isto é: se por um lado introduz moeda no sistema financeiro europeu com as compras de dívida pública (nos últimos tempos essencialmente espanholas e italianas), por outro retira a mesma quantidade de dinheiro através de operações de secagem de liquidez. O SMP é o tema da polémica, por implicar compra de dívida pública de países, mas o BCE está a fazer várias outras operações extraordinárias. As mais importantes são: a compra de obrigações hipotecárias, a cedência de liquidez sem limites aos bancos e a eliminação das utilização das notações de “rating” como critério para aceitar como colateral dívida pública dos países.

 

2) O QUE É QUE OS CRÍTICOS QUEREM QUE O BCE FAÇA? A pressão sobre o BCE é que afirme que está disposto a intervir, sem limites, na compra de dívida pública italiana, espanhola e de qualquer outro país em dificuldades. No fundo, que actue como credor de último recurso dos Estados pertencentes à Zona Euro. Isto é, que garanta aos mercados que imprimirá o dinheiro que for necessário para comprar dívida pública desses países, tornando assim impossível – por definição, uma vez que o banco central tem capacidade ilimitada de imprimir dinheiro – um incumprimento. Se o fizer de forma credível as taxas de juro nunca atingiríamos recordes que estão a tocar semana após semana.

 

3) O BCE NÃO FICARIA DEMASIADO EXPOSTOS AOS PERIFÉRICOS? Há esse risco, mas economistas como Paul De Grauwe frisam que se o BCE fosse credível, então nem teria de comprar muita dívida pública. Aliás, sustenta, é a actual estratégia de compras “contrariadas” que tem alimentado a desconfiança dos investidores, puxando as taxas de juro para cima, e forçando paradoxalmente a instituição a compras superiores às que faria se assumisse o papel de credor de último recurso. Esta é por exemplo a diferença entre Espanha e Reino Unido: Espanha tem indicadores iguais ou melhores, mas paga juros mais elevados.

 

4) PORQUE É QUE O BCE RESISTE? Os tratados da UE definem que o BCE existe para controlar a inflação, e estabelecem ainda que o banco não poderá financiar a dívida pública de nenhum país. A linha dominante na Alemanha e no BCE é a de que as compras de obrigações não são, por isso, a missão do banco e, por outro lado, são uma forma indirecta de financiamento da dívida pública dos países visados. Além disso, estas intervenções correm o risco de gerar inflação, acrescentam: é que mais moeda em circulação significa, a prazo, aumentos de preços. E é por isso que o BCE apresentou o seu programa de compra de obrigações (SMP) como sendo “temporário”, com o único objectivo de garantir que as decisões mensais de juros têm impacto nas economias do euro (o que fica em causa quando, como acontece em Itália, as taxas de juro da dívida pública disparam para níveis muito elevados). E repete que está a esterilizar as operações que faz, retirando do mercado a mesma quantidade de moeda que coloca em circulação com a compra de dívida.

 

5) O BCE DEVE RECEAR INFLAÇÃO? O BCE foi criado em grande medida à imagem do Bundesbank, o banco central da Alemanha, onde o receio da inflação é muito grande. É verdade que as compras de obrigações pelo banco central são, em certa medida, uma monetização da dívida, e que por  mais moeda em circulação gera inflação. E é também verdade  como frisou recentemente a “The Economist”, que quase todos os episódios de hiperinflação nasceram deste tipo de operações, incluindo a hiperinflação alemã de 1920-24. Contudo, há fortes argumentos para considerar que o BCE conseguiria evitar este risco. Por um lado, com uma economia deprimida como a europeia (desemprego alto, procura baixa), mais moeda em circulação dificilmente significaria mais inflação no curto prazo. Por outro lado, o BCE tem a capacidade de retirar liquidez da economia de forma rápida.

 

6) PORQUE É DIFERENTE SEREM OS GOVERNOS OU O BCE A COMPRAR DÍVIDA? A vantagem é que as compras pelos governos são financiadas por mais dívida, o que não gera inflação. O problema é que os governos não têm capacidade para, de forma credível, actuarem como credores de último recurso – é por isso que Fundo Europeu não consegue estabilizar os mercados.

 

A equipa da UBS, liderada por Stephan Deo, explica a programa compra de obrigações do BCE (SMP)

 

1) ECB’s SMP: How it works, and what limit? With the ECB increasing its purchases of Italian and Spanish paper via the Securities Market Programme (SMP), we have received many requests on the limits allegedly imposed on the ECB on the SMP programme, as well as on the limits of sterilisation. The answer is simple, both for SMP and its sterilisation, there is no legal limit and no technical limits.

 

2) How is the SMP implemented? The Eurosystem (i.e., the ECB and the 17 national central banks of the EMU) buys sovereign paper in the market and prints money to do so (…) The way the SMP is sterilised is by borrowing from the market on a seven-day basis.

 

3) Do we care about sterilisation? The irony is: no. Since October 2008, after the LEH default, the ECB is implementing repo operation with “full allocation”. This means that banks can bid the amount they want at the repo operation. In short, they can “de-sterilise” the sterilisation. The ECB implemented a major step in October 2008. It has decided to give up the control of the money base; now banks decide the amount they want. Which means that this debate on sterilisation is not very relevant.

 

4) Any implementation problems? The problem can come if banks in distress use the SMP to get the cash they do not obtain in the market. And if other banks hoard the cash, they have and refuse to lend it to ECB. In that case (quite far fetched) the ECB could be in a position where it cannot borrow back the cash injected. However, such a situation in which banks are so desperate that they keep their cash and refuse to lend it even to ECB on just seven days would be a major liquidity trap. So although the technical details above can indeed happen, if they were to materialise we would need to call for acute deflation. At this point, sterilisation for fear of inflation would be the last thing to worry about.

 

 

Jacques Cailloux, do Royal Bank of Scotland, expõe vantagens e desvantagens de compra de obrigações pelo FEEF e pelo BCE

 

Seis desvantagens das compras feitas pelo FEEF

 

1) Given the necessary upscaling of the EFSF under such large scale programme, the rating pressure on stakeholders and pressure on core bond markets would increase the cost of funding for the EFSF and thus of the countries receiving help.

2) The EFSF needs to raise funds on the market and so it could be possible for the market to calculate the amount of secondary market operations and then test the appetite to keep interventions going. (This may require then a commitment by the ECB to intervene in the interim of new funds raised). Any indication about the total potential amount of buying (which would implicitly be known by the amount of issuance done by the EFSF) might be a negative except if the amount is truly seen as sufficient.

 

3) The EFSF might be forced to raise a very significant amount of bonds in a short while and during difficult market conditions. Raising close EUR 1tln in a short period of time is likely to be challenging, at the very least it will lead to a significant increase in EFSF's funding cost. Moreover, EFSF supply is not a perfect substitute for sovereign supply. The name does not yet have the same breadth of investors as some sovereigns and will need to develop sufficiently large credit lines amongst investors to allow such large volumes to be funded. Not being included in sovereign indices also does not help on this front. In context, total annual supply from supranationals and non-US agencies, including EIB or the European Union, is around EUR 500bn equivalent across all currencies. Nonetheless, the EFSF could also access short-term markets to complement its longer-term funding if it opts for a ‘diversified’ funding strategy (unlike the ‘matched’ funding at present, which matches its long term funding to the maturity of any loans provided). In such a scenario the total amount raised by the EFSF would not be as transparent, whilst also allowing large amounts to be raised more quickly.

 

4) Markets might fear that the EFSF might be exposed to losses on the bonds it buys especially if Greece has a PSI as part of its bail out II.

 

5) Another downside is that the EFSF raises 'fresh' money in the market to invest it in already issued securities so there is no new cash given to the country in question which is different to a situation where the EFSF buys bonds in the primary market and/or lends to a country (ie where there is new cash given to the country).

 

Quatro vantagens das compras feitas pelo FEEF

 

1) Action by the EFSF in scope and in size looks like a pan EMU fiscal operation and leads markets to think ahead to possible further integration of the debt markets.

 

2) EFSF operations would not damage the credibility of the ECB.

 

3) The EFSF is more of a fiscal instrument than the ECB is.

 

4) The EFSF could evolve towards a European debt agency.

 

Quatro desvantagens de compras feitas pelo BCE

 

1) The operations could impinge on the ECB's ability to conduct regular monetary policy. Otherwise, the same cons as above, including distortions to bond markets that means low private sector participation in all/some future primary issuance, and political fallout.

 

2) Risks of political fall out with countries that typically oppose any form of bond buying.

 

3) Legal risk around the conduct of the programme.

 

4) ECB will have a hard time to buy bonds from countries that might have a haircut down the road or might potentially face a downgrade to SD or D.

 

Duas vantagens de compras feitas pelo BCE

 

1) Technically, unlimited resources to conduct the operations. The ECB capital key would be seen as the indirect method by which Europe has enacted a defacto risk transfer across the regions.

 

2) Speed of intervention

 

 

 

Rui Peres Jorge